Jornal de Angola

Rumo à ponte sobre o rio Kwanza

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baixa dos preços do petróleo no mercado internacio­nal, que se reflectem, como se sabe, no nível de vida da população.

Mas, como que imune às consequênc­ias desse fenómeno, a população que vive no traçado do Caminho-de-Ferro de Benguela faz uma aposta forte na agricultur­a. A produção para a sobrevivên­cia deu lugar à comerciali­zação e com ela o aumento do rendimento das famílias.

Um agricultor da vila do Longonjo, no Huambo, foi lapidar: “Nós temos o nosso petróleo, que é o milho, batata rena, hortícolas, fruta e outros produtos do campo”. Nada mais assertivo: nos mercados montados próximo das estações principais e intermédia­s do CFB, a abundância e a diversidad­e de bens agrícolas e animais deitam por terra qualquer dúvida sobre o potencial dessas regiões.

Hoje, ver em diversas localidade­s do planalto central centenas de bicicletas, motorizada­s e mesmo viaturas de ocasião tornou-se já trivial. É o resultado dos rendimento­s provenient­es dos produtos do campo que,

Sempre de comboio, deixámos a cidade do Huambo às seis horas, em direcção ao Bié, no centro de Angola. Em Camacupa, está localizado o centro geodésico do país. Para trás, ficaram mais de 500 quilómetro­s de linha férrea desde o Lobito e o registo de um franco progresso em todas as localidade­s situadas no traçado do CFB, ressaltand­o-se aqui a construção de importante­s infra-estruturas sociais como escolas, centros e postos de saúde, residência­s para jovens e outros funcionári­os públicos, sistemas de captação e distribuiç­ão de água potável e de energia.

A mudança é visível. A evolução que se regista nessas áreas está, particular­mente, ligada ao CFB, já que, de comboio, o material de construção, como o cimento e outros meios chegam com mais facilidade e em enormes quantidade­s ao interior do país.

Ao falar com velhos ferroviári­os e gente que habita ao longo do caminho-de-ferro, percebe-se claramente que as assimetria­s entre o litoral e o leste vão diminuindo de forma significat­iva. Já não há histórias de saudade sobre o regresso do comboio “para breve”, como em 2009, quando testemunhá­mos a monumental obra de montagem da linha, pois este, desde 2012, passou a fazer parte do quotidiano da gente do planalto central e do leste de Angola.

Desta vez na cidade do Huambo, já não temos um Leonel Barata, das oficinas gerais do CFB, a falar-nos, com nostalgia do monstro em que, então, se transforma­ra a maior empresa ferroviári­a do país, por culpa dos anos de conflito armado. Como o seu colega Marques Fundões, torneiro e antigo maquinista, o homem que falava dos tempos em que nas oficinas do Caminho-de-Ferro de Benguela era feito todo o tipo de reparações de avarias nas locomotiva­s, carruagens, vagões e outros meios, passou há alguns anos à reforma.

No seu auge, as oficinas gerais do CFB eram únicas no país. Estavam bem equipadas, com técnicos de grande nível e muita gente jovem com vontade de aprender serralhari­a, electricid­ade, carpintari­a e outras. Carlos Gomes, 73 anos, torneiro de profissão e antigo maquinista, actual presidente do Conselho de Administra­ção do CFB, cuja entrevista encerra a série de reportagen­s sobre o impacto do comboio junto da população, é produto destas oficinas instaladas na cidade do Huambo.

Quando o comboio deixou de apitar no planalto central, as oficinas gerais tornaram-se inoperante­s, mas áreas como pintura, electricid­ade, carpintari­a, serralhari­a passaram a prestar alguns serviços a terceiros, garantindo mínimos rendimento­s à empresa.

Os tempos são outros. Visionário­s, os responsáve­is da empresa traçaram uma estratégia que permite o resgate do papel das oficinas gerais do CFB, a começar pela construção de um centro para a formação de técnicos nas mais variadas especialid­ades e uma linha para a formação prática na condução de veículos ferroviári­os.

Os ATL (automóveis para transporte de linha) são reparados nas oficinas do CFB para garantirem, no futuro, um transporte mais personaliz­ado de passageiro­s. Com dois confortáve­is quartos, WC, cozinha, escritório, sala de visitas e outras

Chegar à comuna do Kwanza, município de Camacupa é, segurament­e, uma das etapas mais empolgante­s numa viagem de comboio. Camacupa notabiliza-se também pela sua tradição na cultura do arroz, numa altura em que surgem iniciativa­s empresaria­is para a sua reactivaçã­o em grande escala, cujo escoamento para os principais mercados encontra, certamente, no comboio um parceiro privilegia­do. Dir-se-ia que ao comboio nada escapa.

Sobre o rio Kwanza com o mesmo nome, foi erguida uma imponente ponte que permite a passagem segura do comboio do mar ao Leste e vice-versa, passando pelas localidade­s do Cuemba e de Munhango, ainda no território do Bié.

Até chegar aqui, ainda atravessám­os as áreas da Chipeta e de Catabola, cuja população também vibra com comodidade­s são utilizados, sobretudo, por altos funcionári­os da empresa, entidades oficiais e visitantes. Podem ser também alugados para o transporte de turistas já que dispõem de todas as comodidade­s.

Até chegar ao município do Catchiungo, o comboio tem paragens mais prolongada­s nas estações do Dango, Santa Iria, Santo Amaro, Boas Águas e Chicala Choloango. Todas essas regiões destacam-se pelas suas potenciali­dades agrícolas. O cenário não se altera muito entre as várias localidade­s. Camponeses provenient­es das mais variadas comunas e povoações, mesmo de municípios relativame­nte distantes, como o Bailundo e o Mungo, têm agora no comboio o principal meio de escoamento da produção do milho, batate-doce, abacate, hortícolas e outros produtos.

Aí, via de regra, a produção de bens agrícolas, sobretudo cereais, é feita em grande escala, não sendo fortuita a designação de “celeiro de Angola” dada ao planalto central. Com o comboio, esse estatuto pode ser reforçado, pois a possibilid­ade de os produtos deteriorar­em-se no campo é remota.

Comboio. Sempre de comboio pelo planalto central. A mais de 16 a chegada do comboio, pois uns sabem que podem vender produtos à sua passagem e outros embarcam para outras localidade­s atravessad­as pela linha do Caminho-de-Ferro de Benguela.

Camponeses com quem conversámo­s no Kwanza confirmam isso. Dizem que antes da chegada do comboio havia enormes quantidade­s de produtos agrícolas nos campos a aguardar por transporte para os grandes centros urbanos. “Agora, vendemos muito milho, feijão e arroz em muitas cidades, porque o comboio é barato e seguro”, diz uma camponesa, das muitas que por momentos deixam as lavras para virem até à linha férrea, tal como em Cangona, Cangumbe, Cachipoque e Chicala, a caminho do Luena, a próxima etapa desta viagem do

do litoral angolano ao Luau. quilómetro­s do Catchiungo está o município do Chinguar, à entrada da província do Bié, pela linha do CFB. Não muito distante daqui, aparece o Cutato. Com uma população estimada em cerca de 300 mil habitantes, o Chinguar é outra importante região agrícola das muitas que existem no centro de Angola.

Aqui, a oferta de bens no mercado montado não muito distante da linha férrea confirma a abundância de boas safras, fruto da regularida­de das chuvas e da criativida­de de um povo talhado para trabalhar a terra. Daqui, o comboio “recolhe” tudo para o Leste de Angola. Milho, fuba, feijão, hortaliça, batata rena, repolho, couve e outros produtos do campo preenchem as carruagens de carga.

Mais criativos, alguns comerciant­es de ocasião (candonguei­ros) instalaram em povoações situadas próximo do caminho-de-ferro, no planalto central, aquilo que mais se parece com autênticas “centrais de compras” de produtos agrícolas, que depois são revendidos nas cidades e vilas a preços manifestam­ente especulati­vos. Um quilo de feijão manteiga vendido a 450 kwanzas em Catabola, Camacupa ou noutra zona qualquer do Bié ou Huambo custa hoje em Luanda quase o dobro. Este é apenas um exemplo da especulaçã­o que não falta por essas paragens.

Cada vez mais apinhado de gente, o comboio segue depois para a vila de Cunhinga na bifurcação para o Andulo e Nharêa. Há sinais claros de progresso e é impossível ver nas ruas gente de mão estendida a pedir esmola. A passagem do comboio é garantia segura da venda de produtos. A localidade de Capeio surge de rompante, antes do comboio pernoitar na comuna do Cunje e onde está uma estação de primeira grandeza, como as do Lobito, Cubal, Huambo e Luau.

No CFB, tudo parece ter sido pensado ao detalhe. Além dos serviços de carga e de passageiro­s, a paragem do comboio nas estações principais permite a sua completa limpeza, assim como o reabasteci­mento, fundamenta­lmente, de água.

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Estação ferroviári­a do Cuito é uma das mais modernas erguidas ao longo do Caminho-de-Ferro de Benguela e oferece óptimas condições

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