Reconciliação nacional está nas mãos do povo
Colombianos podem pôr fim ao conflito armado com as FARC depois de meio século de luta
Os colombianos votam, amanhã, num referendo, se aprovam ou não o acordo de paz assinado, segunda-feira, entre o Governo e a ex-guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), cuja entrada em vigor depende do aval do povo.
O povo colombiano está diante de uma decisão histórica.
Após 52 anos de guerra com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, que fizeram 340 mil mortes e 6,5 milhões de deslocados internos, tem a possibilidade de pôr fim ao conflito armado.
O referendo vai legitimar - ou não, em caso de derrota do “sim” as negociações de paz em Havana.
Os meios de comunicação social têm noticiado que a vitória do “sim” parece estar bem encaminhada. Esta informação é corroborada por uma sondagem da empresa Datexco, que inclui questionários feitos após a cerimónia de segunda-feira e refere que a maioria (55 por cento) diz que pretende votar a favor do acordo e são cada vez menos (36,6) os que se lhe opõem.
Segundo o jornal El País, desde que a campanha para o referendo foi iniciada, os detractores do acordo de paz têm perdido terreno e o encontro de Cartagena contribuiu para juntar mais apoios.
Um sector influente na Colômbia, liderado pelo antigo Presidente Álvaro Uribe (2002-2010), opõe-se ao acordo por considerar que “deixa crimes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia sem punição”, faz campanha pelo “não” e, no dia da assinatura do acordo, concentrou-se na cidade colonial do norte do país, apesar de a Polícia ter proibido protestos.
Este grupo tem reiterado que não critica o objectivo final do acordo – o fim do conflito – mas algumas das suas condições, sobretudo as que dizem respeito ao tipo de condenação aplicada aos guerrilheiros responsáveis por crimes.
Dada a importância do evento, até o Exército de Libertação Nacional, outra guerrilha colombiana, anunciou a suspensão das acções ofensivas entre 30 de Setembro e 5 de Outubro para permitir aos colombianos votarem à vontade no referendo, gesto já agradecido pelo Presidente Juan Manuel Santos.
Paz à distância de um voto
O acordo prevê a criação de um tribunal especial, com juízes colombianos e estrangeiros, que já tem 32 mil casos abertos, mas só começa a trabalhar após a entrada em vigor do acordo de paz.
Os guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia que confessarem os seus crimes e cooperarem com a justiça vão ser alvo de penas em “condições especiais”, não especificadas, durante períodos máximos de oito anos, que não envolvem prisões.
O acordo de paz estabelece que o Governo e a antiga guerrilha devem disponibilizar terras, dinheiro e serviços às zonas mais desfavorecidas para ajudar a população.
As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia devem-se transformar num partido político com 10 mandatos no Congresso (Parlamento), que tem 268 assentos, e os seus sete mil combatentes devem entregar as armas em 180 dias e integrar
Presidente Juan Manuel Santos chorou de alegria depois de assinar o histórico acordo de paz com as FARC cuja entrada em vigor põe fim ao mais longo conflito no Hemisfério Ocidental
uma das 28 zonas de desarmamento criadas pela ONU. Ainda no âmbito do acordo, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia concordaram em parar com a produção de cocaína nas áreas que controlam e ajudar o Governo colombiano na guerra contra o flagelo da droga.
Em contrapartida, o Governo de Bogotá compromete-se a ajudar os agricultores da antiga guerrilha a mudarem o seu modo de subsistência. Os crimes políticos vão ser amnistiados, mas os massacres, actos de tortura e violência sexual vão ser alvo de justiça.
Significado internacional
Tom Koenigs, enviado da Alemanha para as negociações de paz na Colômbia, afirma que apesar de ser um assunto interno, o processo de paz entre o Governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia tem um significado internacional.
“Os resultados de Havana mostram que muito se aprendeu com as experiências de outros países, inclusive da Alemanha. A paz não representa apenas o fim de uma guerra, mas também um passo em direcção à reconciliação, tendo a verdade e a dignidade das vítimas como foco. O que não se conseguiu na Alemanha nos processos contra os nazistas, após a II Guerra Mundial e tão pouco após a reunificação em 1990, é o ponto de partida da justiça interina colombiana: a verdade sobre o ocorrido e a aceitação da culpa pelos agressores”, refere.
Os que confessarem, prosseguiu Tom Koenigs, não vão ser condenados à prisão, mas a penas de reparação de até oito anos.
“Olha-se adiante e se coloca uma convivência pacífica e a não reincidência em primeiro plano, em vez da retaliação”, sublinha.
O enviado da Alemanha para as negociações de paz na Colômbia refere que, ao invés de o procedimento com os principais responsáveis por crimes gravíssimos de todos os lados – rebeldes, militares, paramilitares, políticos e empresários – ter a ver com impunidade, “trata-se de um caminho novo e ambicioso para a expiação e o restabelecimento da paz nacional”. Apesar de referir que o referendo “é uma decisão muito pessoal de cada colombiana e colombiano”, o escritor Héctor Abad Faciolince sublinha que, para os amigos da Colômbia de todo o mundo, “um claro sim era um exemplo importante para a solução de conflitos – grandes e pequenos – através de negociações, diálogo e cooperação, e não da força armada.”
Dia do sonho
“Bem-vindos à democracia”, frase dirigida pelo Chefe de Estado colombiano Juan Manuel Santos ao líder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, Rodrigo Londoño “Timochenko”, foi a manchete na segunda-feira, dia 26, do jornal colombiano El Tiempo, cujo editorial nomeou a efeméride como “o dia sonhado.”
No dia da cerimónia de assinatura do histórico acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, que põe fim a mais de meio século de conflito armado, o Presidente Juan Manuel Santos, que esteve incansável na busca da paz na Colômbia, afirmou que “há menos uma guerra no mundo e é a da Colômbia.”
“O que assinámos hoje vai além de um simples acordo entre um Governo e uma guerrilha para pôr fim a um conflito. É uma declaração do povo colombiano, perante o mundo, para dizer que estamos cansados de guerra e que não aceitamos mais violência como forma para defender ideias e para dizer bem alto e de forma clara: ‘não mais guerra’.”, afirmou, visivelmente emocionado, o Presidente colombiano.
O “número um” das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia aproveitou a ocasião para pedir perdão às vítimas. “Em nome das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, apresento as minhas desculpas sinceras a todas as vítimas do conflito, por todo o sofrimento que podemos ter causado durante esta longa guerra.” Rodrigo Londoño “Timochenko” foi surpreendido pela passagem de um caça durante o discurso, mas manteve a compostura e sentido de humor. “Bom, desta vez veio saudar a paz e não lançar bombas!”, afirmou o líder das FARC.
Vestidos com a cor branca da paz, 2.500 convidados participaram na cerimónia em Cartagena das Índias, com destaque para o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas e 15 Chefes de Estado da América Latina.
Depois de quatro anos de negociações na capital de Cuba, Havana, o Governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia anunciaram em 24 de Agosto que chegaram a um acordo de paz definitivo para o conflito armado de mais de 50 anos na Colômbia, depois de tentativas fracassadas nos governos de Belisario Betancur (1982-1986) , César Gaviria (1990-1994) e Andrés Pastrana (1998-2002).