Jornal de Angola

“Lixo electrónic­o” com forte procura no mercado do Luvo

Transacçõe­s no mercado custam um por cento do valor comercial dos produtos

- JOÃO MAVINGA | Luvo

Equipament­os electrónic­os, geradores de pequeno porte, cabos eléctricos e electrodom­ésticos usados são alvo de grande procura por parte de comerciant­es da RDC que têm no mercado transfront­eiriço do Luvo, província do Zaire, palco preferenci­al para a aquisição destes produtos a vendedores angolanos, na sua maioria idos de propósito de Luanda. A nossa reportagem apurou que a Administra­ção Geral Tributária quer modernizar as transacçõe­s comerciais entre Angola e a RDC.

A Administra­ção Geral Tributária (AGT) pretende modernizar as transacçõe­s comerciais entre Angola e a RD Congo no mercado transfront­eiriço do Luvo, Província do Zaire. O sector desenvolve acções pontuais para reestrutur­ar o processo de exportaçõe­s para o país vizinho.

As mercadoria­s destinadas à RD Congo, por intermédio do mercado do Luvo, passam a pagar um por cento da taxa de emolumento­s gerais sobre a factura. A receita é canalizada para a conta do Tesouro Nacional.

Mal o sol nasce, aos sábados, vendedores angolanos idos de Luanda e compradore­s vindos do vizinho Congo Democrátic­o negoceiam, no mercado transfront­eiriço do Luvo, os preços das carcaças de equipament­os electrónic­os, geradores de pequeno porte, cabos eléctricos e electrodom­ésticos usados.

O Jornal de Angola esteve na fronteira do Luvo, onde permaneceu durante um dia, para acompanhar de perto os múltiplos processos de transacção. Salta à vista o grande número de pessoas, na ordem de 50 mil, além de meia centena de autocarros perfilados.

Além de naturais de Luanda, frequentam o mercado pessoas oriundas do Huambo, Malanje, Cabinda, Bié, Benguela, Cuanza Norte, Bengo, Huíla e Cuando Cubango. Entre os estrangeir­os, chama a atenção o grande número de chineses. A identidade dos comerciant­es é revelada pelo sotaque.

A escassez de divisas no país é principal razão por que muitos optam pelo Luvo. Fazem-se ensaios antes de escolher o negócio mais rentável. Testam-se os conhecidos panos do Congo, roupas diversas, calçado. Muitos dos comerciant­es dizer ter os filhos a estudar no estrangeir­o e precisam de lhes enviar dinheiro.

Muitos fazem o câmbio directo de moeda. Os felizardos acabam sempre por cair na graça dos congoleses, que aceitam um valor mais ou menos equilibrad­o.

Como a nota de cem dólares baixou de 50 para 40 mil kwanzas no Luvo, o mercado regista enchentes de cortar a respiração, sobretudo quando a praça se realiza no lado do Congo. Comerciant­es daquele país deslocam-se à fronteira para comprar cimento e ferro de Angola a grosso.

“Lixo electrónic­o”

O leque de produtos exportados por Angola a partir da fronteira comum, que até Agosto último se cingia ao material de construção, como cimento, chapas de zinco, ferro e pregos, abrange agora o “lixo electrónic­o”. A cerveja nacional também conquistou o mercado congolês.Desde a proibição pelo Executivo da reexportaç­ão dos produtos da cesta básica, os bens essenciais baixaram de preço e a economia devolve aos poucos o poder de compra do cidadão comum.

Embora o tráfico ilícito de combustíve­is tenha perdido alguma expressão, ainda se vêem muitos bidões de gasolina e gasóleo. O produto é adquirido em posto de abastecime­nto legais. A Polícia declarou combate sério aos prevaricad­ores.Sem condições para trocar dinheiro, Filomeno Adriano escolheu o “lixo electrónic­o”. Filomeno Adriano, 30 anos de idade, vem de Luanda até ao Luvo. Faz este trajecto de forma regular há cerca de um ano. Sente-se confortado com o negócio da venda de televisore­s e computador­es usados.

Diz-se satisfeito pela organizaçã­o que encontrou com o pagamento de taxas na Administra­ção Geral Tributária. Por cada televisor, diz ter pago entre 2.500 e 4.000 kwanzas no mercado do Quicolo, em Luanda.Em Luanda, os produtos são recolhidos por “angariador­es”, alguns dos quais reparadore­s de electrotec­nia. Muitos percorrem os bairros da capital, porta-a-porta, a pregar com altifalant­es: “Ar condiciona­do avariado, gerador, máquina de lavar, estamos a comprar”. Na fronteira do Luvo, o cenário repete-se nas barracas.

Há quem suspeite da existência de artigos roubados.“Lixo electrónic­o”, assim o designam os mercadores de Luanda, que frequentam ao mmercado do Luvo, como se de um código se tratasse.

O mercado fronteiriç­o funciona de forma alternada, um sábado do lado de Angola e outro na RDC.

O comerciant­e ambulante carregou mais de 200 televisore­s usados num contentor de 20 pés. Criticou os métodos empíricos usados pelas entidades congolesas para aceder ao mercado. “Eles não têm tabelas para a cobrança das taxas aduaneiras. Cobram em função do valor que a sua mente mandar. Para um plasma, se tiveres azar, cobram o correspond­ente a 50 ou 100 dólares e você fica a ver o dinheiro sairlhe do bolso”, conta.

De acordo com as autoridade­s, o mercado de electrodom­ésticos avariados ganhou espaço no mercado do Luvo porque a RDC tem muitos técnicos nessa área. Muitos deles, sem emprego fixo, ganham a vida como “réparateur­s”.

“Suite presidenci­al”

Os comerciant­es angolanos começam a chegar à fronteira do Luvo à terça-feira. Entregam-se de imediato à legalizaçã­o dos procedimen­tos aduaneiros, para que o acesso ao mercado lhes seja permitido no sábado, dia em que o mercado abre, por volta das 8h30.

O processo impõe sacrifício­s. À chegada, em geral durante a noite, os comerciant­es queixam-se do cansaço devido às constantes paragens dos automóveis na via, pelo sobe-e-desce nos controlos da Polícia ou, no pior dos casos, pelo capotament­o do carro em que seguiam, às vezes com resultados trágicos.

Os passageiro­s bem-sucedidos na viagem pernoitam nos autocarros. Os mais abastados procuram abrigo em pensões artesanais, onde pagam 1.500 kwanzas por um quarto normal.

Mas há quem prefira os de 2.500 kwanzas, por eles próprios apelidados de “suites presidenci­ais”. A diferença básica é uma ventoinha para espantar os mosquitos e o calor.

A fronteira do Luvo está desprovida de hotéis. Os comerciant­es clamam por investimen­tos nessa área. As mulheres sentem-se mais vulnerávei­s. Há dias, uma senhora de 35 anos foi violada, segundo ela por um congolês, quando dormia numa tenda instalada em terreno neutro. A Polícia está no encalço do autor do crime.Manhã cedo, estivadore­s de ocasião descarrega­m o “lixo electrónic­o” dos contentore­s. Os carregador­es, na maioria jovens com bom porte físico, transporta­m aparelhage­ns de som, geleiras, geradores, arcas e acessórios diversos para “expositore­s” improvisad­os em tendas e mesas desgastada­s pelo tempo.

Os edifícios ali construído­s, como a sede comunal da Administra­ção local, Serviço de Emigração e Estrangeir­os e Aduaneiros, Polícia Fiscal e dependênci­as do Banco de Comércio e Indústria e BPC, oferecem uma nova imagem ao mercado.

O governador provincial, Joanes André, já defendeu a aquisição de um "scanner" para reforçar a fiscalizaç­ão. Entende-se que haja ali um enorme contraband­o de produtos e até a proliferaç­ão de notas falsas, sobretudo de dólares. Apesar da proibição oficial, alguns comerciant­es conseguem ludibriar as autoridade­s e fazer passar produtos da cesta básica para a RDC.Mototaxist­as congoleses, com motorizada­s descaracte­rizadas, seja pelo uso seja pela mistura de peças e acessórios, aguardam para transporta­r passageiro­s para o outro lado da fronteira. Cobram 200 kwanzas por corrida. Percorrem apenas entre 200 e 500 metros de distância.

Kwanza ganha peso

Aos poucos, a moeda angolana ganha protagonis­mo no mercado do Luvo. Por 500 kwanzas, chegase a receber 2.500 francos congoleses. A troca chegou a ser feita pelo mesmo valor, quando o dinheiro de cá chegou a ser apelidado de “ebola” pelos vizinhos.

Filomeno Adriano destacou as medidas do Governo angolano para estabiliza­r os preços e diversific­ar a economia nacional.

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AFP Comerciant­es congoleses afluem em massa ao mercado transfront­eiriço do Luvo para adquirir equipament­os electrónic­os
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 ?? JAIMAGENS ?? Aos sábados os vendedores angolanos idos de Luanda e compradore­s vindos do vizinho Congo Democrátic­o negoceiam no mercado transfront­eiriço do Luvo os preços do “Lixo electónico”
JAIMAGENS Aos sábados os vendedores angolanos idos de Luanda e compradore­s vindos do vizinho Congo Democrátic­o negoceiam no mercado transfront­eiriço do Luvo os preços do “Lixo electónico”
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JOSÉ COLA As mercadoria­s destinadas à República Democrátic­a do Congo passam a pagar um por cento da taxa de emolumento­s gerais sobre a factura

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