América jamais será como antes
No rescaldo, ainda a quente, daquilo que poderão ser as principais consequências das eleições norteamericanas, que levaram Donald Trump a ser o 45.º Presidente dos Estados Unidos, uma coisa parece segura: a América jamais será aquilo que era dantes. Esta convicção advém, sobretudo, da retórica discursiva de Donald Trump mas, também, daquilo a que se poderá chamar de a “sua clientela política” e o modo como ela vê o mundo.
Uma clientela fortemente determinada a inverter aquilo que foi a estratégia adoptada pelas anteriores administrações democratas de Obama e que foi capaz de mobilizar a esmagadora maioria do eleitorado para um programa com um forte cariz conservador, até porque representa um regresso ao passado que fez dos Estados Unidos a principal economia mundial.
É evidente que antes de se entrar mais profundamente na análise daquilo que poderá ser a estratégia de Donald Trump, deverá ter-se na devida linha de conta que muito daquilo que foi o seu discurso eleitoral não passou disso mesmo: retórica verbal destinada a angariar o maior número de votos possíveis junto de um eleitorado conservador.
Entre esses exageros linguísticos, a que alguns analistas preferem chamar “devaneios”, poderá englobarse a radicalização em termos de posicionamento perante aquilo que são as diversas minorias internas e a forma como é encarada e tratada a própria classe política, frequentemente chamada de “corrupta”.
Depois de investido como novo inquilino da Casa Branca ele próprio dará continuidade ao trabalho que já iniciou no seu discurso de vitória “amaciando” algumas anteriores posições, passando de um tom abrupto e radical para um outro muito mais inclusivo e conciliador.
Depois do choque inicial, reflectido no modo como o mundo recebeu a inesperada notícia do triunfo de Trump, o discernimento começa a deixar perceber aquilo que na verdade se pode esperar da futura administração norte-americana.
Em primeiro lugar a intenção de Donald Trump, expressa até à exaustão durante a sua campanha eleitoral e que não tem nada a ver com radicalismos, é de fazer com que os Estados Unidos deixem de desempenhar o papel de “polícias do mundo”, abdicando da “responsabilidade” de terem o “privilégio” de serem os donos e senhores da razão dos outros e de, por isso, decidirem o que é o “bom” e o “mau” nos diferentes países do mundo.
Para o continente africano essa disposição pode ser encarada de duas formas. Para aqueles que ousam pensar pela sua própria cabeça e serem senhores dos seus destinos, essa intenção é recebida de braços abertos pois significa o fim de uma indesejável intromissão nos seus assuntos internos.
Para aqueles que procuram no aconchego americano o apoio – e muitas das vezes o incentivo – para atalharem a chegada ao poder a ascensão de Trump não deixará de lhes provocar alguns engasgos uma vez que lhes retiram um “aliado” de muito peso.
Mudanças na NATO
Também na correlação de forças, a nível internacional, o triunfo de Donald Trump terá um efeito avassalador caso ele leve por diante aquilo que foi a intenção manifestada em rever alguns dos compromissos assumidos pelos seus antecessores, tanto no campo político como económico.
A nível da NATO, por exemplo, é expectável que os Estados Unidos revejam a posição de assumirem a responsabilidade por cerca de 70 por cento dos custos de manutenção da referida organização o que, a confirmar-se, coloca os seus aliados à beira de um ataque de nervos uma vez que os obriga a inesperados esforços financeiros. Ainda no contexto internacional é de prever mudanças radicais no comportamento das grandes empresas norte-americanas no seu relacionamento com os governos dos diferentes países onde estão instaladas, deixando de exercer a habitual forte pressão política para se dedicarem, unicamente, a tratar de assuntos de negócios.
Um outro aspecto que deverá moldar o posicionamento internacional dos Estados Unidos, sobretudo em África, é a adopção de uma postura de verdadeiro diálogo e não de imposição, quantas vezes acompanhada de uma chantagem, geradora de enormes e graves conflitos, sobretudo internos. Esse diálogo é fundamental para relançar a imagem dos Estados Unidos e para dar aos diferentes países a oportunidade de terem uma palavra a dizer, sobretudo quando estão em causa os seus assuntos internos.
Todos conhecemos diferentes casos de descarada interferência em matérias de soberanias nacionais, sejam eles exercidos directamente pelo governo ou por organizações da sociedade civil inspiradas e apoiadas pelos Estados Unidos.
Espera-se que, com a eleição de Trump, a situação mude até porque esta vitória foi consubstanciada por uma margem bastante confortável e está respaldada no amplo domínio que os republicanos conquistaram tanto no Congresso como no Senado.
Essa vitória, sustentada num forte apoio interno abrangente a nível de todo o país, é também o reflexo daquilo que o povo norte-americano pretende que seja uma maior atenção para a resolução dos seus problemas internos e menos para os que afectam o mundo.
É claro que o proteccionismo que a futura administração deverá dar para os assuntos internos desagrada, sobretudo, aos seus parceiros europeus que vêem na sua eleição a continuação do pesadelo que ocorreu com a decisão da Inglaterra em sair da União Europeia.
Trata-se de uma tendência que poderá mesmo influenciar as próximas eleições francesas nas quais Marine Le Pen, da extrema direita, poderá fazer valer a palavra de ordem “França para os franceses” alargando desse modo o número de países mais preocupados com os seus problemas internos do que interessados em políticas expansionistas.
No meio do “furacão” que varreu a democrata Hillary Clinton, um dos grandes derrotados foi o presidente Barak Obama que se empenhou até à exaustão na campanha da sua antiga Secretária de Estado. Ao darem o seu voto a Donald Trump os norte-americanos castigaram a actual administração que se mostrou incapaz de resolver os principais problemas internos do país e que se envolveu em demasia em assuntos externos polémicos, muitos dos quais acabaram por gerar desnecessários conflitos armados.
Obama, aliás, é o principal “culpado” pela chegada ao poder de uma personalidade tão populista como Donald Trump uma vez que parece nunca ter entendido que os norte-americanos estavam cansados de se ver envolvidos na solução dos problemas dos outros e de verem os seus agravar-se de forma quase irreversível.