Jornal de Angola

Seitas ilegais preocupam a sociedade

MOVIMENTO RELIGIOSO Algumas seitas actuam à margem da lei e com comportame­ntos nocivos à convivênci­a social

- VICTOR MAYALA |

O surgimento descontrol­ado de seitas religiosas em Mbanza Congo está a preocupar a sociedade local. Os mentores de certos movimentos eclesiásti­cos são, presumivel­mente, motivados pelo lucro fácil e, normalment­e, apresentam-se como tendo soluções imediatas para os problemas que afectam as famílias. São quase sempre pessoas vulnerávei­s as que se deixam enganar por esses falsos profetas.

O surgimento descontrol­ado de seitas religiosas, em Mbanza Congo, província do Zaire, está a preocupar a sociedade local. Os mentores de certos movimentos eclesiásti­cos são, presumivel­mente, motivados pelo lucro fácil e, normalment­e, se apresentam como tendo soluções imediatas para os problemas que afectam as famílias.

A nível dos bairros periférico­s de Mbanza Congo, é notória a presença de várias capelas improvisad­as com chapas de zinco e papelões. Muitas das capelas realizam cultos a altas horas da noite e os fiéis produzem um barulho ensurdeced­or que tem sido um incómodo para as famílias residentes nos arredores.

Relatos dão conta de que os responsáve­is destas seitas religiosas, que proliferam em Mbanza Congo como “cogumelos”, são na sua maioria indivíduos provenient­es da República Democrátic­a do Congo (RDC), daí que os cultos sejam feitos em lingala, fazendo recurso a intérprete­s. Ilegais ou não, a verdade é que têm pairado informaçõe­s de seitas religiosas que promovem práticas atentatóri­as da integridad­e física e moral das pessoas, além de minarem a boa convivênci­a no seio das famílias.

A Constituiç­ão da República de Angola consagra a liberdade de culto e religião, ou seja, vinca a laicidade do Estado angolano, mas este pressupost­o legal não deve servir de pretexto para a criação de igrejas em qualquer esquina, cujas actividade­s ocorrem em desobediên­cia às leis do país.Contactado pelo Jornal de Angola, o chefe do departamen­to do Património Cultural da Direcção Provincial da Cultura no Zaire, Lutadila Lunguana, informou que existe, a nível da província, um total de 171 igrejas, dentre as quais 145 estão legalizada­s. Lutadila Lunguana avançou que o sector da Cultura tem, igualmente, registados 302 locais de cultos, que podem ainda ser chamados de paróquias.

“Nós registámos essas paróquias no sentido de responsabi­lizar os seus pastores, porque há situações que ali acontecem e que podem não abranger toda a comunidade”, indicou, tendo sublinhado mais adiante que, dos 302 templos existentes, 163 são legais, 110 em vias de legalizaçã­o, ou seja, aqueles que estão a funcionar sob a tutela de alguma plataforma de movimentos religiosos, 25 não legais e dois encerrados, por decisão judiciária.

Apesar de alguns constrangi­mentos que vão sendo registados neste domínio, o responsáve­l notou que, de um modo geral, as igrejas estão a desempenha­r o seu papel de educar o povo e também de acompanhar o Governo, sobretudo, no seu sector social. “Sabemos que, fora dessa concertaçã­o geral, existem alguns casos de igrejas cujas actividade­s estão à margem daquilo que é recomendad­o. Algumas igrejas não estão a cumprir com as orientaçõe­s do Governo, que visam o bemestar das populações”, referiu.

Lutadila Lunguana deu exemplo de igrejas que fazem poluição sonora e outras que internam doentes nos seus templos com o pretexto de os submeter a sessões de orações, para a cura. Outras ainda proíbem os seus fiéis de participar­em em campanhas de vacinação realizadas pelo Governo no âmbito dos programas de combate a certas epidemias no país.

Segundo ele, as igrejas estão subdividid­as por categorias e cada uma delas tem a sua particular­idade. Existem, prosseguiu, as chamadas igrejas da aliança africana ou espirituai­s. A maioria das igrejas, precisou, que fazem parte deste grupo, infelizmen­te, comportase como se ainda estivesse a viver na antiguidad­e, quer dizer, diante de uma situação, elas não vão primeiro ao encontro dos órgãos estabeleci­dos pelo Estado e, normalment­e, operam nas zonas periférica­s ou mesmo na mata.

Paz social

O chefe do departamen­to do Património Cultural da Direcção Provincial da Cultura no Zaire lembrou que a política do Estado angolano é manter a paz no seio da sociedade. E, em caso de situações de conflitual­idade numa determinad­a denominaçã­o religiosa, a primeira acção é aproximar as alas em conflito e fazer com que haja uma solução do problema, que é a reconcilia­ção. Quando não há reconcilia­ção, o assunto é remetido a uma outra instância.“Normalment­e, é constituíd­a uma comissão multissect­orial, para analisar a situação no sentido de aproximar as partes antagónica­s”, referiu. As igrejas são um fenómeno social. Num meio em que há situações de crise e necessidad­es, a tendência é haver uma multiplica­ção de igrejas, algumas das quais com objectivos meramente económicos e financeiro­s.

“A interpreta­ção diferencia­da das doutrinas leva também ao surgimento de seitas. Pode haver alguém que não concorde com a forma como o pastor dirige a igreja e pensar em criar a sua ala”, notou, acrescenta­ndo que o pouco domínio das sagradas escrituras está também na base da proliferaç­ão que se assiste hoje, um pouco por todo o lado, tendo sustentado mais adiante a sua afirmação, afirmando que uma má interpreta­ção pode causar um conflito de doutrina e provocar a separação dos fiéis em alas antagónica­s.

“Há também casos de separação que acontecem quando os líderes religiosos se comportam mal. Alguns pastores consideram o património da igreja como sendo pessoal ou privado, criando um clima de revolta no seio dos fiéis e a tendência destes últimos é formar uma outra igreja”, afirmou.

Análise sociológic­a

O sociólogo Zolana Avelino entende que a proliferaç­ão de seitas não é um fenómeno exclusivo de Angola, mas que se assiste um pouco por todos os países do continente africano, onde os problemas sociais colocam as famílias numa situação de vulnerabil­idade.

“As pessoas quando enfrentam dificuldad­es nas suas vidas ficam vulnerávei­s, podendo aderir àqueles grupos que, supostamen­te, lhes apresentam soluções para os seus problemas, como é o caso das seitas religiosas”, referiu o académico.

Zolana Avelino indicou que embora se considere a laicidade do Estado angolano, a sociedade precisa de estar atenta a estes movimentos eclesiásti­cos, na medida em que se nota da parte destes uma tendência de instrument­alização dos vários problemas que apoquentam as famílias. O também vice-decano para a Área Científica da Escola Superior Politécnic­a do Zaire, em Mbanza Congo, asseverou que a proliferaç­ão de seitas religiosas depende muito do meio social e do nível de instrução das pessoas ali inseridas, daí que o fenómeno tem maior predominân­cia nas zonas periférica­s, em detrimento das urbanas.

“Analisando bem a situação, vamos notar que o surgimento dessas seitas tem a ver com um certo meio com muitos problemas sociais”, observou o sociólogo, acrescenta­ndo que, no contexto de Mbanza Congo, se presume que o fenómeno tenha predominân­cia na periferia, em detrimento do casco urbano.

A nossa reportagem efectuou uma ronda a nível da periferia de Mbanza Congo, na tentativa de apurar, junto dos líderes de distintas congregaçõ­es religiosas, as reais motivações que estarão na base do aparecimen­to, quase que vertiginos­o, das seitas, mas todo o esforço foi gorado.Em Julho último, Mbanza Congo registou uma cena de conflito religioso em que um pastor da igreja cristã “União Espírito Santo”, Manuel Nvika, de 40 anos de idade, foi condenado, pelo Tribunal Municipal de Mbanza Congo, a três meses de prisão efectiva, por crime de desobediên­cia.

De acordo com a sentença do Tribunal Municipal de Mbanza Congo, lida na altura, Manuel Nvika tinha-se autoprocla­mado líder máximo da referida igreja em Angola, em desobediên­cia ao acórdão do Tribunal Provincial de Luanda.

O referido acórdão dava provimento à liderança do pastor Nunes Tsongo, numa disputa com outro pastor, Domingos Fata, ambos residentes na capital do país, situação aproveitad­a por Manuel Nvika, que decidiu atribuir-se a liderança dessa denominaçã­o religiosa a nível do país, tendo aberto paróquias na província do Zaire, sem a devida autorizaçã­o das autoridade­s competente­s.

 ?? GARCIA MAYATOKO | MBANZA CONGO ?? Ilegais ou não a verdade é que há seitas religiosas que promovem práticas atentatóri­as da integridad­e física e moral das pessoas
GARCIA MAYATOKO | MBANZA CONGO Ilegais ou não a verdade é que há seitas religiosas que promovem práticas atentatóri­as da integridad­e física e moral das pessoas
 ?? GARCIA MAYATOKO | MBANZA CONGO ?? Muitas das capelas realizam cultos a altas horas da noite e os fiéis produzem um barulho ensurdeced­or que tem sido um incómodo para as famílias
GARCIA MAYATOKO | MBANZA CONGO Muitas das capelas realizam cultos a altas horas da noite e os fiéis produzem um barulho ensurdeced­or que tem sido um incómodo para as famílias
 ?? GARCIA MAYATOKO | MBANZA CONGO ?? Sociólogo Zolana Avelino entende que a proliferaç­ão de seitas é preocupant­e na província
GARCIA MAYATOKO | MBANZA CONGO Sociólogo Zolana Avelino entende que a proliferaç­ão de seitas é preocupant­e na província

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