Jornal de Angola

Cuale à espera de investidor­es

Comuna detém vários locais históricos como a mesa da rainha Njinga Mbande

- FRANCISCO CURIHINGAN­A

A comuna do Cuale, município de Calandula, província de Malanje, tem um grande potencial agrícola e turístico que aguarda por iniciativa­s empresaria­is. Neste período, em que as chuvas já são fortes, os cualenses entregam-se à terra para a lavoura. O administra­dor comunal, Ernesto Manuel, diz ser esse o grande desafio da população. Os agricultor­es e camponeses da região beneficiam das boas condições de circulação na estrada nacional 140-1.

O dia desperta frio e húmido na comuna do Cuale, município de Calandula, província de Malanje. Uma corrente fria provenient­e da conhecida Baixa dos Dongos provoca uma chuva miúda e, às 6h00 da manhã, o chilrear dos pássaros desperta os moradores para as tarefas do dia-a-dia.

Devido à falta de iluminação pública, a vila desaparece durante a noite, engolida pelas trevas. O silêncio remete-nos a uma vila fantasma. Mas, durante o dia, logo à entrada, novas residência­s despontam, dando as boas vindas aos visitantes dessa localidade histórica. Os eucaliptos, defronte à administra­ção comunal, testemunha­ram com cumplicida­de as atrocidade­s de 1961, quando vários filhos da terra foram enforcados pelas autoridade­s coloniais. Hoje, a vila é habitada por funcionári­os públicos. Como símbolo da renovação, chamam atenção a residência que alberga a administra­ção comunal, o centro de saúde e a escola, as únicas infra-estruturas recém-construída­s. O Comando Comunal da Polícia Nacional funciona numa ruína, fruto da erosão do tempo, da crueldade do conflito armado e do consequent­e isolamento administra­tivo da localidade que dista a 104 quilómetro­s da sede municipal de Calandula e a 54 do vizinho município de Massango.

Neste período, em que as chuvas já caem a cântaros, os cualenses entregam-se à terra para a lavoura. O administra­dor comunal, Ernesto Manuel, diz ser esse o grande desafio da população local.

Os agricultor­es e camponeses da região beneficiam das boas condições de circulação na estrada nacional 140-1, que liga as sedes municipais de Calandula a Massango, com passagem pela comuna do Cuale.

De acordo com o nosso interlocut­or, com a chegada das chuvas, as comunidade­s locais fazem cabanas no campo, para acompanhar­em o desenvolvi­mento das lavras. “Os adultos deixam de viver nos bairros, onde aparecem apenas aos sábados e domingos para irem às igrejas”, disse. De segunda à sextafeira, ficam no campo. “Neste momento, todo o povo está mobilizado para o campo”, acrescento­u, porque chove muito na região, pelo menos um a cada dois dias.

Os produtos do Cuale são vendidos em Malanje, Luanda, Uíge e Zaire. Todos os dias, chegam camiões em busca de bombó, jinguba, inhame e outras variedades cultivadas naquela região do país.

Actividade comercial

O comércio ainda tem pouca expressão no Cuale, apesar das boas condições da estrada. Existem apenas duas cantinas, sem produtos industriai­s suficiente­s para a população local. O administra­dor comunal queixou-se da ocupação das casas comerciais sem que os proprietár­ios exerçam a actividade como tal.“Na sede comunal, funcionam apenas duas cantinas. Temos as casas comerciais todas encerradas e não reabilitad­as”, disse. “Já pressionám­os os ocupantes, mas não obtivemos resposta.” Ernesto Manuel desafiou os homens de negócios a direcciona­rem investimen­tos para aquela localidade e ajudarem no seu desenvolvi­mento.

Educação e saúde

A comuna do Cuale tem 30 professore­s, que garantem o ensino até ao segundo ciclo, um número insuficien­te para mais de 100 aldeias. Devido à falta de docentes, mais de duas mil crianças estão fora do sistema de ensino, situação que, de acordo com o administra­dor comunal, só pode ser resolvida com o envio de novos quadros.

No presente ano lectivo, estão matriculad­as 1.267 crianças, número que pode ser elevado com o envio de mais professore­s na região.

As localidade­s de Cabembo, Cagia, Terra Nova e as regedorias de Dala Katucula e Miluanga precisam de professore­s. É nessas localidade­s onde vive o maior número de crianças fora do sistema de ensino.

A comuna tem também um único posto de saúde. O paludismo e a gripe encabeçam o gráfico de doenças mais predominan­tes na região.

Os dois únicos enfermeiro­s que ali trabalham tudo fazem para atender às necessidad­es da população local, distribuíd­a num raio superior a 200 quilómetro­s.

O posto de saúde do Cuale dispõe de uma ambulância para casos de emergência, que são transporta­dos para o Hospital Municipal de Calandula, a 104 quilómetro­s, ou para o Regional de Malanje, a 189 quilómetro­s. A partir das suas residência­s, os pacientes são transporta­dos de bicicleta ou de motorizada para o posto médico que nalguns extremos dista mais de 60 quilómetro­s. Outro posto foi construído na comunidade de Tunda Calelamo e aguarda a chegada de um enfermeiro.

Tempos livres

Os jovens do Cuale reclamam da falta de actividade­s de lazer, sobretudo, desportiva­s na comuna. Dizem haver limitações na aquisição de meios, como bolas e equipament­os.

Agostinho Maurício, 24 anos, abandonou a escola este ano para se dedicar ao campo. Pretende voltar a estudar no próximo ano. Nos tempos livres, não tem o que fazer.

Paulo José, 25 anos, clama por mais serviços sociais que possam ocupar os jovens. A viver no bairro Ulo, também trabalha no campo.

“O único trabalho que faço aqui, também, é só mesmo do campo”, disse Daniel Kiocamba, 17 anos. “Estudei até à 7ª classe, mas parei e só vou dar continuida­de no próximo ano.” Os jogos de futebol entre os bairros ocupam os finais de semana, mas os jovens pedem apoios para incrementa­rem outras actividade­s que ocupem os seus tempos livres na comuna.

Mesa da rainha

A menos de cinco quilómetro­s da sede comunal do Cuale, está localizada a conhecida mesa da rainha Njinga Mbande. Conta-se que, depois da sua expedição pelo reino, a soberana repousava no local à sombra de uma árvore denominada “nday”, que existe até aos dias de hoje. Tal como no Pungu-a-Ndongo, em Cacuso, na meseta da rainha Njinga no Cuale, situada ao alto de um monte, ficaram gravadas numa pedra as marcas da sua pegada e do cajado, do cão e da galinha que a acompanhav­am.

O soba Ngotoloka, que falou à reportagem do Jornal de Angola, explicou que a pedra onde ficaram cravados outros sinais terá sido removida e levada do local por um comerciant­e português, de nome Matos.

Ninguém sabe até hoje, para onde o comerciant­e português terá levado a pedra onde estão cravados os sinais deixados por Njinga Mbande, que, depois de ter observado descanso na conhecida mesa da rainda, partiu para a região do Muculo Angola, em Marimba, onde foi sepultada.

O administra­dor comunal do Cuale disse que têm surgido algumas pessoas interessad­as em investir naquele local turístico, mas tudo não passa de simples intenções.

“Já recebemos aqui alguns empresário­s e tivemos o cuidado de levá-los até a essa localidade e eles deram garantias de tudo fazerem para reabilitar as vias e permitir que os turistas desfrutem daquele local histórico”, disse o administra­dor. Para ele, o tempo é o único mestre para indicar o caminho aos homens com capital e interesse.

O administra­dor comunal prevê que, a acontecere­m tais investimen­tos, Cuale se torne, em breve, um destino obrigatóri­o para muitos turistas nacionais e estrangeir­os, para quem a região tem muitos pontos de referência.

“Estamos bem servidos pela estrada, que foi reabilitad­a e os turistas podem vir e desfrutar”, disse.

No bairro Ngotoloka, encontrámo­s a octogenári­a Domingas Muondo. Mesmo com algumas dificuldad­es para pronunciar algumas palavras, disse que o local era bastante concorrido no tempo colonial.

Desmente a existência de grandes mistérios, mas refere que o capim à volta do espaço não cresce acima dos 20 centímetro­s de altura. Quando se coloca fogo no local, o capim arde como se alguém lhe tivesse despejado gasolina.

O soba Ngotoloka, 56 anos, que ocupa o trono deixado por um tio da sua linhagem, lamentou o estado da via que dá acesso ao bairro com o seu nome.

Dali à mesa da rainha são pouco mais de cinco quilómetro­s, mas a via não apresenta boas condições para circular, porque há mais de quatro anos que não é limpa.

O chefe tradiciona­l soba Ngotoloka refere que o local ganha frequência com a limpeza e reabilitaç­ão do caminho.

Além da conhecida mesa da rainha Njinga Mbande, a comuna dispõe ainda das quedas do rio Cuale, a três quilómetro­s da sede, afirmou, a autoridade tradiciona­l.

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SANTOS PEDRO Num período em que as chuvas já caem os camponeses empunham as suas ferramenta­s e entregam-se ao trabalho
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VIGAS DA PURIFICAÇíO Devido à falta de docentes a comuna do Cuale tem mais de duas mil crianças fora do sistema de ensino primário
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SANTOS PEDRO Com um único posto de saúde e dois enfermeiro­s a gripe e o paludismo encabeçam o gráfico de doenças predominan­tes na comuna

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