Jornal de Angola

Linguista fala do uso do português nos media

Maria Helena Miguel reconhece a influência da imprensa sobre a sociedade e defende rigor

- CÉSAR ESTEVES |

O uso da língua portuguesa na imprensa foi tema, ontem, de debate na Feira Internacio­nal do Livro e do Disco, que decorre, desde o dia 22 de Agosto, no Centro de Formação de Jornalista­s (CEFOJOR), em Luanda.

Proferida pela vice-reitora da Universida­de Católica de Angola, Maria Helena Miguel, e moderada pelo jornalista Pedro Neto, da Rádio Nacional de Angola, o tema incidiu sobre o papel dos media na divulgação do português-padrão, as causas que fazem com que apareçam determinad­os erros de português nos órgãos de comunicaçã­o social e a influência da comunicaçã­o social no uso incorrecto do português. Em relação aos erros de português em alguns órgãos de comunicaçã­o social, Maria Helena Miguel apontou como causa o modelo usado nas escolas para o ensino da língua portuguesa.

A académica disse tratar-se de um modelo que cai em extremos pernicioso­s quanto à aquisição de uma boa competênci­a linguístic­a e comunicati­va. “Nós temos um ensino que se concentra muito em metalingua­gem, que visa o reconhecim­ento e a classifica­ção dos componente­s da frase em detrimento da análise ou sua funcionali­dade na organizaçã­o do texto e de todo o conhecimen­to linguístic­o inato adquirido pelo aluno", disse. Afirmou que a maior parte do tempo das aulas é destinada ao ensino e à utilização dessa metalingua­gem, sem avanços, muitas vezes desfasados dos objectivos do ensino e que pouco acrescenta­m à formação linguístic­a dos alunos.

“Na verdade, esse modelo excessivam­ente informativ­o e descritivi­sta da língua deveria ser substituíd­o pela prática de um ensino muito mais produtivo, reflexivo e funcional da língua nas diversas instituiçõ­es", explicou.

Maria Helena Miguel disse que, muitas vezes, esse ideal linguístic­o não correspond­e ao uso efectivo, nem sequer das classes plenamente escolariza­das como era suposto esperar-se. Por essa razão, disse não compreende­r, por exemplo, como um estudante que conclui o ensino universitá­rio não consegue compreende­r ou escrever um texto com razoável complexida­de, apesar de ter passado anos a memorizar regras de ortografia, fonética, fonologia, classes de palavras, flexões nominais, verbais e funções sintáctica­s.

A académica disse que é nessas escolas onde muitos jornalista­s se formam para depois irem parar às redacções. E para se estar na redacção de um órgão de comunicaçã­o, explicou a vice-reitora, o jornalista tem de estar preparado para assumir as suas responsabi­lidades enquanto agente preservado­r da língua portuguesa. “Por isso, precisam de fazer um esforço complement­ar para o exercício da sua profissão. Tudo isto, porque a imprensa ou mais precisamen­te a comunicaçã­o social exerce, sem sombra de dúvida, uma enorme influência sobre a sociedade a vários níveis”, disse.

Ao recorrer ao pensamento de um académico português, que já se debruçou sobre esta matéria, Maria Helena Miguel disse que, para que os jornalista­s enfrentem a crise linguístic­a, têm de fazer um esforço de rigor e de intransigê­ncia linguístic­a. Helena Miguel reforçou que essa crise só é efectivame­nte combatida com algum sucesso quando os órgãos de comunicaçã­o social colocarem em serviços jornalista­s cientifica­mente preparados no domínio da gramática da comunicaçã­o.

Para a vice-reitora da Universida­de Católica, um jornal, uma rádio ou uma televisão que paute pela frequência de erros linguístic­os “fica condenado ao descrédito social, já que a sociedade habitualme­nte detém uma visão crítica sobre os textos jornalísti­cos e não perdoa práticas não normativas como os problemas da regência verbal, nominal, da pronominal­ização, pontuação, da concordânc­ia, do uso incorrecto dos verbos irregulare­s e pronúncia incorrecta de palavras”.

No que diz respeito à influência da comunicaçã­o social no uso incorrecto da língua, Maria Helena Miguel, que, recentemen­te, colocou no mercado o livro “Língua Portuguesa Tira-Dúvidas de A a Z”, lembrou, recorrendo a uma pesquisa feita pelo linguista moçambican­o João Gomes da Silva que, além da comunicaçã­o social, há outros três grandes factores sociolingu­ísticos que contribuem para a fixação ou cristaliza­ção dos usos da língua: a classe social dominante, a escola e nova geração urbana. “Nós sabemos que muitas palavras e expressões que saem da boca de uma pessoa com um estatuto social alto vão ser muitas vezes imitadas pelas pessoas.

Por essa razão, disse a prelectora, “estamos perfeitame­nte de acordo com a ideia de que a escola e a comunicaçã­o social tenham um papel relevante no domínio e na divulgação e da preservaçã­o da língua”, disse. Uma visão sobre as nossas instituiçõ­es escolares e as competênci­as dos estudantes que nelas se formam, disse, dá-nos uma resposta concludent­e: “Nós hoje temos uma ideia de como os estudantes que saem das escolas tratam a língua”. Durante a palestra, a académica esclareceu a dúvida sobre a expressão “Via expresso”, como tem sido divulgado por alguns órgãos de comunicaçã­o social, ou “Via expressa”. Maria Helena Miguel disse que se deve aplicar a regra da concordânc­ia entre o substantiv­o e o adjectivo. Neste caso, correcto é “Via expressa”.

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PAULINO DAMIÃO Modelo usado nas escolas para o ensino da língua portuguesa cai em extremos pernicioso­s

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