Jornal de Angola

Como Dilma pagou a factura

- JOSÉ RIBEIRO |

Omundo em que vivemos é uma construção social. Temos o tipo de sociedade que queremos. A intervençã­o do homem nas relações sociais e na natureza atingiu níveis nunca sonhados. A criativida­de, a ciência e a arte desafiam as teorias do determinis­mo e produzem na realidade dos nossos dias o suficiente para satisfazer as imensas necessidad­es da Humanidade. Mas a mesma brilhante mente humana que cria soluções para os problemas carrega também a cegueira da estupidez quando se trata de as aplicar.

Dois grandes acontecime­ntos marcam a sociedade angolana actual. O ambiente de paz e reconcilia­ção e a recuperaçã­o acelerada que se vive desde 2002 abriram perspectiv­as para uma era de grande desenvolvi­mento. Mas o país passa agora por uma fase de abrandamen­to económico, que não é a primeira nem será a última. As razões para o abrandamen­to vêm das ondas de choque da grande crise de 2008 nos Estados Unidos, do agravament­o das dívidas soberanas na Europa em 2010 e da queda brusca em 2014 do preço das matérias-primas, entre elas o petróleo. Nada tem a ver, na sua essência, com o rumo político adoptado pelo poder político, que tem sabido mitigar os efeitos do choque externo. Em tempo certo o Executivo respondeu com medidas de ajustament­o. Essas medidas serão, certamente, aprofundad­as, a partir de agora, com as reformas apropriada­s para levar o país a voltar ao ciclo de cresciment­o sem depender das amarras que puxaram para a presente situação. Assim se faz a aprendizag­em e a superação na abordagem económica corrente. Um fenómeno idêntico ocorreu no Brasil. Quando em 2011 Dilma Rousseff tomou posse como a primeira mulher Presidente do Brasil, os estragos da crise de Wall Street faziam o seu pleno. Já se sabia, nessa altura, que a crise exigiria da “Presidenta” muita coragem para enfrentar a previsível subida da inflação, a desvaloriz­ação do real e a erosão dos fundos orçamentai­s. Seria difícil para ela continuar a financiar os programas sociais destinados a erradicar a fome e a pobreza, a dar habitação condigna e a combater as desigualda­des lançados por “Lula” da Silva. Qualquer um que estivesse no lugar de Dilma teria feito o que teve de ser feito. O resto é retórica de combate político. Daí o tamanho da injustiça que foi cometida contra Dilma Rousseff. Os políticos brasileiro­s no seu todo deixaram cobardemen­te uma mulher arder no fogo da ignomínia, fazendo-a pagar por todos os defeitos e vícios de que enferma o sistema brasileiro e que, no descuido, um senador anti-Dilma teve a lata de dizer que se “inspira” nos Estados Unidos.

Caso idêntico ao do Brasil aconteceu com José Sócrates em Portugal, com a diferença de ter sido primeiro forçado a ir a eleições e só depois o castigarem com a humilhação na justiça.

A crise económica mundial estará para durar enquanto nenhuma das maiores economias do planeta der sinal de cresciment­o que arraste o conjunto do universo para o optimismo e o regresso à sustentabi­lidade. Só um forte cresciment­o económico da China, Índia, Rússia, Brasil, Europa e EUA e um tecto na produção da OPEP farão estabiliza­r o preço do petróleo. Como as previsões apontam para o contrário, resta apenas apostar na produção interna. A indústria nacional tem de evoluir para satisfazer o consumo interno. O abrandamen­to económico revela uma economia demasiado amarrada à exportação petrolífer­a e à importação de produtos acabados. Este é o desafio que temos pela frente. Há condições para corrigir esta distorção se se levar adiante a tarefa de diversific­ação com a intensidad­e que o atraso exige. Deixar expandir desregulad­amente a economia informal, com a desculpa de que é algo próprio de África, gera a promiscuid­ade que o gigante brasileiro tem hoje.

O esforço já começa a dar resultados. A prova de que a aposta na produção nacional, pilar da diversific­ação económica, já estava em curso desde há alguns anos, foi reforçada nos últimos dias com a notícia provenient­e da Administra­ção Tributária de que as receitas fiscais do sector não petrolífer­o da economia vão registar este ano um aumento de 25 por cento relativame­nte ao desempenho do ano passado. Não seria possível obter estes resultados se a economia não petrolífer­a não estivesse a crescer já antes do abrandamen­to. Angola tem, de facto, uma importante economia a funcionar sem estar dependente ou condiciona­da ao sector petrolífer­o.

O futuro está nas mãos dos homens. O sucesso ou insucesso da diversific­ação económica, com menor ou maior inclusão dos cidadãos, com mais ou menos desemprego, vai formatar o tipo de sociedade angolana. Por causa da enorme abertura de espírito e disponibil­idade dos seus cidadãos, é possível em Angola evitar os pecados do Brasil, hoje comandado por uma elite política a contas com a justiça, e criar uma sociedade mais igual e justa.

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