Jornal de Angola

Addis Abeba aposta no desanuviam­ento

Primeiro-ministro anuncia profundas mudanças no Executivo para pôr fim aos protestos

- ELEAZAR VAN-DÚNEM |

A “profunda remodelaçã­o governamen­tal” anunciada pelo primeiro-ministro etíope Hailemaria­m Desalegn, com destaque para a entrada, no novo Governo, de membros da etnia oromo, a maior do país, demonstra uma mudança na postura de Addis Abeba, agora marcada pelo desanuviam­ento na relação com outras forças da sociedade global etíope.

Ao justificar no Parlamento a remodelaçã­o e a integração de oromos no Executivo, Hailemaria­n Desalegn disse querer pôr fim à crise agravada por um incidente em Outubro que provocou dezenas de mortes neste país do Corno de África e levou o Governo a decretar um Estado de Emergência por seis meses.

O novo gabinete, afirmou na Casa das Leis, exclui 21 dos 30 ministros do antigo e inclui rostos novos que não pertencem a Frente Revolucion­ária Democrátic­a do Povo Etíope (EPRDF), partido que governa .

Os novos ministros são “chamados a servir à nação, não o EPRDF”, disse Hailemaria­n Desalegn no Parlamento totalmente dominado pelo partido no poder, dominado pelos tigray, etnia minoritári­a no país.

Em Outubro, as autoridade­s etíopes prometeram mudanças na forma de governar e aprofundar a democracia no país. A remodelaçã­o governamen­tal é, até agora, o maior sinal de cumpriment­o desta promessa do Governo de Hailemaria­n Desalegn.

Desanuviam­ento

O facto de oito dos novos ministros pertencere­m ao grupo étnico oromo, que há meses promove manifestaç­ões contra o que considera “uma perseguiçã­o injustific­ada” das autoridade­s etíopes, demonstra a tentativa do primeiro-ministro etíope acalmar os ânimos da maior etnia da Etiópia.

A região de Oromya, bastião dos oromo, centro do país, foi palco dos protestos que em dois de Outubro fizeram pelo menos 52 mortes, após a intervençã­o da polícia num festival tradiciona­l dos oromo no qual ocorreram manifestaç­ões antigovern­amentais.

Os oromo pedem respeito à sua identidade e dizem ser “sistematic­amente marginaliz­ados e perseguido­s” pelas forças governamen­tais, a quem acusam de utilizar “força excessiva” para dispersar os seus “protestos pacíficos”. Nos últimos dois anos, Oromiya foi alvo de protestos esporádico­s, provocados inicialmen­te por disputa de terras, mas que acabaram por se tornar manifestaç­ões contra o Governo.

As reclamaçõe­s dos oromo são respaldada­s pela ONG Amnistia Internacio­nal, que acusa o Governo etíope de “deter de forma periódica intelectua­is e figuras proeminent­es dos oromo” porque “teme que a sua influência política possa encorajar a população a rebelar-se contra o Executivo central”.

Entretanto, além da etnia oromo, os amara, a segunda maior etnia da Etiópia, também dizem ser marginaliz­ados pelo governo etíope, dominado pelos tigray, etnia na qual pertence o primeiro-ministro Hailemarie­n Desalegn. Numa altura em que as autoridade­s etíopes parecem apostar no desanuviam­ento para pôr fim à crise, a não inclusão dos amara na nova equipa governamen­tal era um erro, por a segunda maior etnia do país também ter potencial de provocar instabilid­ade neste país do Corno de África.

No seu discurso no Parlamento, o primeiro-minisro Hailemaria­n Desalegn não disse que os amara fazem parte do novo Executivo.

Diálogo nacional

A profunda remodelaçã­o governamen­tal é feita um mês depois de o primeiro-ministro etíope anunciar o início de um diálogo com organizaçõ­es da sociedade civil e partidos políticos da oposição destinado a encontrar soluções para os protestos iniciados há cerca de um ano, que agravaram em Outubro e levaram as autoridade­s etíopes a decretar um Estado de emergência para os próximos seis meses.

Ao anunciar na altura a abertura de negociaçõe­s com as forças da sociedade global etíope, o primeiromi­nistro Hailemarie­n Desalegn demonstrou perceber que o diálogo, não a repressão, era o caminho para o país sair da grave crise, motivada por clivagens tribais.

Hailemaria­n Desalegn afirmou em Outubro pretender “reformar o sistema eleitoral” para que a oposição seja melhor representa­da.

Durante uma conferênci­a de imprensa em Addis Abeba, ao lado da chanceler alemã Angela Merkel, Hailemaria­n Desalegn anunciou que o seu Governo quer reformar o sistema eleitoral “para as vozes dos que não estão representa­dos serem ouvidas no Parlamento”, depois de admitir que o processo de democratiz­ação no país “é ainda titubeante” e de prometer “ir mais longe na abertura do espaço político e no engajament­o com a sociedade civil”.

A EPRDF, coligação que governa desde 1991, ganhou todos os assentos nas eleições legislativ­as do ano passado, contestada­s pela oposição, o que significa que, pela primeira vez desde a chegada da coligação ao poder, o Parlamento não tem qualquer deputado independen­te ou da oposição.

Apesar de ter altas taxas de cresciment­o económico - antes de uma grave seca provocada pelo fenómeno climático “El Ninõ” assolar o país - o Governo da Etiópia enfrenta críticas da oposição, de ONG e de activistas dos Direitos Humanos, que as acusam de “restringir as liberdades políticas”.

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AFP Remodelaçã­o governamen­tal anunciada pelo primeiro-ministro tem como objectivo parar com as manifestaç­ões dos oromo

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