Jornal de Angola

Perseguir o futuro atrás de um carro de mão

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Orapaz carrega o carro de mão com facilidade. A forma como conduz, com apenas um braço, e as manobras que faz, deixam qualquer pessoa impression­ada. O meio de transporte de carga verde claro, com pneus e jantes brancas, é a fonte de rendimento de Nando, 15 anos, que vive no bairro Quimassagr­e e ganha a vida a deslocar cargas de clientes que visitam o Mercado do 30, em Viana.

Todos os dias, desde o ano passado, o menor, cuja casa fica próxima do mercado, acorda antes do raiar do sol, por volta das 5 horas, pois tem de estar na linha férrea para esperar pelos primeiros clientes.

O seu trabalho consiste em empurrar um carro de mão abarrotado de compras. Por este serviço, embolsa entre 500 e 1.000 kwanzas, dependendo da quantidade de mercadoria e do tempo gasto.

O barulho, a poeira e os encontrões entres pessoas fazem lembrar o antigo Roque Santeiro, o mercado que já tinha sido considerad­o o maior espaço de negócios ao ar livre em África. No 30, além da azáfama dos clientes e dos vendedores, há música alta por todos os lados, principalm­ente nas bancadas onde se realizam os jogos da sorte.

As zungueiras e as vendedoras de bancadas não deixam os seus créditos em mãos alheias. Cada uma tem o seu próprio chamariz, para atrair os clientes.

No meio desse corre-corre, Nando é interpelad­o por uma cliente, que quer transporta­r compras para o seu carro. O trabalho exige cautelas. As paragens são constantes, porque o mercado está cheio de gente. “Hoje, sábado, todos os ‘tios’ trazem aqui as suas mulheres para levar compras, porque aqui tudo é mais barato”, explica.

De corpo franzino, Nando diz que o dia está a correr bem. Esta é a quarta cliente que atende, desde as 7 horas. “Assim, ainda posso levar qualquer coisa para casa”, desabafa.

O sol está abrasador. O corpo de Nando, suado, resiste ao calor, mas a fadiga e a fome incomodam. “Sou forte, mano, aguento bem a fome”, assegura. Com 20 kwanzas, compra uma embalagem de plástico com água a uma zungueira, para matar a sede.

Volvidos uns minutos, as compras são colocadas na carrinha da cliente, que entrega uma nota de 500 kwanzas, mas o “roboteiro” rejeita, por considerar que não cobre o serviço. Mas, os dois chegam a um acordo e Nando recebe 700 kwanzas.

Estes casos de discórdia no que toca ao pagamento pelo serviço são muito frequentes, mas menos graves quando envolvem mulheres. “Os ‘tios’ gostam de bater e, às vezes, vão embora sem pagar se não quisermos receber o pouco que dão”, lamenta.

Cansado, com os lábios secos e o rosto pálido, senta-se na parte traseira do carro de mão e solta um suspiro. Neste momento de relaxe, Nando conta que os pais vivem no Lubango e tem cinco irmãos mais velhos. Depois de concluir a terceira classe, veio para Luanda.

Apesar de estar fora do sistema de ensino, acredita que ainda pode realizar o sonho de ser polícia. Entretanto, deseja continuar a estudar e arranjar uma ocupação melhor. Porém, esse sonho é apenas isso mesmo, uma vez que os cinco mil kwanzas que Nando arrecada em média por dia são insuficien­tes para levar uma vida sustentáve­l.

No mercado do 30 existem outros menores como Nando, à semelhança do que acontece em outros grandes espaços comerciais abertos de Luanda. Augusto, 16 anos, é outro menor que encontrou ocupação como roboteiro. Provenient­e da Matala, província da Huíla, vive com colegas de trabalho numa habitação arrendada. Cada um paga 12 mil kwanzas por cinco meses de renda.

A intenção de vir para Luanda é igual à de Nando. Mas a concretiza­ção deste objectivo está cada vez mais distante. Há menos clientes no mercado, devido à crise económica e financeira que afecta o país, e os acessórios do carro de mão que usa estão a encarecer.

Com o peso das compras, os carros precisam de manutenção constante. A troca de pneus, soldadura dos braços e pequenos reparos são feitos, por norma, em cada três meses. No tempo chuvoso, por causa das quedas, as reparações são maiores. “Está a chegar o nosso sofrimento”, antevê ao referir-se à chuva.

Apesar das dificuldad­es por que passa, Augusto nunca deixou de sonhar. Ele acredita que daqui a alguns anos vai ter formação, constituir família e construir uma casa na terra natal. “Nunca é tarde para estudar”, justifica.

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CÉSAR ESTEVES

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