Jornal de Angola

Um altar além da peregrinaç­ão

SANTUÁRIO DA MUXIMA Turismo religioso atrai milhares de estrangeir­os a Angola

- CRISTINA DA SILVA |

Um vilarejo de Angola tornouse há vários anos um significat­ivo cartão postal da fé católica. A vila da Muxima, localizada a 130 quilómetro­s da cidade de Luanda, atrai milhares de fiéis em Setembro, altura em que se realiza a maior manifestaç­ão de fé na África católica.

A peregrinaç­ão à Muxima tem sido um pormenor maior da devoção de milhares de católicos por Nossa Senhora da Conceição, também conhecida como Mamã Muxima.

À vila chegam diariament­e centenas de fiéis, alguns dos quais movidos pela curiosidad­e em função dos relatos que sempre ouviram sobre o poder das orações e pedidos atendidos pela Mamã Muxima. Várias famílias católicas preparam a preceito a viagem à Muxima, um acto carregado de fé, que é redobrada quando se chega àquela vila, onde se encontra o Santuário de Nossa Senhora da Conceição.

Já entrou para a história o tempo em que, para se chegar à vila da Muxima, os devotos eram submetidos a uma espécie de provação, porque eram muitas as dificuldad­es no percurso. As pessoas, oriundas de vários pontos de Angola, chegavam à localidade da Cabala, de onde começavam a travessia do rio a bordo de uma jangada. Após a travessia, percorria-se um trilho íngreme e muito perigoso.

A dona Rosa Napoleão, em declaraçõe­s ao Jornal de Angola, afirma que só a fé levava a que os cristãos suportasse­m a caminhada.

Eram curvas e contracurv­as, carregadas de poeira, lembra a fiel católica. Os peregrinos ficavam quase irreconhec­íveis devido à poeira. “Os olhos e as pestanas não se viam. As roupas ganhavam novas cores. Só mesmo o amor e o coração da Mamã Muxima é que nos davam alento para que chegássemo­s a esse lugar santo”, conta uma outra peregrina, bastante animada.

O cenário ficou completame­nte diferente. Os automobili­stas, por exemplo, tinham de fazer três ou mais horas para chegarem ao santuário, alguns dos quais utilizavam a via Cabo Ledo. Hoje, o trajecto é feito em 45 minutos ao máximo. Já não existe poeira, buracos, nem tão pouco animais para “amedrontar­em” os fiéis.

Vila da Muxima

A vila da Muxima é pequena. Na língua portuguesa “muxima”, um termo da língua kimbundu, sImagre daiignific­a coração. Assim é a Mamã Muxima, por o santuário ser um lugar que atrai católicos e não só. A beleza natural que o rodeia também encanta os peregrinos.

Pela Muxima, passa o emblemátic­o rio Kwanza, em cuja margem encontrámo­s Rosana Capita que, sendo peregrina há seis anos, contou que tudo o que pediu à Muxima já conseguiu alcançar. Os pedidos são variados: saúde, para ter filhos e conseguir emprego. O bispo de Viana, Dom Joaquim Ferreira Lopes, disse que a devoção à Mamã Muxima nunca deixou de ser praticada, nem mesmo no tempo da guerra.

A anciã Ricardina Paulo disse que, desde o tempo da sua mãe, a sua família aprendeu a confiar na Mamã Muxima, sobretudo em 1979, ano em que houve muitos problemas na família.

“Nem mesmo as reuniões familiares ajudavam a acalmar o conflito. Foi nesta fase que a minha mãe se instalou na Quiçama e as coisas começaram a mudar”, lembrou a anciã Ricardina Paulo.

Mãe de 10 partos, dona Maria Manuel tornou-se devota há três anos, depois de perder todos os filhos. “Todos os meus filhos morreram, além de que perdi a casa”, disse a devota. A opção que encontrou foi refugiar-se na santa. Hoje, cuida do altar e da arrumação da igreja. Nos tempos livres, cultiva e os produtos são vendidos na feira em tempo de peregrinaç­ão.

Na vila da Muxima, come-se de tudo. Quando há peregrinaç­ão, a organizaçã­o da festa religiosa não impõe limites aos peregrinos. Apenas o consumo de álcool é impedido a partir do posto de controlo da Polícia de Trânsito. Enquanto os peregrinos mergulham na margem do rio sob a protecção da kikakela, um instrument­o tradiciona­l feito de pau, pequenas embarcaçõe­s aportam com peixe cacusso para o consumo dos peregrinos. Frito ou grelhado são as opções a considerar. O negócio não é de todo barato. Quando há peregrinaç­ão, tendas são espalhadas por toda a vila, de várias cores e tamanhos. Apesar de haver campos de acolhiment­o, há quem procure estar mais próximo do altar. A solidaried­ade é também visível. A assistênci­a médica é garantida por equipas móveis espalhadas pela vila e pelo Hospital Municipal da Quiçama. Este ano, foram poucas as ocorrência­s registadas.

Os serviços médicos atenderam 929 pessoas. Entre as pessoas que precisaram de ajuda médica estavam uma senhora de 69 e uma jovem de 32 anos, encaminhad­as ao hospital por fraqueza. Ambas estavam em jejum há alguns dias e devido ao cansaço e ao sol não aguentaram.

Negócio aberto

A peregrinaç­ão ao Santuário da Nossa Senhora da Muxima é também uma oportunida­de para a realização de negócios. Artigos religiosos, vestuário com imagens sagradas, bens alimentare­s e discos de música sacra são comerciali­zados.

As casas antigas feitas de barro tornam-se também casas de comércio. Os peregrinos que não desejam tomar banho no rio vão a casas de banho de moradores da vila desde que paguem entre 50 e 250 kwanzas por cada ida. A peregrinaç­ão deste ano ao Santuário da Muxima registou a presença de 880.487 peregrinos, dos quais 37.305 estrangeir­os, provenient­es de países africanos, de Portugal e do Brasil.

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VIGAS DA PURIFICAÇíO Imagem da santa quando percorria a vila da Muxima na peregrinaç­ão realizada este mês

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