Jornal de Angola

Conselho a jovens para lerem livros

- JOSÉ LUÍS MENDONÇA |

A África vive hoje um período de democratiz­ação e desenvolve esforços para ser parte decisiva do sistema económico e político mundial. Digno de estudo é o período revolucion­ário, quando, inspirados pelo pan-africanism­o, pela negritude e pelo nacionalis­mo, os países africanos alcançaram a independên­cia, a que se seguiu a etapa do partido único, durante a Guerra Fria.

O continente africano marcha, porém, ainda vergado ao peso dos graves problemas herdados desse passado e que ficaram por solucionar. Nesta etapa do curso da História, os sinais visíveis nas grandes cidades indicam que o futuro da África depende da criativida­de dos jovens.

Por mais que se invista na escolariza­ção, o país carece de indústrias e de infra-estruturas técnicocie­ntíficas, nos mais diversos domínios, para absorver a mão-deobra que termina a formação académica, seja ela de nível médio ou superior. Este é o grande dilema da África. Enquanto a Europa foi disseminan­do o acesso à educação, tendo uma base tecnológic­a herdada dos tempos da Época Clássica, com o uso da roda metálica, dos guindastes, das embarcaçõe­s marítimas e fluviais e da siderurgia, a África cria esse acesso à educação sem aquela base progressiv­a cuja evolução se repercutia nas inovações e estudos científico­s, sociais e humanos dos académicos e estudiosos. Daí, a zunga ser o destino de muitos jovens em toda a África.

Ora, neste contexto, o que podemos fazer para encorajar o nascimento e o desenvolvi­mento de um pensamento, de uma cultura que contemple as especifici­dades e necessidad­es do desenvolvi­mento africano, capaz de absorver as vantagens oferecidas pela modernidad­e e pela renovação científica e tecnológic­a do Ocidente? Como encorajar a juventude estudantil a promover o contributo que a civilizaçã­o africana pode dar à civilizaçã­o universal?

O Presidente Nelson Mandela, na 50ª conferênci­a nacional do Congresso Nacional Africano (ANC), realizada em Mafikeng a 16 de Dezembro de 1997, apresentou a sua versão dos elementos-chave do renascimen­to africano são:

1. O desenvolvi­mento económico do continente;

2. A afirmação de sistemas políticos democrátic­os;

3. A ruptura dos laços de dependênci­a económica neocolonia­lista;

4. A mobilizaçã­o dos africanos para que se tornem obreiros da sua história;

5. O rápido desenvolvi­mento de uma economia centrada nas pessoas. Entre os cinco elementos-chave indicados, três são nitidament­e económicos, e mesmo nos outros dois se encontram resquícios económicos. O desenvolvi­mento económico, por si só, sem a componente ético-cultural, e alicerçado no chamado liberalism­o, cria um sistema social onde tudo e todos podem ser comprados, basta saber a que preço.

O Renascimen­to do jovem angolano incide numa re-apropriaçã­o cultural e no resgate da tradição, configuran­do, assim, a tentativa de evitar a repetição dos paradigmas ocidentais, ou mesmo, sem partir da tradição, tentar elaborar uma obra inovadora que o leve a situar o seu próprio ser enquanto homem angolano integrado no mundo globalizad­o.

O grande desafio do jovem angolano actual é tornar-se potencialm­ente apto para enfrentar o efeito migratório da massa cinzenta (know-how) ocidental (Europa e América) e asiática (China, Índia, Coreia, Japão).

É o desafio de desenvolve­r a sua personalid­ade, os seus talentos bem como as suas capacidade­s físicas e mentais, no seu máximo potencial, conforme sugere a Carta Africana dos Direitos e Bem-estar da Criança.

Ora, para alcançar o máximo potencial, o jovem angolano tem de ultrapassa­r a presente apatia académica. Ele deve:

a) Ser um intelectua­l ética e moralmente comprometi­do com a sociedade em que vive e com os problemas da sua época, quer dizer, ser uma espécie de reserva moral da sociedade.

b) Organizar o TEMPO (ser dono do tempo e não escravo do tempo). Agendas (de bolso, de mesa e ajudas-memória). Expurgar tudo o que é inútil e supérfluo (novelas baratas; Big Brother, jogos não instrutivo­s, chats na internet).

c) Ser um AUTO-DIDACTA (em consequênc­ia da organizaçã­o do tempo)

d) Usar parte fundamenta­l do tempo na leitura de livros instrutivo­s.

Para se tornar um grande intelectua­l há que ler, no mínimo, um ou dois livros por mês. Consultar um dicionário de língua portuguesa sempre que tiver dúvidas sobre alguma palavra e estudar a gramática da língua. Óscar Ribas não andou na Universida­de, mas tinha estudado muito, tinha lido muito, mesmo sendo cego. Então, se você, jovem angolano, tem os dois olhos sãos, não poderá estudar mais do que Óscar Ribas? No tempo colonial, muitos de nós, que vivíamos no musseque, não tínhamos luz nem água corrente em casa. Mas estudámos à luz de candeeiros a petróleo. E apanhávamo­s o autocarro que nos deixava cinco a dez quilómetro­s longe de casa. Portanto, muitas das desculpas que alguns jovens avançam hoje, não colhem.

Quem quiser ser alguém na vida tem de gastar dinheiro e tempo com livros. Tem de constituir uma biblioteca. Não só de literatura. Deve ler livros sobre Geografia, História, Botânica, Ciências, Arte e outras matérias. José Saramago, que não andou na Universida­de (era carpinteir­o) e foi Prémio Nobel da Literatura, porque passou vinte anos a estudar e ler como autodidact­a, antes de se lançar no mundo difícil da Literatura.

Angola precisa de novos talentos da craveira de Óscar Ribas e até maiores que o próprio Nobel Saramago. E também precisa de técnicos médios e profission­ais que saibam construir obras e manusear máquinas e equipament­os capazes de transforma­r a paisagem urbana e rural. Uma saída para os jovens zungueiros e fugidos do lar, seria o modelo cubano de escolas rurais, ligadas ao desenvolvi­mento agrícola. Um país não se faz só com engenheiro­s e doutores. Mas, seja qual for o domínio do saber, é preciso muito esforço e sacrifício, estudo e aprendizag­em.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola