Dirigentes devem puxar pelos adeptos
GIRABOLA PROMOVE UNIDADE NACIONAL História dos dois clubes obriga Carlos Hendrick e Tomás Faria a conviver
“... Pode tudo acabar/posso até me cansar/se o D'Agosto ganhar/eu sinto calor fazendo frio...”, cantou Paulo Flores no disco Semba da trilogia “Excombatentes”, quando três décadas antes Dionísio Rocha compôs um tema que se tem actualizado no tempo: “...Em Angola o Petro é campeão/e lá fora vamos fazer um figurão...”
Assim foram eternizados os maiores emblemas do desporto nacional, por duas vozes que dispensam apresentação na música angolana. Canções que atestam a grandeza e importância de 1º de Agosto e Petro de Luanda na história de Angola soberana.
O desporto funcionou sempre como meio de afirmação de cidadania e unidade nacional. Militares e tricolores foram veículos que internamente puxaram pelos angolanos para uma disputa desportiva que passou a concorrer com os clássicos da antiga potência colonizadora, enquanto além-fronteiras defenderam o novo Estado nos grandes palcos do continente.
Mais do que um evento desportivo, Petro de Luanda-1º de Agosto é um acontecimento que pára o país. Quando as duas equipas se encontram, Angola senta-se no quintal e vibra com a ginga dos seus artistas da bola, que depois carregam a mesma bandeira na defesa dos Palancas Negras.
O clássico dos clássicos do futebol angolano recuperou a força dos bons tempos da Cidadela Desportiva, onde o mito da sereia abençoava as fimbas de Napoleão Brandão, as fintas estonteantes de Ndungidi Daniel, a passada de gazela de Abel Campos e o faro de golo de Jesus e Saavedra.
A história da disputa entre os colossos é marcada pelo equilíbrio, com um certo ascendente dos petrolíferos, que protagonizaram os triunfos mais expressivos (6-2 e 60), no início e no final da década de 80 do século passado. Afastados da conquista do título do Girabola há dez e sete anos, respectivamente, 1º de Agosto e Petro de Luanda têm o maior número de adeptos no país.
O peso do percurso vitorioso dos dois clubes, os grandes pilares que suportam o desporto angolano, obriga os seus dirigentes, sobretudo os presidentes de direcção, a esta- belecerem relações cordiais, não obstante as diferenças resultantes da disputa que travam pelo alcance dos objectivos desportivos ou a contratação de atletas.
Carlos Hendrick, pelo 1º de Agosto, e Tomás Faria, por parte do Petro de Luanda, não têm como escapar a essa exigência inerente às funções que desempenham na condução dos destinos das duas agremiações, cuja importância transcende os domínios dos edifícios das sedes sociais localizadas no Rio Seco, na Maianga, e no Eixo Viário, na Ingombota.
Separados pelas incursões militares às oficinas dos tricolores, numa espécie de “caça furtiva” de activos desportivos, com destaque para os casos do senegalês Ladji Keita, no futebol, e o norte-americano Emmanuel Quezada, recentemente no basquetebol, os mais badalados, sem perder de vista as andebolistas que foram reforçar o emblema rubro e negro, os dirigentes são obrigados, em nome do desporto angolano, a enterrar o “machado de guerra” e calçar as chuteiras do “fair play” e desportivismo.
A Edições Novembro, por intermédio dos seus títulos Jornal de Angola e “Jornal dos Desportos”, chama a si a mediação deste conflito pernicioso para os dois clubes e, por arrasto, a actividade desportiva no país. Na iminência de assistirmos a uma “finalíssima” entre Petro e 1º de Agosto no Girabola, Tomás Faria e Carlos Hendrick estão obrigados a defender o futebol, em conferência de imprensa.
Juntos devem lançar uma mensagem de conciliação para os adeptos dos dois clubes, ao invés dos anátemas que têm sido de forma recorrente criados sobre a vantagem dos militares na tabela classificativa do campeonato. A possibilidade de no dia 5 de Novembro o país testemunhar a decisão do título, que para os petrolíferos vai ser o 16º e para os agostinos o décimo, está a “lavar a cara” do futebol angolano, descredibilizado pelos constantes insucessos dos Palancas Negras e dos clubes nas Afrotaças.
O modelo de relações cortadas de Sport Lisboa e Benfica, Sporting e FC Porto em Portugal não se aplica à realidade de Angola, onde o desporto é na sua maioria suportado por fundos públicos e desempenha o papel de agregador social e de vector para a unidade nacional.