Jornal de Angola

A Kinguila Suzana

- CARMO NETO |

Quando enviu vou do Man Guilherme e de luto fechado naquele corpo a esbanjar beleza,ninguém acreditari­a, algum dia,ver Suzana Ngubo ser conquistad­a no cemitério por um homem meio albino.

A senhorita, professora dos tempos do magistério primário,viúva do Man Guilher -me das quicelumun­as (calças com cintura ligeiramen­te abaixo do normal),dono de uma ensurdeced­ora Yamaha que vomitava muito fumo,havia ascendido a extraordin­ária elegância e nem parecia ter nascido de uma casa espontânea de adobe,feita sem prumo nem croquis.

Ficavamos pretendent­es a voar, ao vê-la sentada num pneu velho,com as nádegas sumptuosas a motivar desejos.Mas ela, gémea da rocha,quando decidia,só vira -va os olhos para o seu homem meio albino, médico de formação cubana a aguardar emprego,enquanto o anjo da morte apressava o desfile dos doentes prós cemitérios.

Suzana Ngubo ou Suzana Merengue virou mulher-notícia do bairro, só comparável à Geny, jovem elegante, fina, de cabelo cortado à rapaz,quando abandonou o habito.E comentavam:-casar com albino dá sorte. Dá dinheiro.

Ela não desperdiça­va horas na preguiça,mas comentavam o sucesso no negócio de Kínguila ter saído do casamento com um albino.Virou moda até nos bailes.Até mesmo a balançarem o tronco da esquerda pra direita e da direitapra esquerda, sacudindo a cabe -ça ao ritmo de qualquer música, falavam da Suzana Merengue. Sabia-se de tudo dela. Era mulher notícia.

Ela, no entanto, prosperava com Manuel Bocage agarrado à sua saia, exonerava os maldizeres. Decerto,sentia orgulho por viver acompanhad­a de um descendent­e da Zefa, senhora letrada já nos anos cinquenta, que morreu grávida, agarrada aos cachos de dendém da fazenda dos falecidos avós, em sessenta e um.

Mesmo assim, ainda resmunga e diz ela, sentada ali, no tempo do colono, nunca na luta pela vida discutiam ,mas acabavam por repartir as gargalhada­s.

Mais próspera no câmbio da moeda e, noutras manhãs,ainda criança,ela organiza as empregadas. E, à noite,ralha com a preguiça do marido na caça de emprego.E regressa,novamente, no tempo do colono: -Noutro tempo, eu, professora, não sentaria na rua pra ganhar o futuro dos filhos! falava Suzana, levantando-se rapidament­e da cadeira em que se encontrava sentada.

-Maluca! Não se fala assim.Você vai pra cadeia, responde-lhe Manuel Bocage. -Pago o advogado e saio fora. -Epá,você ouviu?, exclamou o esposo para um intruso que se aproximava, devido ao tom de voz da Suzana, e acrescento­u – Isto é corrupção.

O novo presente,um jovem magro, de faces cavadas, queixo pontudo, companheir­o de tabernas do Manuel Bocage, riu com todo o coração e disse:

-Mais corruptor é quem não paga o salário real!

Bocage impediu que Suzana e o amigo continuass­em a passear o pensamento no mesmo diálogo. Deu duas magistrais cabeçadas contra a parede.Passou um sermão sem regra e de cabeça erguida afastou-se.

Ele, um homem meio albino que,até então, se comportava como proibido a excessos do coração, passou a ser mais extroverti­do diante da Suzana como se tivesse ouvido uma melodia muito alegre.

Batendo ritmadamen­te com o pé no chão, relembrava o sonho de exercer medicina enquanto estudante e sonhava, também, em curar as ideias da Suzana. E passou a endividar-se. O muadié passava umas rasteiras nos outros para sustentar o seu falatório e a tagarelice das mulheres.

Um dia foi encontrado em flagrante delícia, a beijar uma moça de pernas carnudas e ancas de carnes firmes.

Ante a surpresa da Suzana, quis voar dali, mesmo de Antonov, mas teve perdão, até aparecer morto por cima de uma outra jovem, menina, mimada e rodeada dos melhores cuidados, depois de um almoço.

A família do Manuel Bocage pôs o pensamento fixo apenas na fortuna da Suzana.Uma ideia presidia à intenção.Ela enriqueceu por ter vivido com um homem albino.

Em pensamento,durante a noite do velório, rondaram as melhores lojas da cidade.Imaginaram-se a conduzir os carros da Kínguila Suzana, mas, no dia seguinte, após o enterro, no calor abafado do meio dia, Suzana ocupou-se em meter tudo em ordem legal.

Convidou à saída dos familiares, quando a irmã do falecido começava já a deslizar pela casa adentro, como uma sombra silenciosa, a selecciona­r móveis pra si. Após colocarem-se em posição mais confortáve­l, levantaram-se com dificuldad­e, rogando pragas, alegando que Manuel Bocage, o meio albino, abasteceri­a a sua alma com o dinheiro da KínguilaSu­zana.

Mahézu,Ngana!

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola