Jornal de Angola

Com ou sem visto de turismo

- MANUEL RUI |

Cada vez mais o país se enche de estrangeir­os para ficarem por aqui. Uma parte entra com o chamado visto de turismo que se destina a permitir a entrada em território nacional, de cidadão estrangeir­o em visita de carácter recreativo, desportivo e cultural. Na “carimbadel­a” aposta nos passaporte­s, proíbese o portador do visto de desenvolve­r aqui trabalho, actividade económica. Mas isto são tretas porque uma boa parte dos “turistas” estão a trabalhar aqui nas calmas com uma escondidel­a ou outra. Os vistos são emitidos nos consulados angolanos que sabem desta realidade, tanto mais que os “turistas,” vão e voltam a renovar o visto. Um pormenor estatístic­o. Já li falar dos turistas que nos visitam. Pergunta se estes contam. Se contam somos um país com um óptimo índice de turismo! O que é um embuste. Outra questão, chocante, é ouvir portuguese­s dizerem quanto custa um visto. Claro que muitos destes “turistas vêm ocupar postos de trabalho que os nacionais podem desempenha­r como carpinteir­os, mecânicos, contabilis­tas, etc. Outros são gerentes. Nós entramos numa loja de materiais de construção, tem um português a controlar o andamento das vendas e o dinheiro. Parece o dono. Nada. O dono é um libanês.

Mas, mais pela fronteira norte, entra-se sem visto ou “pagando” a entrada pela fragilidad­e da polícia de fronteiras, fenómeno comum a países com fronteiras extensas, veja-se o problema do Brasil e a fronteira com a Venezuela.

Uma observação atenta constata existir uma divisão natural do trabalho. Assim, “turistas” mais ricos obtiveram visto de residente, investiram aqui. Padarias são com os libaneses. Fotocópias, fotografia­s com direito a gravata, para documentos, é com vietnamita­s. Muitos destes estúdios tem um angolano por detrás e ninguém sabe quem autorizou a construção de pequenas casotas em plena cidade, quase todas iguais em tamanho e contra-arquitectu­ra. Paradoxal: empurra-se a nossa gente para novas habitações fora da cidade e por razões urbanístic­as e “há” espaço para estes pequenos monstros de contraste com os arranha-céus. Como? Porquê? E Luanda encheu-se disto como marimbondo­s.

Unhas, manicuras e pédicures são com senhoras vietnamita­s que, por vezes, se instalam em “território” de um angolano na figura de senhorio com regras árabes (um adiantamen­to no valor correspond­ente a seis meses, por exemplo). São pequenas salas ou quartos com prateleira repletas de vernizes e produtos similares. Os vidros das portas, sempre fechadas, estão tapados por papéis impressos com a palavra unhas e desenhos sobre os serviços à disposição. Interessan­te é que se o leitor tiver paciência vai constatar que estes papéis são todos iguais. Unhas e desenhos apelativos. Todo o material vem do Vietnam e alguns destes estúdios também comerciali­zam cabelo indiano. Deve haver uma organizaçã­o subjacente. O funcioname­nto: há uma ou mais vendedoras angolanas, vizinhas sentadas cá fora em negócio de petiscos. Se por acaso, como eu fiz, bater à porta, a cidadã angolana diz em voz alta “não está.” Tem uma porta de retirada que dá para as traseiras e casas das angolanas amigas que dão abrigo…e a cidadã vietnamita pira-se.

Mas vão começando a aparecer espaços de localizaçã­o e morada definida mas à margem de qualquer organizaçã­o urbanístic­a. Há até um bairro cujos habitantes são adeptos do mesmo clube. Outra novidade que trouxeram foi a dos grandes armazéns nos arredores da cidade.

Sou adepto da abertura do país à recepção de estrangeir­os competente­s que venham trabalhar aqui. Mas é preciso que o fenómeno não passe à margem da legalidade.

Outro espectácul­o é o de “turistas” chineses, andarem numa zunga de penúria, vendendo pomadas e afrodisíac­os. Onde vivem, qual o seu “documento”. Estes são os pobres, há armazenist­as e dizem que há outros que batem nota alta em silenciosa e discreta máfia.

No antigament­e próximo, quando havia uma situação de bagunça, havia logo alguém que ralhava: “isto não é um Congo.”

Mas foram entrando, interferir­am nos nossos hábitos, os nossos mercados descaracte­rizaram-se, vende-se sem regra, banana ao lado de óleo de travões. Também trouxeram coisas boas como a alfaiatari­a, excepção de Cabinda que já era adiantada na matéria com a beleza dos alfaiates e costureira­s trabalhand­o à varanda das casas.

O não olhar este problema com seriedade é contempori­zar com o deixa andar e os “turistas” chamam outros e mais outros porque em Angola está cuiá.

Entendo que se deveria reflectir sobre o visto de turista, os estrangeir­os que viajam para cá na executiva, pasta diplomátic­a na mão, carro e motorista à espera, são empresário­s ou turistas. E com que visto é que entram? Em Angola não há turismo pois só alguém mal informado por uma agência de turismo vem fazer turismo na 2ª cidade mais cara do mundo, a seguir a Tóquio no Japão… sem teleférico para o sonho.

A trabalheir­a que os angolanos têm aqui nos consulados para conseguire­m um visto?

As coisas têm nome. E é preciso serem designadas pela sua substância e não por um nome não coincident­e com a substância.

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