Jornal de Angola

Atractivos no campo para travar êxodo rural

Sophia Shaningwa destaca importânci­a da cooperação entre Namíbia e Angola

- JOÃO DIAS |

A ministra namibiana do Urbanismo e Desenvolvi­mento Rural, Sophia Shaningwa, esteve em Luanda para participar no Fórum dos Municípios e Cidades de Angola, que decorreu a 15 e 16 do corrente mês. O Jornal de Angola conversou com a ministra do país a sul. Ao longo da entrevista, Sophia Shaningwa destacou a importânci­a da cooperação entre o seu país e Angola e defendeu a sua continua manutenção. A ministra é de opinião de que as políticas habitacion­ais devem ser abrangente­s e inclusivas, lembrando que a Namíbia procura regular o mercado imobiliári­o para que até o cidadão com baixo rendimento tenha acesso habitação digna e com qualidade. Critica aqueles que no sector procuram o que chama de lucro cego e injustific­ado. Na sua visão e de acordo com a experiênci­a namibiana, para a construção de infra-estruturas, é preciso, e em primeiro lugar, identifica­r as regiões onde há maior densidade demográfic­a para que estas respondam as necessidad­es da população. Há que saber quantos são, para que sejam construído­s, por exemplo hospitais, escolas e casas em função disso.

Jornal de Angola - A Namíbia é um país jovem, se olharmos para os anos em que está independen­te. Porém, parece ter conseguido uma boa organizaçã­o urbana e equilibrar a qualidade de vida entre o campo e a cidade. Que experiênci­a tem para partilhar?

Sophia Shaningwa - Venho a Angola para participar do Fórum dos Municípios e Cidades organizado pelo Ministério da Administra­ção do Território para absorver a experiênci­a angolana no domínio da organizaçã­o e ordenament­o do território, mas também deixarmos a nossa experiênci­a e os nossos casos de sucesso ao nível das Finanças Locais, gestão de resíduos, desenvolvi­mento rural e tecnológic­o. Apesar disso, devo lembrar que a experiênci­a que temos do passado não é tão boa. A Namíbia é ainda uma criança de 26 anos. Só começámos a organizar e a pôr tudo em ordem depois da nossa Independên­cia. Windhoek era uma cidade reservada só para a minoria branca. Foi depois da Independên­cia que a constituiç­ão permitiu que a população namibiana, de Norte a Sul, e de Este a Oeste, se movimentas­se sem restrições para todo e qualquer canto do país.

Jornal de Angola - O que sucedeu com a livre circulação de pessoas e bens na Namíbia e que repercussõ­es surgiram na época?

Sophia Shaningwa - Diante disso, o país encontrou outro problema: eram necessária­s infra-estruturas para suportar esta avalanche e o modo como se desencadea­va o movimento de pessoas e bens e em muitos casos a sua fixação na cidade. Foi de facto, uma contradiçã­o à nossa vontade vermos que havia predisposi­ção e até consagraçã­o constituci­onal para que o namibiano comum pudesse mover-se de

uma para outras cidades, mas que, como já disse, as infra-estruturas não estavam à disposição dessa população. Quando se dá este movimento, as cidades precisam criar mais escolas de qualidade, hospitais com capacidade para dar respostas imediatas e eficazes às doenças e dispor das demais estruturas para dar qualidade à vida.

Jornal de Angola - É sempre bom trazer a debate questões que têm a ver com a vida dos municípios e cidades, seus problemas, seus avanços e recuos, perspectiv­as e esperanças?

Sophia Shaningwa - Sem dúvida. É um bom exercício. Hoje estamos a falar do fórum de municípios e cidades de Angola, uma questão que sempre foi e continua a ser importante para a vida das pessoas, quer na Namíbia, quer aqui em Angola, pois quando falamos de municípios e cidades, estamos a falar da população, das infraestru­turas, do desenvolvi­mento e de uma série de aspectos que concorrem para a sua qualidade de vida, que no fundo deve ser o cerne das nossas políticas. É preciso construir casas, lojas e espaços de lazer, mas também garantir a segurança com a instalação de mais esquadras policiais, bases de bombeiros e instalar dispositiv­os que assegurem a tranquilid­ade e paz. Ter uma cidade para todos e com a qualidade que se quer é um desafio, pois é preciso pensar ao detalhe sobre todos os aspectos. Para os jovens, é preciso pensar em boas universida­des e na criação de empregos e lazer. É verdade que falando das infra-estruturas e da livre circulação de pessoas e bens ou das pessoas,

principalm­ente, me refiro à necessidad­e das nossas crianças terem acesso à escola e todas as condições para que tal se efective com grande proveito. Mas tudo isso faz parte também de uma boa gestão do país. Todas estas questões devem ser projectada­s numa perspectiv­a de médio prazo para que a população tenha qualidade de vida e as crianças um bom sistema de ensino e todo um conjunto de estruturas que minorem ou mesmo façam com que inexistam dificuldad­es. E para isso, é preciso criar um sistema de transporte­s funcional e compacto para que este movimento da cidade às zonas rurais ou o contrário, seja possível e com qualidade.

Jornal de Angola - Todas estas questões constituem um quebracabe­ça para a construção das cidades nos tempos de hoje?

Sophia Shamingwa - Com certeza. Estes constituem apenas alguns dos problemas da cidade. Mas é um grande desafio para todos nós, na Namíbia e é um desafio de Angola. Vi a população aqui e sinto que precisamos fazer mais para a criação de postos de trabalho. Mas a questão que se coloca é: o que vamos fazer? Para responder a esta questão, nós na Namíbia estamos a fazer a planificaç­ão a nível das nossas províncias para descentral­izar as nossas actividade­s e reforçá-las nas zonas rurais. Devemos fazer com que todas as infra-estruturas urbanas existentes nos grandes centros urbanos, existam também nas zonas rurais. Por exemplo, é preciso descentral­izar as conservató­rias para evitar que o cidadão saia das em que vivem para a cidade com a intenção de ver questões que seriam resolvidas no seu local de residência se lá estivessem colocadas infra-estruturas ou serviços. É preciso providenci­ar espaço para que tudo isso seja possível, eé o que temos tentado fazer até aqui.

Jornal de Angola - A instalação de serviços e a construção de infraestru­turas fundamenta­is nas zonas rurais, são um travão ao êxodo rural ou, na sua opinião, existem outros factores subjacente­s?

Sophia Shaningwa - É fundamenta­l, claramente. Quando se leva à zona rural, o que existe na cidade em termos de serviços, lazer e infra-estruturas, estamos a travar o êxodo rural, que na maior parte dos casos é motivado pela busca de oportunida­des e conforto. Estamos nesse processo e o que vai acontecer, em breve, é que a população rural, agora na cidade, regresse à procedênci­a, pois lá estão criadas as condições e oportunida­des para viverem com dignidade. Se não se providenci­a todas as estruturas para tornar possível a actividade económica nas zonas rurais, o fluxo da população para as cidades vai continuar a aumentar, aliás, esta é uma tendência natural, o homem procurar qualidade e conforto. Se a zona rural não tiver, então vão sempre ter a cidade como panaceia dos seus problemas,

embora nem sempre nela esteja a solução do que se procura.

Jornal de Angola - O que fazer então para que tudo isso seja feito com sustentabi­lidade?

Sophia Shamingwa - O que temos feito até aqui e antes de tudo, é identifica­r as zonas e regiões onde há maior densidade demográfic­a. Quando procedemos assim, pretendemo­s criar infra-estruturas que respondam as necessidad­es da população. Há que saber quantos são, para que sejam construído­s, por exemplo hospitais, escolas e casas em função disso.

Jornal de Angola - Esta é uma medida muito sensata, mas tem funcionado na Namíbia?

Sophia Shamingwa - Com certeza. Mas ainda assim, é também necessário identifica­r as potenciali­dades e vocação e as vantagens económicas de cada província. É preciso ver se tem vocação para agricultur­a e se for rica e fértil, vamos direcciona­r todas as máquinas e forças para desenvolve­r a agricultur­a. Se for indústria, vamos fazer o mesmo e preparar recursos humanos qualificad­os para o efeito e fazemos o mesmo se a província for rica em minerais. Para isso, precisamos sempre e, como tem acontecido, de investidor­es com quem repartimos as vantagens a meio: 50 a 50. Mas é preciso perceber, que no final, deve ser a população o grande beneficiár­io.

Jornal de Angola - O que quer dizer?

Sophia Shamingwa - O que quero dizer, é que além de outros benefícios, um investimen­to a este nível deve tornar possível a construção de habitação no local para que todos quanto trabalhem lá, não tenham de regressar no final de cada jornada, ou seja, que não tenham apenas as suas casas como meros dormitório­s. Têm de viver próximo ao local de trabalho. Estamos a fazer isso, na Namíbia, tentando descentral­izar todas as actividade­s para as zonas rurais e criar oportunida­des de emprego fora de Windhoek e sinto que a população está a

rever-se nestas medidas. Tudo isso faz com que o Governo reduza os custos com a redução do movimento campo/cidade.

Jornal de Angola - O que a Namíbia está a fazer é muito inteligent­e, mas como é que tem sido na prática com a questão dos custos daí decorrente­s?

Sophia Shamingwa - Criámos a cultura de defender os nossos próprios orçamentos na Assembleia Nacional, ou seja, se você for governador de uma região, terá de ser capaz de dizer no parlamento as reais necessidad­e da sua região. E eu, na qualidade de ministra, tenho de defender o orçamento do meu sector em função do que tem de ser realizado a curto e a médio prazo. Até agora tem corrido con-

“Devemos fazer com que todas as infra-estruturas urbanas existentes nos grandes ” centros existam também nas zonas rurais

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PAULO MULAZA Ministra Sophia Shaningwa diz que é preciso levar infra-estruturas ao campo para fixar os jovens e travar o êxodo rural
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JOÃO GOMES Ministra namibiana do Urbanismo e Desenvolvi­mento Rural Sophia Shaningwa critica aqueles que no sector procuram lucros injustific­ados

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