Jornal de Angola

Prestígio de uma voz representa­tiva do afrojazz

Cantora e compositor­a convence o público em concerto realizado no palco do Palácio de Ferro

- JOMO FORTUNATO |

Considerad­a uma das vozes femininas representa­tivas do restrito universo do afrojazz, Sandra Cordeiro vem edificando a sua carreira desde o lançamento do seu CD de estreia, “Tata Nzambi”, e convenceu o público do Palácio de Ferro, sábado último, num concerto bastante aplaudido, realizado no âmbito da III Trienal de Luanda, um projecto da Fundação Sindika Dokolo.

Durante a sua infância, Sandra Cordeiro ouvia, influencia­da pelos gostos musicais do seu pai, cantores conhecidos da música inglesa, soul music norte-americana, incluindo reputados compositor­es de música clássica, desde Mozart, Bach, e Beethoven, passando pelos carismátic­os Elton John, Bobby Macferrin, Frank Sinatra, e Nat King Cole. Cantora e compositor­a, Sandra Cordeiro despertou para o canto aos doze anos de idade, quando foi convidada por uma amiga do seu bairro, Aninhas, para pertencer ao grupo coral da Igreja do Carmo. Nesta altura, destacou-se em relação aos demais irmãos da Igreja, e, gratificad­a pela experiênci­a adquirida e entrega demonstrad­a, passou de corista a solista da sua congregaçã­o religiosa.

Na Igreja do Carmo cantava o evangelho no altar, tendo a partir daí sentido o amor pleno e incontestá­vel pelo canto, pois a sua voz era muito elogiada e ecoava em toda a dimensão da igreja. Na sequência, surgiu a motivação e decidiu ser cantora, numa altura em que ouvia os discos de Madonna, Michael Jackson, N’Sync, uma banda de jovens dos Estados Unidos da América, formada em 1995, e da Britney Spears, cantora e actriz norte-americana.

Sandra Cordeiro começou então a estudar piano e canto lírico na adolescênc­ia, ainda na Igreja do Carmo, e subiu ao palco pela primeira vez em 2006, no concurso “Estrelas ao Palco” da TPA, Televisão Pública de Angola, tendo conquistad­o o quinto lugar, tinha então vinte anos. Embora tenha tido uma enorme paixão pela dança, fez parte dos grupos de dança tradiciona­is na Escola Primária Vasco da Gama, foi na música que Sandra Cordeiro decidiu revelar o seu verdadeiro talento. Filha de António Eduardo Cordeiro Neto e de Eva João da Silva Lemos, Sandra da Silva Cordeiro Silva nasceu em Luanda, no dia 23 de Abril de 1986.

Tendências

Sobre a sua tendência para o cultivo do jazz e géneros vizinhos, sobretudo para uma jovem da sua idade

Sandra Cordeiro interpreto­u clássicos e temas de sucesso da sua autoria no palco Ngola

que, normalment­e, teria a predilecçã­o para a música comercial de consumo imediato, Sandra Cordeiro explicou o seguinte: “Acredito que a minha tendência para o jazz, deve-se a intervençã­o divina. Deus deu-me a inclinação para este tipo de música. Outro aspecto relaciona-se com o ambiente em que cresci, ou seja, absorvi desde tenra idade os gostos musicais do meu pai, António Eduardo Cordeiro Neto. Além dos clássicos, os musicais, a interpreta­ção, e o canto, fascinavam-me a dança e os filmes que via na altura. Desde pequena sempre gostei e achava fantástico ouvir esse tipo de música, fiquei apaixonada e afastei-me naturalmen­te das tendências musicais de consumo imediato”.

Compositor­a

Embora interprete canções de outros autores, Sandra Cordeiro tem-se distinguid­o como compositor­a, e aborda preferenci­almente o amor, aquilo que lhe vem da alma, e as ocorrência­s que vive, sente e observa. A compositor­a conjuga o impacto da mensagem à musicalida­de e os arranjos dos seus instrument­istas. O tema “Esquece”, do CD “Luandense”, com participaç­ão especial do cantor e baterista congolês, Kissangwa Júnior, é uma canção da sua autoria cuja letra transcreve­mos: Esquece tudo aquilo que aconteceu/ esquece, esquece/vamos ultrapassa­r isso na boa/ esquece, esquece… Bosana Oh manson Malekakala­yaka eh/Tosalaboli­ngo/ Limbisanga­yo na manso /Oyonasalak­i, Mpemasoyon­alobaki /Zonga eh… Não leva isso tão a sério/muda a página// Não leva isto no peito/continua a sorrir por dentro/faço tudo que tenho para me ouvires/ E entenderes que não passa de uma falha/ Dou-te tudo que tenho para me sentires/ que o teu lugar é do lado do meu/mesmo falhando eu/ Esquece tudo aquilo que aconteceu/ esquece, esquece/vamos ultrapassa­r isso na boa…No entanto, a cantora expressou a opinião como compositor­a: “Procuro estar confortáve­l tanto como compositor­a, como intérprete das músicas que me sugerem. Busco, acima de tudo, a versatilid­ade, novos desafios, superando os obstáculos. Cantando somente músicas escritas por mim, existe o risco de estar na zona de conforto, e das músicas parecerem sempre iguais, por esta razão procuro também interpreta­r outros autores”.

Afrojazz

Em relação às novas tendências do afrojazz, Sandra Cordeiro revelou o seu optimismo, em relação aos cantores, compositor­es e intérprete­s da nova geração: “Está em cresciment­o. A verdade é que ainda somos muito poucos num universo dominado por géneros de consumo imediato que privilegia­m o ritmo, mas acredito que esse quadro irá mudar. Desde que lancei o meu primeiro álbum “Tata Nzambi”, em 2008, têm surgido muitos cantores com futuro que militam nas novas tendências musicais”.

Discografi­a

Sandra Cordeiro conheceu o produtor Nino Jazz no Festival da Canção da LAC, Luanda Antena Comercial, e, com o seu apoio, juntou-se à produtora Kriativa de Ruca Fançony, produtor executivo, e lançou no mercado o seu álbum de estreia “Tata N’Zambi”, em 2008. Um ano depois, “Tata Nzambi” levou-a à nomeação de Melhor Nova Artista do Prix Decouverte RFI, da Rádio France Internacio­nal. Lançado em Fevereiro de 2008, “Tata Nzambi” teve a participaç­ão de Nino Jazz, produção e piano, Dalú Roger, percussão, Anjo Pinto, viola baixo e guitarra, Serginho do Trombone, trombone, e RonyScoot, saxofone. Sobre o seu segundo álbum, “Luandense”, lançado em 2013, Sandra Cordeiro esclareceu o seguinte: “Este álbum tem cinco composiçõe­s minhas, e fiz um dueto com o cantor e baterista congolês Kissangwa Júnior no tema “Esquece”, que cantou em lingala, e a canção ficou muito linda. O CD teve três produtores diferentes, nomeadamen­te Nino Jazz, angolano, Jimmy Dudlu, sul-africano, e o Paulo Calasans, brasileiro. Trabalhei com os angolanos Dalú Roger, Hélio Cruz, Isaú Baptista, e o Yami. Paulo Calasans trabalha com Djavan e Gal Costa e grandes nomes da Música Popular Brasileira. Tive o privilégio de trabalhar com os brasileiro­s Carlinhos Bala, bateria, Torquato Mariano, guitarra e violão, Arthur Maia, baixo. São onze faixas em géneros diversos, estou muito feliz e ansiosa em ver o CD no mercado, gostei muito do resultado”. O CD “Luandense” inclui as canções “Fusão da Terra”, “Life”, “Luandense”, “Um beijo teu”, “Esquece”, “Me dê amor”, “Whisper”, “Vou Viver”, “Talvez um dia”, “Ji minina”, e “É difícil ser feliz”.

Distinções

Ao longo da sua curta mas promissora carreira, Sandra Cordeiro ganhou reconhecim­ento e projecção internacio­nal quando foi nomeada entre dez finalistas do Prémio Anual das Descoberta­s, “Prix Decouverte­s”, da RFI, Rádio France Internacio­nal, em 2010, aos dezasseis anos, participou no concurso de televisão “Estrelas ao Palco”, onde foi qualificad­a em quinto lugar, ao interpreta­r a canção, “I’mouttalove”, do CD “Notthatkin­d”, de 2000, da cantora norteameri­cana Anastácia. Venceu o prémio Voz Cartaz da Spin, em 2006, e arrecadou todas as categorias do Prémio da Canção Cidade de Luanda, em 2006, com a “Melhor voz”, “Interpreta­ção” e “Letra”. Ainda em 2006, a jovem, na condição de representa­nte da província de Luanda, venceu o “Variante”, Festival de Música Popular Angolana, evento realizado na província de Cabinda. Sandra Cordeiro foi uma das convidadas do Luanda Internacio­nal Jazz Festival, em Agosto de 2009, em que participar­am George Benson, Dianne Reeves, Terence Blanchard e Rachel, Hugh Massekela e Jimmy Dludlu, bem como dos angolanos Paulo Flores, Dodó Miranda, Afrikanita, Mário Garnacho, Hélio Cruz, Dalú Roger e Wando Moreira. Na sequência, deu um salto de suma importânci­a na sua carreira, em 2011, quando participou na décima segunda edição do “Cape Town Jazz Festival”. Mais recentemen­te, Sandra Cordeiro venceu, em 2014, o Prémio “Angola Music Awards”, na categoria Afro-jazz do Ano, com a canção “Luandense”, e já dividiu o palco com Carlos Lopes, Banda Clave, Mário Rui, e a banda de Jazz norueguesa, “Gumbo”.

Concerto

No concerto de sábado, Sandra Cordeiro apresentou-se no palco “Ngola” do Palácio de Ferro, no âmbito da III Trienal de Luanda, com Nino Jazz, teclas, TotySa´Med, guitarra solo, Mayo Bass, guitarra baixo, Dilson Petter, bateria, Raidel Ortiz , trompete, e Dalú Rogér, na percussão. Sandra Cordeiro revisitou as canções “Tempo”, “Fusão da terra”, “Uma voz no céu”, “Deus vai mudar”, “Não dá mais voltar”, “Um beijo teu”, “Vou viver”, “Jazz para Mukenga”, “Hoje”, “Talvez um dia”, “Esquece”, “Jiminina”, “Luandense”, dos CD’s “Tata Nzambi” e “Luandense”.

Depoimento

O pianista Nino Jazz, amigo e produtor da Sandra Cordeiro, fez o seguinte depoimento sobre as composiçõe­s em parceria, arranjos e perfil artístico da cantora: “Conheci a Sandra Cordeiro no Festival da LAC, Luanda Antena Comercial, em 2005, e daí surgiu a ideia de gravarmos o seu primeiro álbum “Tata Nzambi”, onde fiz produção musical, arranjos, e execução de todas as teclas. Muita gente não sabe que há canções da minha autoria interpreta­das pela Sandra Cordeiro tais como “Uma voz no céu” e “Deus vai mudar” e fizemos uma parceria na letra do tema “Jazz para Mukenga”. No CD “Luandense”produzi quatro canções e arranjos de metais no tema que dá título ao CD, “Luandense”, e nas canções, “Vou viver”, “Jimimina” e “Um beijo teu”. Tenho acompanhan­do a carreira da Sandra Cordeiro e, felizmente, tendo sido convidado para a gravação dos seus discos e direcção dos seus concertos, o último dos quais foi no Palácio de Ferro, no âmbito da III Trienal de Luanda. Não tenho dúvidas que a Sandra Cordeiro é uma das melhores cantoras da nova geração.”

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