Dicotomia do haver e do remediar
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
No seu livro “Desenvolver a capacidade de aprendizagem”, Jean Berbaum refere que aprender é ajustar um comportamento a uma situação. É construir uma representação através da criação de ligações entre os dados recolhidos e os dados obtidos anteriormente. Por conseguinte, por “aprendizagem significativa” entende-se um tipo de aprendizagem obtida pelo aprendente, quando o mesmo interioriza novos conhecimentos, relacionando-os com os que já possui, fruto de experiências anteriores.
Repetidamente tenho afirmado que em todos os níveis de instrução (primária, secundária e superior), um dos maiores problemas do ensino está, desde sempre, associado à ausência de uma aposta séria na formação de professores, que viabilize a aquisição de saberes e competências indispensáveis à docência. A “ausência ou insuficiência de formação pedagógica dos docentes e da formação em gestão universitária dos corpos directivos e responsáveis administrativos” é um dos onze problemas de organização, gestão e funcionamento do ensino superior em África, que seriamente contribui para a crise estrutural e conjuntural que vivemos no nosso continente. As principais razões desta crise foram, de há algum tempo a esta parte, identificadas na Reunião Regional Preparatória da Conferência Mundial sobre o Ensino Superior, realizada, em Abril de 1997, em Dakar.
A competitividade no mercado de trabalho, em países não suficientemente industrializados e em era de conhecimento, vem despertando nos jovens um maior interesse pela aquisição de uma formação superior, que lhes garanta, posteriormente, um emprego bem remunerado e uma melhor qualidade de vida. Contudo, persiste a dificuldade de recrutar docentes, que, numa visão triádica, reúnam as condições indispensáveis ao perfil profissional de um verdadeiro professor: conhecimentos teóricos e práticos intrinsecamente associados à sua área de formação; competências comunicacionais e pedagógicas adquiridas no contexto da didáctica do ensino superior; e comportamento ético-profissional adquirido a partir de um quadro axiológico de referência.
“Não há ensino de qualidade, nem reforma educativa, nem inovação pedagógica, sem uma adequada formação de professores”, afirma António Nóvoa e este é o nosso calcanhar de Aquiles. O sistema educativo está estruturado em três níveis de ensino (primário, secundário e superior) e é constituído por cinco subsistemas de formação: de educação pré-escolar; de ensino geral; de ensino técnicoprofissional, de adultos e de formação de professores. A Lei 13/01 previa apenas a formação de professores para “a educação pré-escolar e para o ensino geral, nomeadamente a educação regular, a educação de adultos e a educação especial.” Pese a transversalidade e relevância da formação de professores o que justificou a sua constituição em subsistema, há que se reconhecer que, de facto, há uma gritante ausência de instituições de formação de professores no país.
A nova Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino, recentemente promulgada, já prevê a formação de docentes para os diferentes níveis de ensino (primário, secundário e superior). Numa primeira fase, uma maior oferta da formação deverá recair ainda no nível primário e no secundário, já que o seu 1º ciclo (de 6ª à 9ª classes) passará a ser obrigatório e consequentemente gratuito. Só, mais tarde, “o processo irá evoluir para a formação específica do ensino superior”. Assim sendo, do primário ao terciário, irá continuar a haver falta de instituições de formação de professores e consequentemente de docentes com a adequada formação profissional necessária à melhoria significativa das aprendizagens em todos os níveis.
No contexto da actual “Estratégia Nacional de Formação de Quadros”, para que o resultado de uma aprendizagem significativa possa dar frutos, torna-se imprescindível: (i) que os conteúdos programáticos dos diferentes cursos sejam seleccionados de acordo com as necessidades do mercado de trabalho; (ii) que as metodologias e os meios de ensino sejam organizados em consonância com os objectivos gerais e específicos de cada curso; (iii) que os professores estejam profissionalmente capacitados para, no que concerne aos conhecimentos, competências e comportamento ético-profissional, estejam habilitados a dar respostas adequadas às necessidades formativas dos seus estudantes.
Se a nível do ensino superior (como também a outros níveis de formação), insistirmos em não distinguir a promiscuidade hoje existente entre o profissional do ensino e aquele que remedeia as dificuldades do sistema educativo, dando aulas sem a necessária formação profissional-pedagógica, continuaremos a: (i) desvalorizar a relevância do subsistema de Formação de Professores no contexto do próprio Sistema Educativo; (ii) subestimar o papel das instituições de formação docente, como instituições formadoras de agentes de uma aprendizagem significativa para o desenvolvimento; (iii) ignorar a necessidade da sociedade angolana passar a exigir um perfil adequado para a formação de professores, que esteja de acordo com o perfil universalmente julgado necessário; (iv) contribuir para o descrédito da profissão docente, onde o espírito de funcionalismo se sobrepõe ao da formação de uma classe de profissionais com alguma autonomia; (v) dificultar a criação de um estatuto do professor, que venha a dignificar a carreira docente; (vi) comprometer, logo à partida, a eficácia da reformulação de qualquer sistema educativo, que venha a ser implementado em Angola.
Mauro Laeng certifica que se deve evitar a opinião equívoca de que qualquer indivíduo pode ser professor, desde que saiba o que vai ensinar, ignorando por completo aspectos próprios da profissão magistral, que só uma cultura adequada (nas ciências humanas, principalmente psicológicas e sociais, e na pedagogia e didáctica) e um estágio apropriado podem, geralmente, desenvolver.
Tal como o kimbanda, que até pode curar muitas doenças através do seu conhecimento empírico, mas por mais que resolva ou minimize os problemas de saúde de muitas pessoas, não se transforma automaticamente num médico, a não ser que frequente uma instituição vocacionada para o efeito; em Educação temos também de chamar as coisas pelos seus nomes. O facto de haver pessoas que dão aulas em instituições de ensino, sem a necessária formação profissional, não as transforma automaticamente em “professores”. Apenas dão aulas pela escassez de profissionais da docência, sendo, por conseguinte, os kimbandas da Educação, que independentemente do esforço, por vezes meritório de muitos, ao mantermos esse princípio acabamos por não concorrer para a desejada qualidade de ensino.
O que é, de facto, existe. O que não é, não existe e apenas se pode remediar. Diz o provérbio umbundu inserido no livro “Da criação popular angolana” de Gonzaga Lambo o seguinte: “Tchikete wavunda, tchindimba okuata v’ondalu”, cuja tradução em português é: “Sucata enferrujada, o incauto pega no fogo”. Este provérbio inserido na filosofia popular corresponde, em português, à máxima “as aparências iludem.