Feridas por sarar provocam a queda do PAICV
Partido histórico perdeu por larga margem as três últimas eleições realizadas em Cabo Verde
A proposta apresentada pelo ex-presidente do PAICV, José Maria Neves, de que o partido deve realizar uma conferência nacional e “um debate aberto e franco”, e a performance nas últimas eleições - perdeu as presidenciais de 2011 e as legislativas e autárquicas deste ano para o MpD, por ampla margem - demonstram que feridas antigas por sarar afectam esta força política de Cabo Verde, que precisa de renascer das cinzas.
Ao reagir ao resultado das autárquicas de domingo, que confirmou a actual hegemonia do MpD, o exprimeiro-ministro de Cabo Verde qualificou de “amarga” a derrota do PAICV, mas advertiu que “não é tempo para recriminações ou de auto-flagelação.”
É tempo, sublinhou, “de debate, aberto e franco, em conferência nacional, antes de quaisquer outras disputas sobre o partido, de identificar as suas fraquezas e as suas fortalezas, para o seu reforço enquanto principal força da oposição e para a sua capacitação institucional e política para vencer os enormes desafios dos próximos anos.”
Os pronunciamentos do antigo líder do PAICV, feitos depois de a actual líder do partido, Janira Hopffer Almada, colocar o seu cargo à disposição devido à segunda derrota eleitoral consecutiva da força política em menos de seis meses, receberam resposta desta. Janira Almada afirmou que o PAICV não se pode resumir à liderança e defendeu uma “reflexão profunda” sobre a responsabilidade “de cada peça do xadrez.”
Os problemas “que hoje alguns 'descobriram'”, prosseguiu, não começaram nas legislativas de 20 de Março ou nas autárquicas de 4 de Setembro, mas no dossier presidenciais de 2011 que “abriu feridas e deixou marcas que ainda não sararam”, antes de lembrar que, apesar de em 2012 o partido ter conquistado oito câmaras, perdeu as autárquicas quando estava no Governo.
“De 2011 a 2014, houve espaços para promover esse debate franco e aberto que hoje se reclama? Foram criadas as condições para tal? Se tal ocorreu, que consequências houve desse debate para o funcionamento e fortalecimento do PAICV?”, questionou, numa alusão aos anos em que o partido era liderado por José Maria Neves. “Temos de reflectir agora? Temos! Mas temos de reflectir sobre tudo de algum tempo a esta parte”, acrescentou, fazendo votos para que a “reflexão seja verdadeiramente franca e aberta”, “com profundidade no tempo” e permita “ver, ouvir e valorizar o militante de base”, que “é quem manda (ou devia mandar) no partido.”
Feridas por sarar
Numa entrevista exclusiva ao Jornal de Angola, há cinco anos, na Praia, capital de Cabo Verde, depois da divulgação dos resultados das presidenciais de 2011, José Maria Neves admitiu que a campanha eleitoral e os incidentes que ocorreram levaram à mudança de atitude dos cabo-verdianos. As divisões no seio do partido afectaram o resultado das presidenciais, defendeu.
“Foi precisamente isso que aconteceu. Não tivesse havido a divisão e qualquer um dos pré-candidatos do PAICV ganhava as presidenciais. As sondagens apontavam para a vitória de qualquer um deles.”
José Maria Neves admitiu que “existem feridas por sarar no seio do PAICV e danos que devem ser trabalhados para evitarmos novos incidentes dessa natureza” e, sobre os passos prioritários para a reorganização do PAICV, defendeu a realização de “um debate sereno e tranquilo”, para “procurar sarar as feridas e unirmo-nos em torno dos próximos desafios eleitorais.”
A crise que assola o PAICV começou há cinco anos, antes das presidenciais de Agosto de 2011 e depois das eleições legislativas de Fevereiro do mesmo ano, a última vencida pelo partido.
Cinco anos de crise
Durante a apresentação das candidaturas do PAICV às presidenciais de 2011, a direcção apoiou Manuel Inocêncio Sousa, mas alguns dirigentes e militantes apoiaram Aristides Raimundo Lima.
Com a escolha de Manuel Inocêncio Sousa, considerado homem próximo de José Maria Neves, como o candidato oficial do PAICV às presidenciais, Aristides Lima avançou como candidato independente, arrastando consigo alguns dirigentes e militantes do partido.
A divisão no seio do PAICV provocou, para muitos analistas, a derrota de Manuel Inocêncio de Sousa na segunda volta das presidenciais de 2011, ganhas pelo candidato do MpD, Jorge Carlos Fonseca.
Para a vitória de Jorge Carlos Fonseca, muito contribuíram os votos dos apoiantes do candidato independente do PAICVAristides Lima, que foi o terceiro mais votado na primeira volta do escrutínio.
Jorge Carlos Fonseca quebrou o ciclo “um presidente, uma maioria e um governo” e José Maria Neves sofreu, à excepção das autárquicas de 2004 e de 2008, a primeira derrota eleitoral em dez anos - vencera três legislativas e duas presidenciais - dando início ao actual ciclo de derrotas do PAICV.