Crónica de Luis Alberto Ferreira
Nos países-chave da Europa e naqueles que, pertencendo também à União, conheceram a tenaz em brasa da austeridade, o amanhecer do dia seguinte às “promessas governamentais” de Donald Trump foi agitadíssimo. Eu, na qualidade de simples cidadão, enfim, de come-e-cala, apoiei o queixo no cotovelo e dei-me à fruição do pensar, do recordar, do comparar. Pensei, por exemplo, num antigo programa de televisão brasileiro, “De Conversa em Conversa”. Aparecia por lá um sujeito proponente de alguns axiomas que pareciam ser de bairro mas não, eram da pátria e do mundo. Por exemplo: “Para existir, o Brasil tem que se defender do Brasil?”. Ou, ainda: “Você sabe qual é a maior festa que os pobres oferecem aos ricos? É o Carnaval”. Mais cogitativo, o homem advertia: “Às vezes, felicidade tem perna curta”. Lê-se, ouve-se isto e, por associação de ideias, pensa-se na Europa mediática anterior à vitória eleitoral de Donald Trump. E na Europa política ulterior ao êxito do multimilionário. As dissonâncias e os desconchavos competem, com ruído, entre si. Lembro-me de ter lido, na imprensa ibérica, este presságio tremendista de uma politóloga que rezava pela não-eleição de Trump: “A Europa não sobreviveria!”. E afinal, apesar do Brexit, tão clamoroso quanto a eleição de Trump, a Europa sobrevive, ou parece ter sobrevivido. No entanto, o Brexit é posterior, como a eleição de Donald Trump, à vaga de despautérios no interior da União Europeia. A máquina do tempo fica, agora, à disposição da “narrativa” de dois homens: Donald Trump e Yanis Varoufakis. O multimilionário e agora presidente dos Estados Unidos (Trump), poderia até justificar-se, perante Bruxelas, com o argumento da legitimação histórica que o Destino Manifesto e o Plano Marshall lhe oferecem de bandeja. A Europa, despida de autoridade moral para questionar o Destino Manifesto que manietava e insultava o resto do Continente Americano - não se afoitou em cavalarias do amorpróprio soberano porque, depois da Segunda Guerra Mundial, saiu das ruínas à custa dos dólares do Plano Marshall. Daí a existência das bases militares norte-americanas um pouco por toda a Europa. A Europa que, timonada pela sobranceria dos poderosos, chicoteou, na cara de Varoufakis, o orgulho da Grécia. Que, em Portugal, valendo-se das frágeis portas da subserviência sem vergonha, decretou a pantomina dos “gorilas” da troika, calcinou territórios sociais e transformou hospitais em necrotérios.
A mais forte das constantes observadas no comportamento dos norte-americanos em geral é o seu desconhecimento do mundo. E o concomitante desinteresse por quanto de “mau” sucede para lá das fronteiras dos Estados Unidos. No limite da nossa curiosidade cívica, perguntaríamos apenas como será a coabitação do ímpeto reformista do presidente Donald Trump com os mais moderados dos republicanos que dominam o Senado e a Câmara de Representantes. O que se reporta à política externa, sim, é do interesse da “comunidade internacional”. Não é dado adquirido que em Bruxelas e Estrasburgo alguém durma sem recorrer aos comprimidos. Da Baviera, sudeste da Alemanha, à Andaluzia, sul de Espanha, as assombrações norte-americanas são a constante. A imprensa de Madrid, como que por artes mágicas, deixou para segundo plano a ofensiva neocolonial sobre o governo da Venezuela. Páginas inteiras dos jornais acolhem, num alvoroço, desde sábado passado, opinantes da casa ou convidados de emergência. “Assim Acaba o Mundo”. “Trump planeia apoiar-se na direita populista europeia”. “Ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia reunem-se para debates sobre Donald Trump”. “O populismo mundial trava a sua batalha nos Estados Unidos”. “Trump recebeu no arranha-céus Nigel Farage, o impulsor do Brexit”. “A vitória de Trump alarma os Estados liberais e alivia os regimes autoritários!”. “Perigo!: democracia!”. “O magnate curtiu-se na cobrança a inquilinos morosos e nos platós da televisão”. “Proteccionismo do sucessor de Obama sugere a anti-globalização”. À margem desta gritaria de “la prensa” espanhola, França e Alemanha invocam “valores a respeitar” e dão a entender que o melhor mesmo é “esperar para conversar”. Tranquila e sem cuidados mostrase a britânica senhora May: “São históricos os laços que unem Reino Unido e Estados Unidos da América do Norte”. Recorrendo à lupa: a maior das preocupações europeias será o anel de brilhantes da convergência, a OTAN. “Mau” para uns e “bom” para outros será o Trump que corta a aleitação securitária armada da Europa e convida cada qual a assumir os respectivos gastos. Nas Américas do Norte, do Centro e do Sul as “esperanças”, se as houver, serão poucas e trementes. Os partidos mexicanos do sistema, PRI e PAN, passam a governar como “órfãos” de um padrinho subitamente tornado brusco e imprevisível. Mais de metade dos 3 milhões de imigrantes que Trump ameaça defenestrar são mexicanos. Posto em causa está, desde a campanha eleitoral “aquecida” por Trump, o grande acordo comercial dos Estados Unidos com o México e o Canadá. Um Trump “bom”? Um Trump “mau”? Quem determina as circunstâncias da humanidade é a máquina do tempo. Em 1895, Herbert Wells recomendou à humanidade ponderações sobre a máquina do tempo. Se Napoleão as recusaria, Churchill ou Truman e outros não fizeram melhor. Aqueles senhores que, em Bruxelas, zombaram de Yanis Varoufakis e humilharam a Grécia, são os mesmíssimos que descobriram, agora, 50 mil milhões de euros para “ajudar” e banir a austeridade. Varoufakis, que em Bruxelas e em vão propôs um sistema de redistribuição entre os Estados europeus, encontra agora o seu conforto nos testamentos do velho Ho Chi Minh: “Desde o princípio da sua existência que a humanidade teve de lutar contra a Natureza para resistir. E para vencer nesta luta cada homem teve de apoiar-se na força do número, quer dizer da colectividade, da sociedade”. Pois, a união faz a força.