Com ou sem visto de turismo
Cada vez mais o país se enche de estrangeiros para ficarem por aqui. Uma parte entra com o chamado visto de turismo que se destina a permitir a entrada em território nacional, de cidadão estrangeiro em visita de carácter recreativo, desportivo e cultural. Na “carimbadela” aposta nos passaportes, proíbese o portador do visto de desenvolver aqui trabalho, actividade económica. Mas isto são tretas porque uma boa parte dos “turistas” estão a trabalhar aqui nas calmas com uma escondidela ou outra. Os vistos são emitidos nos consulados angolanos que sabem desta realidade, tanto mais que os “turistas,” vão e voltam a renovar o visto. Um pormenor estatístico. Já li falar dos turistas que nos visitam. Pergunta se estes contam. Se contam somos um país com um óptimo índice de turismo! O que é um embuste. Outra questão, chocante, é ouvir portugueses dizerem quanto custa um visto. Claro que muitos destes “turistas vêm ocupar postos de trabalho que os nacionais podem desempenhar como carpinteiros, mecânicos, contabilistas, etc. Outros são gerentes. Nós entramos numa loja de materiais de construção, tem um português a controlar o andamento das vendas e o dinheiro. Parece o dono. Nada. O dono é um libanês.
Mas, mais pela fronteira norte, entra-se sem visto ou “pagando” a entrada pela fragilidade da polícia de fronteiras, fenómeno comum a países com fronteiras extensas, veja-se o problema do Brasil e a fronteira com a Venezuela.
Uma observação atenta constata existir uma divisão natural do trabalho. Assim, “turistas” mais ricos obtiveram visto de residente, investiram aqui. Padarias são com os libaneses. Fotocópias, fotografias com direito a gravata, para documentos, é com vietnamitas. Muitos destes estúdios tem um angolano por detrás e ninguém sabe quem autorizou a construção de pequenas casotas em plena cidade, quase todas iguais em tamanho e contra-arquitectura. Paradoxal: empurra-se a nossa gente para novas habitações fora da cidade e por razões urbanísticas e “há” espaço para estes pequenos monstros de contraste com os arranha-céus. Como? Porquê? E Luanda encheu-se disto como marimbondos.
Unhas, manicuras e pédicures são com senhoras vietnamitas que, por vezes, se instalam em “território” de um angolano na figura de senhorio com regras árabes (um adiantamento no valor correspondente a seis meses, por exemplo). São pequenas salas ou quartos com prateleira repletas de vernizes e produtos similares. Os vidros das portas, sempre fechadas, estão tapados por papéis impressos com a palavra unhas e desenhos sobre os serviços à disposição. Interessante é que se o leitor tiver paciência vai constatar que estes papéis são todos iguais. Unhas e desenhos apelativos. Todo o material vem do Vietnam e alguns destes estúdios também comercializam cabelo indiano. Deve haver uma organização subjacente. O funcionamento: há uma ou mais vendedoras angolanas, vizinhas sentadas cá fora em negócio de petiscos. Se por acaso, como eu fiz, bater à porta, a cidadã angolana diz em voz alta “não está.” Tem uma porta de retirada que dá para as traseiras e casas das angolanas amigas que dão abrigo…e a cidadã vietnamita pira-se.
Mas vão começando a aparecer espaços de localização e morada definida mas à margem de qualquer organização urbanística. Há até um bairro cujos habitantes são adeptos do mesmo clube. Outra novidade que trouxeram foi a dos grandes armazéns nos arredores da cidade.
Sou adepto da abertura do país à recepção de estrangeiros competentes que venham trabalhar aqui. Mas é preciso que o fenómeno não passe à margem da legalidade.
Outro espectáculo é o de “turistas” chineses, andarem numa zunga de penúria, vendendo pomadas e afrodisíacos. Onde vivem, qual o seu “documento”. Estes são os pobres, há armazenistas e dizem que há outros que batem nota alta em silenciosa e discreta máfia.
No antigamente próximo, quando havia uma situação de bagunça, havia logo alguém que ralhava: “isto não é um Congo.”
Mas foram entrando, interferiram nos nossos hábitos, os nossos mercados descaracterizaram-se, vende-se sem regra, banana ao lado de óleo de travões. Também trouxeram coisas boas como a alfaiataria, excepção de Cabinda que já era adiantada na matéria com a beleza dos alfaiates e costureiras trabalhando à varanda das casas.
O não olhar este problema com seriedade é contemporizar com o deixa andar e os “turistas” chamam outros e mais outros porque em Angola está cuiá.
Entendo que se deveria reflectir sobre o visto de turista, os estrangeiros que viajam para cá na executiva, pasta diplomática na mão, carro e motorista à espera, são empresários ou turistas. E com que visto é que entram? Em Angola não há turismo pois só alguém mal informado por uma agência de turismo vem fazer turismo na 2ª cidade mais cara do mundo, a seguir a Tóquio no Japão… sem teleférico para o sonho.
A trabalheira que os angolanos têm aqui nos consulados para conseguirem um visto?
As coisas têm nome. E é preciso serem designadas pela sua substância e não por um nome não coincidente com a substância.