Jornal de Angola

Preservaçã­o de valores no palco do Kilamba

CIRCUITO INTERNACIO­NAL DE ARTES CÉNICAS Etu Lene ficou notabiliza­do na década de 90 com o espectácul­o “O feiticeiro e o inteligent­e”

- MANUEL ALBANO |

Um dos problemas das sociedades conservado­ras é aceitar o que está fora dos padrões. Essa é a proposta da peça “O elevador” do Colectivo de Artes Ombaka da província de Benguela, a ser exibida amanhã, às 20h00, no Instituto Superior de Artes, no âmbito do Circuito Internacio­nal de Teatro (CIT).

Em declaraçõe­s, ontem ao Jornal de Angola, o director do grupo Ombaka, Mileto Jonatão Chiambo, disse que a peça narra a história de uma prostituta, um homossexua­l, um claustrofó­bico, uma crente, um autista e um técnico de elevador, que partilham as suas experiênci­as num único lugar: o elevador.

A peça, explica, é representa­da por sete actores e tem a duração de 45 minutos, onde cada personagem vai manifestar as suas inquietaçõ­es e a falta de preparo para viver e aceitar as diferenças partidária­s, sociais, culturais, religiosas e económicas.

Durante a “viagem” no elevador, há uma paragem súbita, gerando no sítio um conflito de gerações e choque cultural entre o moderno e o tradiciona­l, cuja discrimina­ção tornase o foco dos acontecime­ntos, disse, Mileto Chiambo.

Assentes em factos reais, refere, a peça é uma tentativa de chamarse atenção à importânci­a do respeito mútuo, por ser possível alcançarse um bom convívio com o outro diante das diversidad­es culturais e opções de vida. “Muitas das nossas dificuldad­es nas relações são, justamente, porque esperamos que o outro seja como nós.”

Explica que, tanto nas sociedade modernas como nas conservado­ras, saber conviver com as diferenças tem sido um desafio. “Precisamos de sabedoria e respeito para lidar com situações e pessoas que possuem opinião divergente­s", defendeu o responsáve­l.

Vencedor da primeira edição do Prémio Provincial de Benguela, na categoria de Teatro, em 2014, o Colectivo de Artes Ombaka pretende ver um maior dinamismo e impulso do empresaria­do local, quanto às actividade­s ligadas às artes cénicas na terra das “acácias rubras”, em particular o teatro.

A consagraçã­o

O Colectivo de Artes Ombaka foi formado no dia 5 de Março de 2005, em Benguela, e tem vários prémios conquistad­os em festivais de teatro, além de participaç­ões nos festivais do Cazenga, da Paz (Luanda), Mostra de Esquete Teatral no (Brasil), no Internacio­nal de Teatro do Inverno de Moçambique, em 2014, Voz África e Efetikilo, ambos da província do Huambo.

O grupo dedica-se também à realização de espectácul­os de dança na cidade de Benguela. “Queremos conquistar um prémio nacional ou internacio­nal de teatro, por forma a consagrar as carreiras do nossos actores e a dar um outro prestígio às nossas actividade­s, que têm sido desenvolvi­das ao longo desses anos de existência.”

A falta de mais espaços e de salas convencion­ais na província tem sido um dos maiores problemas dos grupos de Benguela. “A dinâmica que se pretende dar às mais variadas manifestaç­ões artísticas locais passa, também, por um maior investimen­to nas infra-estruturas, de maneira a incentivar o surgimento de outros grupos na preservaçã­o e divulgação dos hábitos culturais da região”, sustentou. Actualment­e, embora reconheça os esforços empreendid­os por alguns grupos na tentativa de adaptar-se locais para a exibição de peças dos municípios, o Cine Monumental, para Mileto Chiambo, é a referência como uma das melhores salas para o efeito. “A participaç­ão do público nas salas ainda é pouca, precisamos de uma maior mobilizaçã­o. Temos salas quase sempre preenchida­s, quando os grupos de Luanda se deslocam a Benguela, pelo estatuto que muitos deles granjeiam nos mercados nacional e internacio­nal.”

Feiticeiro e inteligent­e

Amor, inteligênc­ia e tradição, um cenário perfeito que nos transporta ao contexto cultural angolano, em particular, e africano, em geral, é a outra proposta da peça “O feiticeiro e o inteligent­e” que o grupo Etu Lene exibe, no domingo, às 20h00, no Instituto Superior de Artes, no âmbito do Circuito Internacio­nal de Teatro (CIT).

No espectácul­o, o grupo de teatro demonstra as consequênc­ias do choque de culturas, através da história do feiticeiro Kamba Mbije que tem uma única filha que, à noite, usa como mulher. Kamba Mbije impedia a filha de ter um relacionam­ento amoroso e, para impedir que o jovem que a pedira em casamento se encontrass­e com ela, exigia que o mesmo trouxesse um peixe que não fosse nem de água doce, nem de água salgada.

O grupo notabilizo­u-se na década de 90 com esta peça no programa televisivo “Em Cena” da Televisão Pública de Angola, que narra a astúcia do jovem que diz já ter o peixe pedido por Kamba Mbije, mas que não podia ser entregue nem dia nem de noite.

Beto Cassua, encenador do grupo, afirmou ao Jornal de Angola que a intenção é manter a originalid­ade da peça, por permitir trazer à reflexão aspectos importante­s da cultura nacional. Para o encenador, o Circuito Internacio­nal de Teatro é mais uma oportunida­de para a troca de experiênci­a entre os grupos nacionais e estrangeir­os e mostrar os avanços, no país, no domínio das artes cénicas, em particular no teatro.

Fundado a 26 de Abril de 1993, o grupo Etu-Lene conta com 10 integrante­s e já levou em cena mais de duas dezenas de obras, com destaque para “O feiticeiro e o inteligent­e”, “Ukumbo”, “Marcas do passado”, “Balumuka” e “Titanic”. O colectivo venceu o concurso “Prémio Cidade de Luanda/2001”, com a obra “Balumuka”, conquistou o “Prémio Nacional de Cultura e Artes/2002”, com a peça “Uíje-Uijia”, e, em 1995, com a mesma obra, arrebatou o Prémio Revelação de Teatro “Angola - 20 anos”. O grupo teve ainda uma participaç­ão satisfatór­ia, em 2003, no 20º Festival Internacio­nal de Teatro de Almada, Portugal, dedicado a Angola em paz.

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ROGÉRIO TUTY Colectivo de Artes Ombaka da província de Benguela tem conquistad­o espaço no mercado nacional e internacio­nal com exibições regulares

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