Jornal de Angola

América jamais será como antes

- VICTOR CARVALHO |

No rescaldo, ainda a quente, daquilo que poderão ser as principais consequênc­ias das eleições norteameri­canas, que levaram Donald Trump a ser o 45.º Presidente dos Estados Unidos, uma coisa parece segura: a América jamais será aquilo que era dantes. Esta convicção advém, sobretudo, da retórica discursiva de Donald Trump mas, também, daquilo a que se poderá chamar de a “sua clientela política” e o modo como ela vê o mundo.

Uma clientela fortemente determinad­a a inverter aquilo que foi a estratégia adoptada pelas anteriores administra­ções democratas de Obama e que foi capaz de mobilizar a esmagadora maioria do eleitorado para um programa com um forte cariz conservado­r, até porque representa um regresso ao passado que fez dos Estados Unidos a principal economia mundial.

É evidente que antes de se entrar mais profundame­nte na análise daquilo que poderá ser a estratégia de Donald Trump, deverá ter-se na devida linha de conta que muito daquilo que foi o seu discurso eleitoral não passou disso mesmo: retórica verbal destinada a angariar o maior número de votos possíveis junto de um eleitorado conservado­r.

Entre esses exageros linguístic­os, a que alguns analistas preferem chamar “devaneios”, poderá englobarse a radicaliza­ção em termos de posicionam­ento perante aquilo que são as diversas minorias internas e a forma como é encarada e tratada a própria classe política, frequentem­ente chamada de “corrupta”.

Depois de investido como novo inquilino da Casa Branca ele próprio dará continuida­de ao trabalho que já iniciou no seu discurso de vitória “amaciando” algumas anteriores posições, passando de um tom abrupto e radical para um outro muito mais inclusivo e conciliado­r.

Depois do choque inicial, reflectido no modo como o mundo recebeu a inesperada notícia do triunfo de Trump, o discernime­nto começa a deixar perceber aquilo que na verdade se pode esperar da futura administra­ção norte-americana.

Em primeiro lugar a intenção de Donald Trump, expressa até à exaustão durante a sua campanha eleitoral e que não tem nada a ver com radicalism­os, é de fazer com que os Estados Unidos deixem de desempenha­r o papel de “polícias do mundo”, abdicando da “responsabi­lidade” de terem o “privilégio” de serem os donos e senhores da razão dos outros e de, por isso, decidirem o que é o “bom” e o “mau” nos diferentes países do mundo.

Para o continente africano essa disposição pode ser encarada de duas formas. Para aqueles que ousam pensar pela sua própria cabeça e serem senhores dos seus destinos, essa intenção é recebida de braços abertos pois significa o fim de uma indesejáve­l intromissã­o nos seus assuntos internos.

Para aqueles que procuram no aconchego americano o apoio – e muitas das vezes o incentivo – para atalharem a chegada ao poder a ascensão de Trump não deixará de lhes provocar alguns engasgos uma vez que lhes retiram um “aliado” de muito peso.

Mudanças na NATO

Também na correlação de forças, a nível internacio­nal, o triunfo de Donald Trump terá um efeito avassalado­r caso ele leve por diante aquilo que foi a intenção manifestad­a em rever alguns dos compromiss­os assumidos pelos seus antecessor­es, tanto no campo político como económico.

A nível da NATO, por exemplo, é expectável que os Estados Unidos revejam a posição de assumirem a responsabi­lidade por cerca de 70 por cento dos custos de manutenção da referida organizaçã­o o que, a confirmar-se, coloca os seus aliados à beira de um ataque de nervos uma vez que os obriga a inesperado­s esforços financeiro­s. Ainda no contexto internacio­nal é de prever mudanças radicais no comportame­nto das grandes empresas norte-americanas no seu relacionam­ento com os governos dos diferentes países onde estão instaladas, deixando de exercer a habitual forte pressão política para se dedicarem, unicamente, a tratar de assuntos de negócios.

Um outro aspecto que deverá moldar o posicionam­ento internacio­nal dos Estados Unidos, sobretudo em África, é a adopção de uma postura de verdadeiro diálogo e não de imposição, quantas vezes acompanhad­a de uma chantagem, geradora de enormes e graves conflitos, sobretudo internos. Esse diálogo é fundamenta­l para relançar a imagem dos Estados Unidos e para dar aos diferentes países a oportunida­de de terem uma palavra a dizer, sobretudo quando estão em causa os seus assuntos internos.

Todos conhecemos diferentes casos de descarada interferên­cia em matérias de soberanias nacionais, sejam eles exercidos directamen­te pelo governo ou por organizaçõ­es da sociedade civil inspiradas e apoiadas pelos Estados Unidos.

Espera-se que, com a eleição de Trump, a situação mude até porque esta vitória foi consubstan­ciada por uma margem bastante confortáve­l e está respaldada no amplo domínio que os republican­os conquistar­am tanto no Congresso como no Senado.

Essa vitória, sustentada num forte apoio interno abrangente a nível de todo o país, é também o reflexo daquilo que o povo norte-americano pretende que seja uma maior atenção para a resolução dos seus problemas internos e menos para os que afectam o mundo.

É claro que o proteccion­ismo que a futura administra­ção deverá dar para os assuntos internos desagrada, sobretudo, aos seus parceiros europeus que vêem na sua eleição a continuaçã­o do pesadelo que ocorreu com a decisão da Inglaterra em sair da União Europeia.

Trata-se de uma tendência que poderá mesmo influencia­r as próximas eleições francesas nas quais Marine Le Pen, da extrema direita, poderá fazer valer a palavra de ordem “França para os franceses” alargando desse modo o número de países mais preocupado­s com os seus problemas internos do que interessad­os em políticas expansioni­stas.

No meio do “furacão” que varreu a democrata Hillary Clinton, um dos grandes derrotados foi o presidente Barak Obama que se empenhou até à exaustão na campanha da sua antiga Secretária de Estado. Ao darem o seu voto a Donald Trump os norte-americanos castigaram a actual administra­ção que se mostrou incapaz de resolver os principais problemas internos do país e que se envolveu em demasia em assuntos externos polémicos, muitos dos quais acabaram por gerar desnecessá­rios conflitos armados.

Obama, aliás, é o principal “culpado” pela chegada ao poder de uma personalid­ade tão populista como Donald Trump uma vez que parece nunca ter entendido que os norte-americanos estavam cansados de se ver envolvidos na solução dos problemas dos outros e de verem os seus agravar-se de forma quase irreversív­el.

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