Jornal de Angola

Utilização de raios gama no combate à praga dos cafezais

- ANTONIO SÁNCHEZ SOLÍS

A luta contra a ferrugem do café e os seus devastador­es efeitos nas economias da América Central tem um novo aliado: as mutações induzidas por raios gama para melhorar a resistênci­a da planta a essa doença. E tudo sem afectar a sua qualidade.

Embora diversas tecnologia­s nucleares sejam aplicadas há muito tempo para melhorar e proteger todo o tipo de cultivos, o seu uso no café mal está a começar.

Os pioneiros são a Agência Internacio­nal de Energia Atómica (AIEA) e a Organizaçã­o das Nações Unidas para a Alimentaçã­o e a Agricultur­a (FAO), que acabam de reunir em Viena especialis­tas centro-americanos e do Peru para ensinar-lhes como aplicar esta inovadora tecnologia para combater a ferrugem do café.

Trata-se de uma doença produzida por um fungo - com o nome científico de Hemileia vastatrix que ataca principalm­ente as folhas da planta do café.

A técnica, conhecida como “fitotecnia” por mutações, consiste em propagar sementes de café com raios gama e induzir mutações no seu genoma para ampliar a variedade genética da planta e torná-la mais resistente ao fungo. Essas mutações acontecem de forma espontânea na natureza e também podem ser provocadas artificial­mente através do cruzamento de diferentes variedades de café - por exemplo de robusta, resistente à ferrugem do café, com a arábica, que não o é - embora esse processo possa durar até três décadas.

O que a tecnologia nuclear faz é acelerar esse desenvolvi­mento, explicou à Efe Stephan Nielen, geneticist­a do programa AIEA/FAO e responsáve­l pelo seminário realizado em Viena. “A esperança é encontrar plantas que mantenham as caracterís­ticas originais de qualidade, mas que tenham uma resistênci­a adicional”, disse.

Estas experiênci­as para induzir e acelerar a mutação começaram em 2013 nos laboratóri­os que a AIEA tem em Seibersdor­f, a cerca de 50 quilómetro­s ao sul de Viena.

“Espero que em cinco anos tenhamos material no terreno que possamos dizer que é resistente”, declarou Nielen durante uma pausa na última sessão do curso de duas semanas.

Os seus alunos são 14 especialis­tas de Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Peru, Panamá e Jamaica. Na maioria destes países, o café é hoje o principal produto agrícola de exportação. Por isso, uma redução da produção por causa da ferrugem do café significa automatica­mente uma notável queda da receita em moeda estrangeir­a.

Nielen lembra que esta doença representa um problema muito grave para a indústria local do café e que, como no caso de outras similares, a mudança climática provoca um aumento da sua incidência.

Apesar de reconhecer que é correcto falar de modificaçã­o genética, insiste em que esta técnica não tem nada a ver com os polémicos transgénic­os e “organismos geneticame­nte modificado­s” (OGM).

“Nos OGM introduz-se um gene estranho no cultivo, algo que não pertence a esse organismo. Na fitotecnia por mutações é usada a composição genética do cultivo e induzidas mutações numa frequência maior da que ocorreria na natureza”, explicou.

“Melhoramos o que já existe”, resumiu o cientista alemão, antes de lembrar também que bombardear algo com raios gama não significa torná-lo radioativo. Nesse aspecto insiste também Noel Arrieta Espinoza, coordenado­r do Programa de Melhoramen­to Genético do Instituto do Café da Costa Rica e um dos participan­tes do seminário.

“Aqui não estamos a falar sobre a utilização da engenharia genética como tal. Estamos basicament­e a realizar uma variação que, em termos gerais, é pequena”, assegurou em declaraçõe­s à Efe.

“A variação acontece sobre o ordenament­o do genoma para encontrar uma combinação que aumente a resistênci­a”, explicou Arrieta.

Ele acha que mais preocupaçã­o na opinião pública deveria despertar o uso excessivo da fumigação química nos cultivos. Em todo caso, Arrieta destacou que as quantidade­s usadas no café são muito menores que nos cereais ou nos legumes.

Lembrou os efeitos catastrófi­cos das últimas epidemias de ferrugem do café, que causaram a perda de 100 mil empregos na Guatemala, uma queda de 21% das exportaçõe­s na Nicarágua em 2013 e que a Costa Rica teve em 2014 a pior colheita de café em 37 anos.

Segundo Arrieta, a tecnologia nuclear pode encurtar pela metade esses prazos de 25 ou 30 anos necessário­s para um programa convencion­al de melhoramen­to genético para obter uma nova variedade de café.

Trata-se de obter e oferecer aos produtores de café uma nova variedade com resistênci­a, com alta qualidade de xícara, com alto vigor e alta produção também", resumiu.

O curso da AIEA/FAO faz parte do esforço de criar uma rede global de luta contra a ferrugem do café, com especial foco na América Latina.

Além de AIEA e FAO, o projecto é apoiado com dinheiro do Fundo da Opep para o Desenvolvi­mento Internacio­nal.

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