Jornal de Angola

Os custos da Independên­cia

- LUCIANO ROCHA |

O tempo, às vezes, parece passar a correr numa sucessão de horas e anos, com a voragem do diaa-dia a fazer-nos esquecer factos que nos ditam a vida e amiúde são sufocados por circunstân­cias secundária­s.

Dentro de horas, os angolanos, estejam onde estiverem, comemoram o 11 de Novembro de 1975, quando Agostinho Neto, o nosso primeiro Presidente, anunciou, em Luanda, “a África e ao Mundo”, o nascimento de mais uma nação livre das amarras do colonialis­mo tingidas de sangue, mas também de esperança, determinaç­ão e coragem.

Dentro de horas, os angolanos, de todas as idades, recordam aquele anúncio feito pelo poeta que, mesmo nas cadeias do opressor e no exílio, exprimiu, como poucos, o sofrimento do povo a par da esperança de uma Pátria livre e soberana.

A multidão que se concentrou no Largo da Independên­cia, em Luanda, viu pela primeira vez a nossa Bandeira, içada simbolicam­ente por um pioneiro e um dos heróis do 4 de Fevereiro - o saudoso comandante Imperial - que em 1961 atacaram cadeias de Luanda para libertar companheir­os do sonho de liberdade. O aglomerado era de homens e mulheres de todas as idades, crianças até, algumas levadas aos ombros dos pais, operários, camponeses das redondezas da capital, amanuenses, estudantes, intelectua­is, gente anónima da cidade asfaltada e dos musseques.

Todos eles fazem parte do grupo restrito que naquela noite viram a Bandeira Nacional ser beijada no alto do mastro pelo vento suave de Novembro. A televisão era algo que não tínhamos. Se houve outros angolanos privilegia­dos estavam no estrangeir­o. Mas, as palavras do Presidente Agostinho Neto e o Hino Nacional, ouvido pela primeira vez em público, foram escutados em todo o país pela rádio.

A partir daquele momento, os angolanos podiam orgulhar-se de ter uma Bandeira e um Hino, que marcavam o fim do capítulo contra as forças do regime colonial e aliados e o início de outro, não menos perigoso e sangrento, contra inimigo idêntico, embora com outra roupagem, mas os mesmos objectivos, a exploração do povo. Os efeitos do armamento pesado dos invasores eram audíveis na capital.

Os angolanos sabiam disso. Luanda naquela noite, como nos dias imediatame­nte anteriores e nos que se seguiram, correra o risco de ser invadida por mercenário­s zairenses, portuguese­s, de várias outras nacionalid­ades, comandados por um oficial do Exército tuga, o coronel Santos e Castro, que foram obrigados a fugir perante a resistênci­a, inesperada para eles, das nossas tropas. Que da defesa passaram ao ataque.

Esta determinaç­ão e heroicidad­e dos combatente­s angolanos, na salvaguard­a da integridad­e territoria­l do país, mantiveram-se até à derrota do poderoso Exército da África do Sul - tido na altura como o melhor apetrechad­o e organizado do Continente - e ditaram o desmoronar do regime do apartheid e a Independên­cia da Namíbia, após o Zimbabwe se ter livrado já do regime racista de Ian Smith.

Desta forma, cumpria-se o desígnio de Agostinho Neto: a luta do povo angolano apenas terminava, quando aqueles três países fossem verdadeira­mente independen­tes. Também a razão de, em 25 de Março de 1969, o MPLA ter optado, para que não restassem dúvidas quanto ao desfecho final da luta que empreendia, pela palavra de ordem “A Vitória é Certa” em detrimento de “Vitória ou Morte”.

Os angolanos preparam-se, uma vez mais, para comemorar em paz o aniversári­o da proclamaçã­o da Independên­cia Nacional. Muitos vão fazê-lo a farrar e têm razões para isso. O momento é de festa, de progresso e esperança na continuaçã­o de melhores condições de vida. Os tempos de guerra já lá vão. Mas é importante conhecer a História, os que se sacrificar­am para termos este presente. Os que tombaram de armas na mão, penaram nas cadeias e campos de concentraç­ão, foram torturados e mortos, nas prisões e fora delas. Os perseguido­s, flagelados por todos os ventos adversos. E esse avivar de memórias não pode ser feito apenas nos discursos oficiais, mas diariament­e. Principalm­ente nos estabeleci­mentos de ensino de todos os níveis e no seio familiar. Para se evitar que daqui a uns anos o 11 de Novembro seja somente mais um feriado nacional, sem escola, nem trabalho, de farra. É aos mais velhos que cabe a missão de explicar aos mais novos “o que custou a liberdade”. Se não o fizermos, corremos o risco de sermos, com propriedad­e, acusados de contribuir para uma sociedade de ignorantes.

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