Um altar além da peregrinação
SANTUÁRIO DA MUXIMA Turismo religioso atrai milhares de estrangeiros a Angola
Um vilarejo de Angola tornouse há vários anos um significativo cartão postal da fé católica. A vila da Muxima, localizada a 130 quilómetros da cidade de Luanda, atrai milhares de fiéis em Setembro, altura em que se realiza a maior manifestação de fé na África católica.
A peregrinação à Muxima tem sido um pormenor maior da devoção de milhares de católicos por Nossa Senhora da Conceição, também conhecida como Mamã Muxima.
À vila chegam diariamente centenas de fiéis, alguns dos quais movidos pela curiosidade em função dos relatos que sempre ouviram sobre o poder das orações e pedidos atendidos pela Mamã Muxima. Várias famílias católicas preparam a preceito a viagem à Muxima, um acto carregado de fé, que é redobrada quando se chega àquela vila, onde se encontra o Santuário de Nossa Senhora da Conceição.
Já entrou para a história o tempo em que, para se chegar à vila da Muxima, os devotos eram submetidos a uma espécie de provação, porque eram muitas as dificuldades no percurso. As pessoas, oriundas de vários pontos de Angola, chegavam à localidade da Cabala, de onde começavam a travessia do rio a bordo de uma jangada. Após a travessia, percorria-se um trilho íngreme e muito perigoso.
A dona Rosa Napoleão, em declarações ao Jornal de Angola, afirma que só a fé levava a que os cristãos suportassem a caminhada.
Eram curvas e contracurvas, carregadas de poeira, lembra a fiel católica. Os peregrinos ficavam quase irreconhecíveis devido à poeira. “Os olhos e as pestanas não se viam. As roupas ganhavam novas cores. Só mesmo o amor e o coração da Mamã Muxima é que nos davam alento para que chegássemos a esse lugar santo”, conta uma outra peregrina, bastante animada.
O cenário ficou completamente diferente. Os automobilistas, por exemplo, tinham de fazer três ou mais horas para chegarem ao santuário, alguns dos quais utilizavam a via Cabo Ledo. Hoje, o trajecto é feito em 45 minutos ao máximo. Já não existe poeira, buracos, nem tão pouco animais para “amedrontarem” os fiéis.
Vila da Muxima
A vila da Muxima é pequena. Na língua portuguesa “muxima”, um termo da língua kimbundu, sImagre daiignifica coração. Assim é a Mamã Muxima, por o santuário ser um lugar que atrai católicos e não só. A beleza natural que o rodeia também encanta os peregrinos.
Pela Muxima, passa o emblemático rio Kwanza, em cuja margem encontrámos Rosana Capita que, sendo peregrina há seis anos, contou que tudo o que pediu à Muxima já conseguiu alcançar. Os pedidos são variados: saúde, para ter filhos e conseguir emprego. O bispo de Viana, Dom Joaquim Ferreira Lopes, disse que a devoção à Mamã Muxima nunca deixou de ser praticada, nem mesmo no tempo da guerra.
A anciã Ricardina Paulo disse que, desde o tempo da sua mãe, a sua família aprendeu a confiar na Mamã Muxima, sobretudo em 1979, ano em que houve muitos problemas na família.
“Nem mesmo as reuniões familiares ajudavam a acalmar o conflito. Foi nesta fase que a minha mãe se instalou na Quiçama e as coisas começaram a mudar”, lembrou a anciã Ricardina Paulo.
Mãe de 10 partos, dona Maria Manuel tornou-se devota há três anos, depois de perder todos os filhos. “Todos os meus filhos morreram, além de que perdi a casa”, disse a devota. A opção que encontrou foi refugiar-se na santa. Hoje, cuida do altar e da arrumação da igreja. Nos tempos livres, cultiva e os produtos são vendidos na feira em tempo de peregrinação.
Na vila da Muxima, come-se de tudo. Quando há peregrinação, a organização da festa religiosa não impõe limites aos peregrinos. Apenas o consumo de álcool é impedido a partir do posto de controlo da Polícia de Trânsito. Enquanto os peregrinos mergulham na margem do rio sob a protecção da kikakela, um instrumento tradicional feito de pau, pequenas embarcações aportam com peixe cacusso para o consumo dos peregrinos. Frito ou grelhado são as opções a considerar. O negócio não é de todo barato. Quando há peregrinação, tendas são espalhadas por toda a vila, de várias cores e tamanhos. Apesar de haver campos de acolhimento, há quem procure estar mais próximo do altar. A solidariedade é também visível. A assistência médica é garantida por equipas móveis espalhadas pela vila e pelo Hospital Municipal da Quiçama. Este ano, foram poucas as ocorrências registadas.
Os serviços médicos atenderam 929 pessoas. Entre as pessoas que precisaram de ajuda médica estavam uma senhora de 69 e uma jovem de 32 anos, encaminhadas ao hospital por fraqueza. Ambas estavam em jejum há alguns dias e devido ao cansaço e ao sol não aguentaram.
Negócio aberto
A peregrinação ao Santuário da Nossa Senhora da Muxima é também uma oportunidade para a realização de negócios. Artigos religiosos, vestuário com imagens sagradas, bens alimentares e discos de música sacra são comercializados.
As casas antigas feitas de barro tornam-se também casas de comércio. Os peregrinos que não desejam tomar banho no rio vão a casas de banho de moradores da vila desde que paguem entre 50 e 250 kwanzas por cada ida. A peregrinação deste ano ao Santuário da Muxima registou a presença de 880.487 peregrinos, dos quais 37.305 estrangeiros, provenientes de países africanos, de Portugal e do Brasil.