Venezuela assume presidência dos Não-Alinhados
No meio de uma profunda crise económica e política, a Venezuela assumiu sábado a presidência do Movimento dos Países NãoAlinhados (NOAL) durante a Cimeira desta organização, realizada na Ilha de Margarita, na qual o Chefe de Estado angolano, José Eduardo dos Santos, se faz representar pelo Vice-Presidente da República, Manuel Vicente.
O Presidente da Venzuela, Nicolás Maduro, que enfrenta uma crescente pressão internacional e descontentamento popular, recebeu do seu homólogo iraniano, Hassan Rohani, a presidência para um mandato de três anos deste grupo internacional de países que tenta reinventar-se no após Guerra Fria.
À XVII Cimeira do Movimento dos Países Não-Alinhados compareceram delegados dos 120 países do grupo, entre eles os Presidentes do Irão, Zimbabwe, Cuba, Equador, Bolívia, El Salvador e da Autoridade Palestina, juntamente com alguns primeiros-ministros.
No discurso de abertura da Cimeira, Maduro disse que a Venezuela enfrenta “uma ofensiva imperialista” com métodos “não convencionais” em forma de “guerra económica”. O Presidente venezuelano disse que essa “guerra” é parte de “uma ofensiva imperialista para tentar reverter os avanços e conquistas da revolução bolivariana”, fundada pelo falecido líder Hugo Chávez (19992013) e que se estendeu por toda a América Latina, impondo-se sobre as “oligarquias” tradicionais.
Maduro acusou a oposição venezuelana de planear um golpe de Estado. Os opositores, contudo, afirmam que Maduro agarra-se ao poder com os militares e com o controlo dos órgãos de justiça e eleitoral. A coligação Mesa da Unidade Democrática (MUD) está numa ofensiva para conseguir este ano um referendo revogatório, que segundo a consultora privada Datanálisis, é apoiada por oito em cada dez venezuelanos.
Respirar com aliados
No meio da crise política e económica, Nicolás Maduro procura algum alívio nesta XVII Cimeira dos Movimento dos Países NãoAlinhados, realizada durante dois dias na cidade de Porlamar, na Ilha de Margarita, onde se reúnem líderes de muitos países seus aliados.
O Movimento dos Países NãoAlinhados, que surgiu como alternativa à bipolaridade entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética, debate na Ilha Margarita a paz e a defesa da soberania, subindo o tom contra os Estados Unidos, sobretudo nos discursos dos representantes da Coreia do Norte, Cuba, Venezuela, Bolívia e Equador.
O Presidente de Cuba, Raul Castro, denunciou planos “subversivos e de ingerência” dos Estados Unidos que impedem a normalização das suas relações bilaterais, mas garantiu que o seu governo quer ter “relações de convivência civilizada” com os Estados Unidos.
“Reafirmo a nossa solidariedade com a Venezuela e proponho que esta Cimeira rejeite todas as tentativas de ingerência e desestabilização externas”, manifestou o Presidente equatoriano, Rafael Correa.
Maduro, Castro, Correa e o Presidente boliviano, Evo Morales, voltaram a denunciar nos seus discursos o “golpe de Estado parlamentar” no Brasil, que destituiu a Presidente Dilma Rousseff por uma suposta manipulação das contas públicas.
Revés internacional
O anfitrião da Cimeira, o Presidente venezuelano, enfrenta um descontentamento popular devido à altíssima inflação e à escassez de produtos básicos que provocam longas filas nos supermercados para se conseguir alimentos a preços subsidiados. Além disso, perdeu a influência internacional ostentada pelo seu mentor, Hugo Chávez, em face da queda dos preços do petróleo e do retrocesso da esquerda na região.
Integrante da Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP), este país com as maiores reservas petrolíferas do mundo procura apoio para a sua campanha que visa congelar a produção global de petróleo, de forma a estabilizar os preços do produto.
A oposição venezuelana assegura que Maduro procura com a reunião dos NOAL simular que não está internacionalmente isolado, referindose ao revés internacional sofrido pelo Governo em vésperas da Cimeira.
Os quatro países fundadores do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) anunciaram que vão assumir de forma colegial a presidência temporária deste grupo regional da América do Sul, que caberia à Venezuela exercer. A Chanceler argentina, Susana Malcorra, disse que a Venezuela, para permanecer no Mercosul, deve cumprir os objectivos económicos, comerciais e de direitos humanos, embora o Mercosul não tenha a “intenção” de a expulsar.
“Isto é um golpe político muito forte para a Venezuela”, disse à AFP a analista Raquel Gamus, que também considerou que a Cimeira dos NOAL tem pouco significado. “Isso não dá ao país nenhum tipo de benefício, só gastos”, acrescentou.
A Ilha de Margarita, conhecida por “Pérola do Caribe”, sofreu uma forte deterioração por causa da crise. Mas nos últimos dias, devido à Cimeira, as suas ruas foram revitalizadas, não falta água, os hotéis ficaram lotados e as filas nos mercados desapareceram.
Palco de protestos recentes contra o Governo, em Margarita dezenas de pessoas foram detidas há duas semanas, depois de um grupo de moradores ter protestado contra Maduro com um “panelaço” durante uma caminhada pelo bairro de Villa Rosa.
Para prevenir distúrbios e garantir a segurança das delegações, 14.000 polícias e militares vigiam a ilha, os voos particulares foram proibidos e os aviões comerciais passam por um rígido controlo de passageiros.