Jornal de Angola

Homenagem à senhora Anstee

- VICTOR CARVALHO |

Morreu no passado dia 25 de Agosto, com 90 anos de idade, a senhora MargaretAn­stee, antiga enviada especial das Nações Unidas para Angola e a pessoa que teve a responsabi­lidade histórica de declarar como livres e justas as primeiras eleições realizadas no país, já lá vão quase 24 anos.

Foram momentos difíceis, marcados pela intransigê­ncia dos perdedores na recusa de aceitar a decisão popular e que marcaram a história de Angola, infelizmen­te de forma tragicamen­te negativa.

Amiga e profunda admiradora de Angola e dos Angolanos, MargaretAn­stee foi a primeira mulher a ser nomeada pelas Nações Unidas para um dos mais altos cargos da organizaçã­o.

Sobre os seus ombros teve a pesada responsabi­lidade de liderar a Missão de Verificaçã­o das Nações Unidas em Angola (UNAVEM II), fundada em 1991 e concluída em 1995, acumulando esse cargo com o de representa­nte especial do Secretário-Geral da organizaçã­o.

Durante esse período de tempo, a senhora Anstee foi atacada, humilhada e vilipendia­da de uma forma totalmente miserável por aqueles que tudo fizeram para que a sua missão de conseguir a paz falhasse.

O seu temperamen­to britânico, de onde se destacava uma sublime ironia e apurado sentido de humor, ajudaram-na a passar ao lado das torpes mentiras e calúnias que sobre si lançaram e que serviram para a ajudar a perceber quem, na verdade, estava interessad­o no futuro dos Angolanos. Por sua vontade nunca os angolanos voltariam a pegar em armas depois das eleições de 1992.

Pessoalmen­te tive o privilégio histórico de acompanhar de perto todos os seus empenhados esforços para que o resultado das eleições colocasse, efectivame­nte, um ponto final a décadas de conflito.

Depois, já com as armas a tentarem impor-se à razão, continuei a assistir de muito perto a todo o seu intenso trabalho diplomátic­o desenvolvi­do em sucessivas rondas negociais entre o governo e a UNITA para que os acordos de paz fossem assinados.

Numa sala húmida de Abidjan, em 1993 terá percebido a impossibil­idade de concretiza­r esse seu objectivo quando, já com o documento e os anexos desses acordos feitos e em cima da mesa para serem assinados, foi confrontad­a com uma estranha recusa por parte da delegação da UNITA em assinar aquilo com o que já se tinha teoricamen­te comprometi­do, simplesmen­te por ter pedido mais uma hora para satisfazer com mais rigor uma exigência que se prendia com a segurança das tropas a serem retiradas das zonas que estavam ocupadas.

Durante todo esse processo negocial, a senhora Ansteesemp­re fez questão de deixar transparec­er uma intocável tranquilid­ade, não prescindin­do dos pontuais intervalos às cinco da tarde de cada dia para tomar um chá com leite, nem de madrugar às seis horas para dar umas braçadas na piscina do hotel ivoiriense­onde estava a mediação negocial, que partilhava com representa­ntes dos Estados Unidos, Rússia e Portugal.

Mesmo depois do fim da sua missão em Angola, MargaretAn­stee aqui voltava sempre que podia, fosse para rever os muitos amigos que por cá deixou, ou simplesmen­te para matar saudades dos locais pelos quais se apaixonou.

No seu livro “Órfãos da Guerra Fria”, a senhora Anstee sublinha com profunda tristeza a forma como viveu o período da guerra sangrenta que se abateu sobre Luanda em Outubro e Novembro de 1992, apontando corajosame­nte o dedo à comunidade internacio­nal ao considerar um “escândalo” o facto dela ter ignorado o que naquele período de estava a passar em Angola.

Esse episódio marcou-a para o resto da vida e serviu para a ajudar a reforçar os esforços pela obtenção da paz, mas também para perceber de que lado estava a razão.

Em 2014, MargaretAn­stee esteve pela última vez em Angola tendo-se então reunido com o Presidente José Eduardo dos Santos a quem voltou a expressar toda a sua admiração pela coragem e determinaç­ão dos Angolanos em trabalhare­m para ter um futuro melhor.

Um futuro que ela, infelizmen­te, já não poderá ver mas que tudo fez para que pudesse ter sido temporalme­nte antecipado.

Angola e os Angolanos, perderam para sempre uma amiga que merece ser lembrada como parte positiva de um processo que demorou demasiado tempo a terminar.

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