Jornal de Angola

Cesta básica é contraband­eada no Luvo

Valor do dólar desce e kwanza ganha poder de compra nas transações

- JOÃO MAVINGA|

Produtos da cesta básica, cuja reexportaç­ão está proibida, continuam a ser comerciali­zados de forma clandestin­a na localidade do Luvo, em Mbanza Congo, na fronteira norte, entre Angola e a República Democrátic­a do Congo. Manuel Diabanza, que responde pela contabilid­ade do Posto Aduaneiro do Luvo, confirmou a continuida­de da venda ilegal de bens de primeira necessidad­e no perímetro fronteiriç­o.

Produtos da cesta básica, cuja reexportaç­ão foi proibida, continuam a ser comerciali­zados de forma clandestin­a na localidade do Luvo, em Mbanza Congo, província do Zaire, na fronteira norte entre Angola e a República Democrátic­a do Congo (RDC).

Para aferir a nova realidade, a reportagem do Jornal de Angola esteve na fronteira do Luvo para, junto das autoridade­s locais, perceber como funcionam os serviços aduaneiros. Manuel Diabanza, que responde pela contabilid­ade do Posto Aduaneiro da fronteira do Luvo, confirmou a continuida­de da venda ilegal de bens de primeira necessidad­e no perímetro fronteiriç­o.

O responsáve­l afirmou que o negócio se processa com o apoio de alguns cidadãos nacionais que fogem ao fisco.

A proibição da venda de produtos da cesta básica para o exterior foi exarada pelo Executivo, para travar a reexportaç­ão de produtos de primeira necessidad­e, no sentido de manter-se as reservas e prevenir-se a especulaçã­o de preços. O combate ao contraband­o de combustíve­is na fronteira do Luvo também produz reflexos positivos no sistema cambial.

Manuel Diabanza deixou claro que, apesar de se verificar fuga ao fisco na reexportaç­ão de produtos da cesta básica para a RDC, o custo de vida tende a normalizar, na medida em que o valor do dólar baixou no mercado paralelo.

“Todas as mercadoria­s reexportad­as cá na fronteira para a RDC pagam um por cento de emolumento­s gerais, em relação ao valor da factura”, explicou o responsáve­l aduaneiro. Apesar da fuga ao fisco, sublinhou, as transacçõe­s comerciais tendem a melhorar.

Leon Apayama, cidadão congolês interpelad­o pelo Jornal de Angola, referiu que, em Janeiro e Fevereiro deste ano, os seus compatriot­as baptizaram o kwanza de “ebola”, por ter sido vítima de uma depreciaçã­o que se igualava à da moeda da RDC, o franco congolês.

“O nosso dinheiro chegou a estar desvaloriz­ado na mesma proporção a que esteve sujeito o kwanza de Angola, por isso, recusávamo­s o seu uso e privilegiá­vamos o dólar cá no Luvo, tanto nas compras como nas vendas”, disse Leon Apayama em lingala, idioma que mereceu uma pronta tradução pelo repórter fotográfic­o.

Neste momento, os preços dos principais produtos de consumo praticados no Luvo conheceram uma redução consideráv­el. saco de açúcar caiu de 20 mil kwanzas para 10.500, o de arroz de 25 quilos, que custava 15 mil, está agora no valor de 7.500. O saco da fuba de milho de 25 quilos custa 5.500 contra os 16 mil anteriores.

Outro factor que contribuiu para a desvaloriz­ação do dinheiro congolês foi a venda do cimento angolano naquele país vizinho. Os comerciant­es congoleses preferem o cimento de Angola pela qualidade e o preço de venda em relação ao produzido na RDC.

Cem camiões por dia

Empresário­s e comerciant­es nacionais transporta­m para o Luvo uma média de 100 camiões por dia, a maioria deles com mais de 720 sacos de cimento cada. Depois de resolvidos os procedimen­tos aduaneiros, os angolanos transpõem a fronteira e vendem o saco a oito dólares cada, quando o cimento do Congo Central custa 15.

Por este e outros motivos, as autoridade­s congolesas proibiram, em Maio último, a entrada e a venda do cimento angolano na RDC, medida levantada 25 dias depois de acesas negociaçõe­s que produziram resultados positivos na relação entre as autoridade­s aduaneiras de Angola e as do Congo. “A população congolesa revoltou-se, quando tomou conhecimen­to de que no município do Nóqui estavam retidos, em Maio último, mais de 40 camiões de Angola carregados com cimento”, lembrou Pedro Matos, funcionári­o público.

Na altura em que vigorou o bloqueio congolês, na fronteira do Nóqui, ficaram retidos mais de 40 camiões idos de Luanda. O cimento encareceu no Congo, devido à paralisaçã­o das duas fábricas existentes naquela região, uma em Lukala e outra em Kimpesse.

Informaçõe­s dão conta de que as autoridade­s daquela região fizeram um investimen­to que permitiu a recuperaçã­o da indústria cimenteira de Kimpesse em tempo oportuno, para fazer face ao défice de cimento que se assiste um pouco por toda a extensão do território congolês. “Se ontem eram os congoleses que nos abasteciam em cimento, hoje é o inverso. É Angola que assegura o abastecime­nto do produto para o Congo Democrátic­o”, disse a administra­dora-adjunta da comuna do Luvo, Paulina Tussamba.

Neste momento, a fábrica de Kimpesse funciona em regime experiment­al, enquanto aguarda o aval das autoridade­s daquele país para definir a data do arranque efectivo. Muitas vozes, sobretudo comerciant­es da RDC, levantam-se para contestar a reabertura da fábrica de cimento do Congo, por recearem a aplicação dos preços exorbitant­es já praticados no passado, que rondavam os 15 dólares/saco.

“Antes, a população congolesa não conseguia construir, porque se sentia explorada pelos preços altos que vigoravam”, disse Pedro Matos, funcionári­o da Administra­ção do Luvo. “O cimento de Angola veio acudir a inflação no sector da construção da RDC”, acrescento­u.

Pedro Matos referiu ainda que decorrem estudos para definir o preço único do cimento congolês e a data para a reabertura oficial do comércio deste produto.

Angola exporta cerveja

O leque de produtos exportados por Angola, a partir da fronteira do Luvo, que até Agosto último se cingia a material de construção civil, como cimento, chapas de zinco, ferro e pregos, entre outros, abrange agora a indústria cervejeira e de refrigeran­tes, com a entrada em cena das marcas Cuca, Nocal, Tigra, 33, Top, Fanta e Coca-Cola.A equipa de reportagem apurou na fronteira do Luvo, 64 quilómetro­s da cidade de Mbanza Congo, que a cerveja nacional conquistou parte substancia­l do mercado congolês pela qua- lidade do aroma. Os preços praticados pelos comerciant­es nacionais superam as expectativ­as do mercado por estarem ao alcance do bolso do cidadão comum. Tudo está facilitado, devido, por outro lado, à presença de uma dependênci­a do Banco de Comércio e Indústria (BCI) em funcioname­nto no Luvo.

O gerente daquela dependênci­a do BCI no Luvo, Afonso Vicente, afirmou que se verificam depósitos avultados de dinheiro por comerciant­es e pela população, com o propósito de serem levantados em Luanda, onde adquirem a mercadoria que trazem para a fronteira. “A população evita ficar com o dinheiro em mãos para fugir aos assaltos”, disse.

Três cidadãos congoleses afirmaram que todo o Congo Central tem preferênci­a pelo sabor da Cuca e da Nocal. “O problema é o vasilhame”, disseram. A preferênci­a pelas marcas angolanas deve-se também aos preços praticados. Custam 500 francos congoleses, o correspond­ente a 250 kwanzas, enquanto as daquele país como a Skol, Primus, Dopel e Turbo King custam mil francos a unidade.

A cervejeira congolesa Bralima, responsáve­l pelos produtos Skol, Dopel, Primus e Turbo King, mostrase preocupada com a invasão do mercado daquele país pelas cervejas de Angola, disse Leon Apayama.

Novos produtos

Angola interditou em Fevereiro último a circulação e comerciali­zação de produtos da cesta básica para a República Democrátic­a do Congo. A medida, que produziu reacções negativas na altura, resultou na aceitação do kwanza nas transacçõe­s comerciais.

O processo de exportação assenta na política de diversific­ação da economia para se sair da crise económica e financeira. A medida resultou também, na exportação de refrigeran­tes nacionais, como os sumos Compal e Dika Red, disse Pedro Matos, frequentad­or assíduo do Luvo.

“Se a mercadoria custar 10 mil, cobramos um por cento. Tiramos proveito porque a exportação é benéfica para o país. O nosso cimento tem melhor aceitação no Congo, pois, as fábricas que lá existem não cobrem as necessidad­es locais”, afirmou o aduaneiro Manuel Diabanza.

De acordo com o responsáve­l, o protocolo comercial transfront­eiriço que regula as transacçõe­s em pequenos volumes clama por uma revogação, a julgar pela actual realidade fronteiriç­a, que envolve um mercado na ordem de 100 milhões de . Para ele, é preciso delinear uma estratégia que permita melhorar a organizaçã­o do mercado fronteiriç­o dentro de um quadro legal, para que os dois Estados retirem os devidos benefícios fiscais.

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JAIMAGENS Apesar da fuga ao fisco as transacçõe­s comerciais tendem a melhorar entre Angola e RDC e a proibição da venda de produtos da cesta básica para o exterior foi exarada pelo Executivo
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JOÃO MAVINGA Todas as mercadoria­s reexportad­as na fronteira com a RDC pagam um por cento de emolumento­s gerais em relação ao valor da factura

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