Aposta na industrialização é o caminho a seguir
ONU lamenta falta de financiamento à agricultura apesar do potencial do continente africano
O relatório económico deste ano sobre África, que prevê que a região mantenha o nível de desemprego apesar da “performance relativamente boa diante da crise económica global”, demonstra que as matérias-primas do continente africano devem ser transformadas no continente.
A tese é do secretário-executivo da Comissão Económica da ONU para a África, Carlos Lopes, para quem a exportação em bruto “cria muito poucos postos de trabalho”, como demonstra o facto de a África ter níveis de desemprego próximos dos 40 por cento em alguns países do continente.
O facto de não existir suficiente acrescento de valor às matérias-primas em África “justifica em parte a crise”, razão pela qual os africanos “têm de olhar não tanto para os preços em si, mas sobre as possibilidades de os africanos poderem transformar mais no próprio continente os produtos que a natureza nos oferece”, defende Carlos Lopes.
Apesar de afectar o rendimento e a economia, prossegue, o peso das matérias-primas não é o principal factor de crescimento dos países africanos e as economias africanas têm vindo a evoluir.
A Nigéria, o maior exportador de petróleo em África, cujo sector de hidrocarbonetos representa cerca de 16 por cento das receitas do país, é apenas um exemplo, acrescenta.
Carlos Lopes fala numa “nova dinâmica dada à economia de vários países pelos investimentos na tecnologia e na inovação” e conclui que países pequenos como Cabo Verde e São Tome e Príncipe “de uma forma geral continuam com bom desempenho”, ao mesmo tempo que chama a atenção para “os desafios menos complexos em relação às maiores economias africanas”.
Agricultura é o caminho
As declarações de Carlos Lopes vão ao encontro das de Kanayo Nwanze, o presidente do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola. Kanayo F. Nwanze alertou na 6.ª Conferência Internacional sobre Desenvolvimento Africano (Ticad), realizada na semana passada em Nairobi, capital do Quénia, que a África gasta anualmente 35 mil milhões de dólares para importar alimentos que se fossem produzidos no continente africano podiam criar milhões de postos de trabalho no sector agrícola.
Aos líderes africanos presentes no encontro, Kanayo F. Nwanze advertiu que “as oportunidades para a prosperidade no continente são enormes, mas os investimentos precisam de ser redireccionados para o sector agrícola”.
A África, prosseguiu, tem 25 por cento das terras aráveis do planeta [Terra], mas produz apenas 10 por cento da produção agrícola mundial, o que, sublinhou, “demonstra que os dirigentes africanos estão a falhar com a população com os investimentos débeis na agricultura e infra-estrutura e com a falta de políticas de apoio a agricultura”.
O presidente do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola elogiou o continente africano por ser a segunda região do Mundo que mais rapidamente cresce, mas também lamentou que mais de 300 milhões de africanos vivem abaixo da linha da pobreza, a maioria em áreas rurais. Tais dados, concluiu, demonstram que o crescimento económico não está a ser traduzido em combate à pobreza e que os africanos “precisam de oportunidades e não de ajudas”.
Financiamento insuficiente
O mais recente relatório da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) dá razão a Carlos Lopes e a Kanayo F. Nwanze.
O documento mostra que 23 por cento dos agricultores e exportadores de 16 países sentem que o acesso a verbas ficou mais restrito nos últimos cinco anos e que para 64 por cento a situação não melhora, quando dados científicos demonstram que o potencial da região é enorme.
Na África Oriental, é referido no documento, as exportações de produtos orgânicos passaram de 4,6 milhões em 2003 para 35 milhões em 2010, no mesmo período em que as colheitas em países como Burundi, Quénia, Ruanda, Uganda e Tanzânia aumentaram.
O relatório indica serem necessários investimentos para que os agricultores possam certificar os seus produtos como orgânicos, criar grupos de produção e investir em marketing e na compra de equipamentos.
A falta de garantias de crédito e a capacidade insuficiente dos bancos de integrar os detalhes da agricultura orgânica nos planos de financiamento são obstáculos para agricultores e exportadores africanos, é acrescentado no documento.
Para alterar o quadro, a UNCTAD defende “fortemente” um esforço coordenado para melhorar a recolha de dados entre valores domésticos e internacionais de produtos orgânicos africanos “para que um melhor plano de negócios possa ser criado no continente [africano].