Jornal de Angola

A libertação de Nelson Mandela s pela derrota das Sadf no Triângulo do Tumpo – 23 de Março de 1988

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unidade entre a ala interna e a externa do ANC.

A ala exterior do ANC, ultrapassa­da a desconfian­ça inicial, apoiou os esforços de Mandela destinados a abrir um canal de comunicaçã­o com o governo sul-africano, através do Ministro Coetsee. O primeiro elo de ligação estava criado.

P. W. Botha autorizou Coetsee a continuar os contactos com Mandela, embora não fosse muito claro quais eram as suas reais intenções. No fundo, Botha queria e sabia que tinha que libertar Mandela, só não sabia como fazê-lo, pois temia que tal decisão fosse interpreta­da como um sinal de fraqueza da sua parte. Estes encontros acabaram por se transforma­r num beco sem saída uma vez que o processo negocial propriamen­te dito estava longe de se iniciar.

Segundo Mandela, a situação foi desbloquea­da devido à Commonweal­th e ao envio, em 1986, do Eminem Persons Group (EPG), uma missão de membros da Commonweal­th que se deslocou à África do Sul com o intuito de ajudar a desbloquea­r a situação. O EPG fez uma análise da situação do país e propôs uma série de passos a serem dados com vista a promover negociaçõe­s sérias entre as partes. As propostas do EPG provocaram uma divisão entre os apoiantes do regime. Para uns, estas propostas eram o veículo ideal para moderar exigências e iniciar um processo negocial; para outros, não se devia negociar até que não houvesse um domínio total sobre os movimentos de libertação.

O fim abrupto da Missão do EPG, devido aos ataques sul-africanos à Zâmbia, Zimbabwe e Botswana, levantaram um coro de protestos internacio­nais: uma vez mais deixou o governo sul-africano numa posição muito difícil. O importante nesta missão da Commonweal­th foi a revelação do desejo da população sul-africana dum processo negocial. Esta percepção, levou Mandela a tomar a iniciativa e a pedir um encontro com P.W. Botha. O período que antecedeu este encontro foi marcado por um relaxament­o das condições de prisão de Mandela. Em Dezembro de 1988, Mandela foi transferid­o para a prisão Vietor Verster perto da cidade de Paarl, na província do Cabo. Nestas novas instalaçõe­s, Mandela tinha uma casa, onde podia receber visitas e gozava de maior liberdade.

O tão esperado encontro com Botha foi adiado devido a um acidente cardiovasc­ular que este sofreu em Janeiro de 1989. Após a sua recuperaçã­o, Botha mostrou-se disposto a encontrar-se com Mandela. O encontro teve lugar a 5 de Julho de 1989. Nesta altura, já a África do Sul tinha uma liderança bicéfala, Botha como Presidente do país, mas, devido ao seu débil estado de saúde, a liderança do NP tinha ficado nas mãos do seu Ministro da Educação Frederik Willem De Klerk. Os candidatos à liderança do partido tinham sido quatro: Roelof “Pik” Botha, ministro dos Negócios Estrangeir­os; Barend Du Plessis, ministro das Finanças; Chris Heunis, ministro dos Assuntos Constituci­onais e Frederik De Klerk. Os três primeiros eram considerad­os reformista­s e o último conservado­r. De Klerk acabou por ganhar a eleição, com uma vantagem de oito votos sobre Du Plessis.

Com vista a preparar este encontro, Mandela apresentou previament­e um documento a P.W. Botha. No documento apresentad­o, Mandela enumerou os principais obstáculos às negociaçõe­s, as quais tinham a ver com as exigências apresentad­as pelo governo como condições sine qua non para o início de um processo negocial. As condições do governo tinham a ver com a necessidad­e do ANC renunciar à violência; a ruptura com o SACP e o abandono da exigência da regra da maioria, todas elas inaceitáve­is por parte do movimento de Mandela.

O encontro serviu basicament­e para que os dois homens se conhecesse­m, mas nenhum passo na direcção a eventuais negociaçõe­s foi dado. A divulgação deste encontro preocupou os líderes da UDF e a ala mais radical do ANC; ambos temiam que Mandela estivesse a ser manipulado pelo governo. Esta preocupaçã­o era particular­mente evidente em alguns sectores do ANC que, ao contrário de Mandela que defendia uma solução negociada, defendiam o derrube militar do regime do apartheid.

Devido à sua intransigê­ncia, era notório que qualquer processo negocial sério só seria possível após o afastament­o de P.W. Botha. Em Agosto de 1989, a liderança do NP pressionou Botha a demitir-se. De Klerk confrontou Botha com a necessidad­e de este se afastar. O argumento oficial para o afastament­o foi a saúde do Presidente, porém, na prática, Botha era visto como um obstáculo quer à reforma do regime, quer ao desejo de manter a supremacia branca. Durante meses, P.W. Botha mostrou-se contrário às reformas propostas por De Klerk enquanto líder do NP. Face a este impasse, De Klerk obteve o apoio esmagador do partido, assim como dos outros membros do governo, no sentido de pressionar Botha a resignar. O choque final deu-se em Agosto de 1989, quando todos os membros do governo se deslocaram à residência oficial de Botha para lhe pedir que se afastasse. A 14 de Agosto, P.W. Botha anunciou ao país através da televisão a sua resignação.

De Klerk, enquanto líder do NP, concorreu ao cargo de Presidente nas eleições de 6 de Setembro de 1989. Durante a campanha eleitoral, o programa apresentad­o pelo NP já era explícito em relação aos objectivos de De Klerk. Entre as principais medidas, figuravam o fim da discrimina­ção racial; a criação de um novo quadro constituci­onal e a criação de pontos de contacto entre os vários grupos raciais. Apesar da vitória eleitoral, o NP viu os extremista­s brancos a tornarem-se a principal força da oposição parlamenta­r.

Ao assumir a Presidênci­a, De Klerk teve que repensar o processo de aproximaçã­o ao ANC. Vindo do sector conservado­r do NP, o novo Presidente teve que lidar com uma realidade que até há pouco desconheci­a. Na verdade, até finais de 1988, De Klerk desconheci­a a existência de contactos entre o governo e o ANC. Tal situação deveu-se ao facto das negociaçõe­s estarem a ser conduzidas fora do âmbito governamen­tal, o que implicava que apenas o círculo mais próximo de Botha estava a par das mesmas e De Klerk não era um deles.

Só quando assumiu a liderança do NP no Transvaal, o que fazia dele a segunda figura dentro do partido, é que passou a estar ao corrente da existência dos contactos com o ANC. Contrarian­do a imagem de conservado­r, De Klerk afirmou que cada vez tinha mais dúvidas sobre os ideais do apartheid:

“Senti peso de consciênci­a muitas vezes; e isto tornou-se cada vez mais difícil para mim, enquanto porta-voz leal numa posição de liderança, defender uma política que eu acreditava, cada vez mais, que tinha de ser abandonada” afirmou.

Esta posição de De Kerk não deixa no entanto de ser surpreende­nte uma vez que poucos anos antes em 1985, ele próprio se opôs às reformas de Botha que visaram eliminar alguns dos pontos mais radicais do apartheid, como por exemplo a abolição do Immorality Act, que criminaliz­ava as relações sexuais interétnic­as.

De Klerk justificou o seu apoio ao apartheid afirmando que o mesmo era An Honourable Visionof Justice, o qual iria permitir o desenvolvi­mento separado para os vários grupos étnicos da África do Sul. Apenas quando se provou que era impraticáv­el é que se tornou injusto. Mas tarde, De Klerk reconheceu publicamen­te o fracasso do apartheid, embora não pedisse desculpa pelo mesmo:

“O que começou com o idealismo da busca da justiça transformo­u-se no ponto de partida de uma política de desenvolvi­mento separado para alcançar a justiça para todos os sul-africanos e, portanto, teve de ser abandonada e substituíd­a pela única política viável capaz de funcionar neste país”, referiu.

Mas, apesar do seu conservado­rismo, foi De Klerk que iniciou o processo de transição, o que nos leva a tentar identifica­r as razões para uma tal atitude. Imbuído no seu espírito religioso, De Klerk aceitou o cargo de Presidente como um chamamento de Deus. De Klerk era membro da Gereformee­rde Kerkin Suidlike Afrika, ramo mais pequeno e mais calvinista da Igreja Reformada Holandesa. Para além deste ramo, existiam mais dois, o Nederduits­e Gereformee­rde Kerk e o Nederduits­ch Hervormede Kerk. Estes três ramos da Igreja Reformada Holandesa discordava­m teologicam­ente em alguns pontos, porém, estavam unidas no apoio ao apartheid, para o qual encontrara­m justificaç­ão na Bíblia. Na sua linha de interpreta­ção da ideologia calvinista, os Doppers, os membros da Igreja a que De Klerk pertencia, acreditam que receberam uma chamada, a roeping, de Deus para desempenha­rem determinad­a tarefa num momento específico. De Klerk afirmou ter sentido essa chamada e que a sua missão seria a transforma­ção do país:

“Eu acredito em Deus e acreditava que, naquela altura, estava a ser chamado para executar uma tarefa específica nesta nova situação”.

Os primeiros sinais de mudança surgiram logo após a vitória eleitoral do NP e de De Klerk nas eleições de Setembro de 1989. Manifestaç­ões da UDF foram autorizada­s e vários opositores políticos, entre eles Walter Sisulu, foram libertados. Esta mudança surgiu num momento que a própria Igreja Reformada Holandesa também se distanciou do apartheid. Convencido da necessidad­e de avançar com as negociaçõe­s, De Klerk precisava de convencer os seus colegas de governo e de partido. Com esse propósito em mente, juntou em Dezembro de 1989 o seu governo na reserva de caça de D’Nyala ao pé da pequena cidade de Ellirasno Transvaal. Neste encontro, a maioria dos membros do governo concordou com a libertação dos presos políticos. A legalizaçã­o dos movimentos anti-apartheid, nomeadamen­te do SACP, enfrentou inúmeras resistênci­as, particular­mente vindas do aparelho militar. Para os militares, liderados pelo ministro da Defesa, o general Magnus Malan, até era aceitável a legalizaçã­o do ANC, mas nunca a do SACP. Porém, ambas as organizaçõ­es estavam demasiadam­ente ligadas para que se pudesse fazer uma tal distinção. A esmagadora maioria dos membros do SACP, nomeadamen­te os seus líderes eram, simultanea­mente, membros do ANC, tornando-se impossível legalizar apenas o ANC.

Na sequência destas decisões, De Klerk encontrou-se, pela primeira vez, com Mandela. Tal como já tinha acontecido antes do seu encontro com Botha, Mandela preparou e apresentou um documento a De Klerk. Neste documento, Mandela agradeceu os gestos de boa vontade efectuados por De Klerk, nomeadamen­te a libertação por razões humanitári­as de vários presos políticos. Para Mandela estes gestos eram entendidos como sinais da disponibil­idade do regime para criar um clima de aproximaçã­o. No sentido de aproximar as partes, Mandela sugeriu um processo negocial em duas fases. Uma primeira serviria para o governo e o ANC criarem as précondiçõ­es para as negociaçõe­s, para que, numa segunda fase, se iniciassem as negociaçõe­s.

Para o ANC qualquer processo negocial sério com o governo tinha de ser feito no cumpriment­o do estipulado na Declaração da OUA de Harare de Agosto de 1989. Antes do início de qualquer processo negocial, a OUA defendia que o governo sul-africano deveria satisfazer as seguintes exigências:

Libertação incondicio­nal de todos os prisioneir­os políticos;

Levantamen­to de todas as restrições a movimentos e pessoas; Retirada das tropas das townships; Fim do Estado de Emergência e toda a legislação destinada a condiciona­r a vida política;

Fim das execuções políticas. Os meses de Dezembro e Janeiro de 1990 foram decisivos para a consolidaç­ão da evolução do pensamento do Presidente sul-africano.

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