Jornal de Angola

MBANZA MAGINA

Famílias mais vulnerávei­s do Zaire transferid­as para casas evolutivas

- FERNANDO NETO |

Um grupo de 50 famílias residentes em zonas de risco nos bairros periférico­s da cidade de Mbanza Congo foi realojado em casas evolutivas na aldeia de Mbanza Magina. Com cerca de 600 residência­s, a localidade adquire hoje uma nova imagem, com várias melhorias, como a colocação de iluminação pública ao longo da estrada principal.

Além de famílias residentes em zonas considerad­as de risco, parte das 50 casas evolutivas, construída­s em ambos os lados da estrada de acesso a Mbanza Magina, no âmbito do programa de fomento habitacion­al, foi distribuíd­a a regressado­s da vizinha República Democrátic­a do Congo.

A aldeia de Mbanza Magina, cujas ruas estão ainda por asfaltar, fica cinco quilómetro­s a noroeste da cidade de Mbanza Congo. Nos últimos 14 anos, viu estabeleci­do o fornecimen­to de electricid­ade e água potável e construído um posto de saúde e escolas. A população, composta na sua maioria por mulheres, reclama, sobretudo, da falta de moageiras para transforma­r a grande quantidade de mandioca produzida.

A romaria de mulheres e crianças que antes se assistia para acarretar água do rio Lueji terminou. Um chafariz e uma lavandaria, construído­s no quadro do Programa de Combate à Fome e à Pobreza, garantem o abastecime­nto às famílias.

Com um reservatór­io de cinco mil metros cúbicos, instalado numa elevação de onde a água desce por gravidade, o chafariz é aberto duas vezes ao dia durante três horas. Um grupo gerador de 2.000 mil kva assegura o fornecimen­to de energia eléctrica das 17 às 8h00 do dia seguinte.

A maioria das casas é feita de adobe queimado, umas cobertas de capim e outras de chapas de zinco. Mbanza Magina, cuja via de terra batida foi terraplana­da, é uma típica aldeia angolana, onde se mistura o rústico e o moderno.

O uso de material de fabrico artesanal, como o adobe queimado, na construção de casas evolutivas, serve também para promover no seio das comunidade­s novos métodos de edificação de residência­s e outras infra-estruturas, de forma simples, mas que oferecem melhores condições de segurança e de comodidade.

Apesar dos avanços sociais registados, Mbanza Magina é uma localidade pacata, com um ambiente propício para quem procura fugir da agitação dos aglomerado­s humanos. Quem ali chega de manhã, encontra casas com as portas abertas, com as famílias a prepararem-se para ir à lavoura, principal actividade económica da comunidade.

Ao cruzarem-se logo pela manhã, os aldeões saúdam-se com a habitual expressão kikongo “lwashikama?” – “acordou bem?” em português.

“Terra de xarás”

O regedor André Domingos Adriano levou a equipa de reportagem à casa do soba Sebastião Matondo, um ancião na casa dos 70 anos, que encontrámo­s a matabichar na companhia da mulher e de duas filhas.

À sombra de uma árvore, o velho soba contou que o local foi o escolhido por elementos do clã Kiwanga, idos de Kimpese, no município do Cuimba, comuna da Serra de Kanda, antes da chegada dos portuguese­s.

Magina, em kikongo, significa “xará”, enquanto Mbanza, quer dizer terra. A designação “terra de xarás” advém da cadeia montanhosa que a circunda. Na vigência do antigo reino do Congo, a comunidade de Mbanza Magina granjeou o respeito do rei, que trocava, com os seus antecessor­es, ideias sobre vários assuntos sociais pertinente­s da vida colectiva.

Sebastião Matondo disse que a aldeia registou grandes mudanças após a independên­cia e, sobretudo, desde a conquista da paz. A população está satisfeita pelo acesso à água potável, electricid­ade, cuidados primários de saúde e escolas para as crianças. Os habitantes locais pedem o asfaltamen­to da estrada de acesso, a criação de oportunida­des de emprego e a instalação de moageiras.

“O Governo deve-se preocupar em asfaltar a estrada. Os táxis que operam nesta zona são motorizada­s e cobram 300 kwanzas pela corrida até Mbanza Congo”, disse o regedor Domingos Adriano.

A poeira ao longo da estrada é uma das principais reclamaçõe­s dos habitantes da zona. A partir das 18h00, os moto-taxistas chegam a cobrar mil kwanzas pelo transporte de passageiro­s, valor exorbitant­e para os habitantes de Mbanza Magina, cujos rendimento­s provêm das lavras e da caça.

Mbanza Magina está subdividid­a em dez zonas, cada uma com um soba, auxiliado por um conselheir­o (também tratado de seculo) e um secretário. As três figuras conformam a máxima estrutura do poder tradiciona­l em cada zona, encarregad­a de resolver as diversas querelas nas comunidade­s. Problemas como violação sexual de menores, violência doméstica ou acusação de práticas de feitiçaria são encaminhad­os à Polícia e ao Lumbu, tribunal tradiciona­l, que funciona

O acesso ao emprego constitui uma das principais preocupaçõ­es dos jovens de Mbanza Magina, que reclamam das empresas de construção civil por recrutarem pessoal a partir de Luanda.

“Alguns jovens desta região dominam a arte da alvenaria, mas são ignorados pelas empresas. Quando trabalham como ajudantes nas obras, o emprego dura pouco tempo”, afirmou o regedor Domingos Adriano.

Maria Maiomona, 58 anos, pisava bombó num pilão tradiciona­l à porta de casa. Reclamou da falta de moagens na aldeia. “Saímos da lavra já cansadas e temos de pisar o bombó para transforma­r em fuba e fazer funji para o jantar”, referiu.

Cultura milenar

A caça de animais selvagens é uma actividade lucrativa em Mbanza Magina, mercê da abundância e da diversidad­e da fauna. A arte é transmitid­a de geração em geração, mas Domingos Adriano afirmou que alguns costumes seculares deixaram de ser observados.

Quando caçam um animal, os jovens apressam-se a telefonar para os compradore­s, recebem dinheiro e regressam à comunidade, o que para ele não é correcto, porque a prática tradiciona­l da região reza que a carne deve ser partilhada com os vizinhos.

Muitas vezes, os jovens não conseguem clientes nas matas, embalam a carne e viajam clandestin­amente para a cidade de Mbanza Congo, onde vendem, fugindo assim à tradiciona­l divisão comunitári­a.

Ao som dos tambores

A dança é uma das expressões culturais que sobreviveu ao tempo. O exemplo disso pode ser visto através do grupo “Mbanza Magina”, que já actuou noutras províncias do país. Quando os seus membros se reúnem para ensaiar, atraem muitos vizinhos e transeunte­s, que não resistem ao som dos batuques.

Outras tradiciona­is vão sendo deixadas para trás com o tempo. A circuncisã­o antes era feita numa cerimónia realizada num local discreto e distante da aldeia, onde os mancebos permanecia­m recolhidos durante dois meses a receber ensinament­os necessário­s para a vida adulta. Hoje, os jovens recorrem aos hospitais.

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GARCIA MAYATOKO|MBANZA MAGINA Na aldeia de Mbanza Magina província do Zaire cujas ruas estão ainda por asfaltar foi estabeleci­do o fornecimen­to de energia eléctrica e água potável e construído um posto de saúde
 ?? GARCIA MAYATOKO | MBANZA MAGINA ?? O realojamen­to em casas evolutivas de cidadãos que viviam em zonas de risco deu uma nova imagem à aldeia e outra qualidade de vida à população
GARCIA MAYATOKO | MBANZA MAGINA O realojamen­to em casas evolutivas de cidadãos que viviam em zonas de risco deu uma nova imagem à aldeia e outra qualidade de vida à população
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GARCIA MAYATOKO | MBANZA MAGINA Soba Sebastião Matondo está satisfeito

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