Seitas ilegais preocupam a sociedade
MOVIMENTO RELIGIOSO Algumas seitas actuam à margem da lei e com comportamentos nocivos à convivência social
O surgimento descontrolado de seitas religiosas em Mbanza Congo está a preocupar a sociedade local. Os mentores de certos movimentos eclesiásticos são, presumivelmente, motivados pelo lucro fácil e, normalmente, apresentam-se como tendo soluções imediatas para os problemas que afectam as famílias. São quase sempre pessoas vulneráveis as que se deixam enganar por esses falsos profetas.
O surgimento descontrolado de seitas religiosas, em Mbanza Congo, província do Zaire, está a preocupar a sociedade local. Os mentores de certos movimentos eclesiásticos são, presumivelmente, motivados pelo lucro fácil e, normalmente, se apresentam como tendo soluções imediatas para os problemas que afectam as famílias.
A nível dos bairros periféricos de Mbanza Congo, é notória a presença de várias capelas improvisadas com chapas de zinco e papelões. Muitas das capelas realizam cultos a altas horas da noite e os fiéis produzem um barulho ensurdecedor que tem sido um incómodo para as famílias residentes nos arredores.
Relatos dão conta de que os responsáveis destas seitas religiosas, que proliferam em Mbanza Congo como “cogumelos”, são na sua maioria indivíduos provenientes da República Democrática do Congo (RDC), daí que os cultos sejam feitos em lingala, fazendo recurso a intérpretes. Ilegais ou não, a verdade é que têm pairado informações de seitas religiosas que promovem práticas atentatórias da integridade física e moral das pessoas, além de minarem a boa convivência no seio das famílias.
A Constituição da República de Angola consagra a liberdade de culto e religião, ou seja, vinca a laicidade do Estado angolano, mas este pressuposto legal não deve servir de pretexto para a criação de igrejas em qualquer esquina, cujas actividades ocorrem em desobediência às leis do país.Contactado pelo Jornal de Angola, o chefe do departamento do Património Cultural da Direcção Provincial da Cultura no Zaire, Lutadila Lunguana, informou que existe, a nível da província, um total de 171 igrejas, dentre as quais 145 estão legalizadas. Lutadila Lunguana avançou que o sector da Cultura tem, igualmente, registados 302 locais de cultos, que podem ainda ser chamados de paróquias.
“Nós registámos essas paróquias no sentido de responsabilizar os seus pastores, porque há situações que ali acontecem e que podem não abranger toda a comunidade”, indicou, tendo sublinhado mais adiante que, dos 302 templos existentes, 163 são legais, 110 em vias de legalização, ou seja, aqueles que estão a funcionar sob a tutela de alguma plataforma de movimentos religiosos, 25 não legais e dois encerrados, por decisão judiciária.
Apesar de alguns constrangimentos que vão sendo registados neste domínio, o responsável notou que, de um modo geral, as igrejas estão a desempenhar o seu papel de educar o povo e também de acompanhar o Governo, sobretudo, no seu sector social. “Sabemos que, fora dessa concertação geral, existem alguns casos de igrejas cujas actividades estão à margem daquilo que é recomendado. Algumas igrejas não estão a cumprir com as orientações do Governo, que visam o bemestar das populações”, referiu.
Lutadila Lunguana deu exemplo de igrejas que fazem poluição sonora e outras que internam doentes nos seus templos com o pretexto de os submeter a sessões de orações, para a cura. Outras ainda proíbem os seus fiéis de participarem em campanhas de vacinação realizadas pelo Governo no âmbito dos programas de combate a certas epidemias no país.
Segundo ele, as igrejas estão subdivididas por categorias e cada uma delas tem a sua particularidade. Existem, prosseguiu, as chamadas igrejas da aliança africana ou espirituais. A maioria das igrejas, precisou, que fazem parte deste grupo, infelizmente, comportase como se ainda estivesse a viver na antiguidade, quer dizer, diante de uma situação, elas não vão primeiro ao encontro dos órgãos estabelecidos pelo Estado e, normalmente, operam nas zonas periféricas ou mesmo na mata.
Paz social
O chefe do departamento do Património Cultural da Direcção Provincial da Cultura no Zaire lembrou que a política do Estado angolano é manter a paz no seio da sociedade. E, em caso de situações de conflitualidade numa determinada denominação religiosa, a primeira acção é aproximar as alas em conflito e fazer com que haja uma solução do problema, que é a reconciliação. Quando não há reconciliação, o assunto é remetido a uma outra instância.“Normalmente, é constituída uma comissão multissectorial, para analisar a situação no sentido de aproximar as partes antagónicas”, referiu. As igrejas são um fenómeno social. Num meio em que há situações de crise e necessidades, a tendência é haver uma multiplicação de igrejas, algumas das quais com objectivos meramente económicos e financeiros.
“A interpretação diferenciada das doutrinas leva também ao surgimento de seitas. Pode haver alguém que não concorde com a forma como o pastor dirige a igreja e pensar em criar a sua ala”, notou, acrescentando que o pouco domínio das sagradas escrituras está também na base da proliferação que se assiste hoje, um pouco por todo o lado, tendo sustentado mais adiante a sua afirmação, afirmando que uma má interpretação pode causar um conflito de doutrina e provocar a separação dos fiéis em alas antagónicas.
“Há também casos de separação que acontecem quando os líderes religiosos se comportam mal. Alguns pastores consideram o património da igreja como sendo pessoal ou privado, criando um clima de revolta no seio dos fiéis e a tendência destes últimos é formar uma outra igreja”, afirmou.
Análise sociológica
O sociólogo Zolana Avelino entende que a proliferação de seitas não é um fenómeno exclusivo de Angola, mas que se assiste um pouco por todos os países do continente africano, onde os problemas sociais colocam as famílias numa situação de vulnerabilidade.
“As pessoas quando enfrentam dificuldades nas suas vidas ficam vulneráveis, podendo aderir àqueles grupos que, supostamente, lhes apresentam soluções para os seus problemas, como é o caso das seitas religiosas”, referiu o académico.
Zolana Avelino indicou que embora se considere a laicidade do Estado angolano, a sociedade precisa de estar atenta a estes movimentos eclesiásticos, na medida em que se nota da parte destes uma tendência de instrumentalização dos vários problemas que apoquentam as famílias. O também vice-decano para a Área Científica da Escola Superior Politécnica do Zaire, em Mbanza Congo, asseverou que a proliferação de seitas religiosas depende muito do meio social e do nível de instrução das pessoas ali inseridas, daí que o fenómeno tem maior predominância nas zonas periféricas, em detrimento das urbanas.
“Analisando bem a situação, vamos notar que o surgimento dessas seitas tem a ver com um certo meio com muitos problemas sociais”, observou o sociólogo, acrescentando que, no contexto de Mbanza Congo, se presume que o fenómeno tenha predominância na periferia, em detrimento do casco urbano.
A nossa reportagem efectuou uma ronda a nível da periferia de Mbanza Congo, na tentativa de apurar, junto dos líderes de distintas congregações religiosas, as reais motivações que estarão na base do aparecimento, quase que vertiginoso, das seitas, mas todo o esforço foi gorado.Em Julho último, Mbanza Congo registou uma cena de conflito religioso em que um pastor da igreja cristã “União Espírito Santo”, Manuel Nvika, de 40 anos de idade, foi condenado, pelo Tribunal Municipal de Mbanza Congo, a três meses de prisão efectiva, por crime de desobediência.
De acordo com a sentença do Tribunal Municipal de Mbanza Congo, lida na altura, Manuel Nvika tinha-se autoproclamado líder máximo da referida igreja em Angola, em desobediência ao acórdão do Tribunal Provincial de Luanda.
O referido acórdão dava provimento à liderança do pastor Nunes Tsongo, numa disputa com outro pastor, Domingos Fata, ambos residentes na capital do país, situação aproveitada por Manuel Nvika, que decidiu atribuir-se a liderança dessa denominação religiosa a nível do país, tendo aberto paróquias na província do Zaire, sem a devida autorização das autoridades competentes.