Jornal de Angola

Bruxaria para separar casais

- RICARDO PÉREZ-SOLERO |

Perfumes encantados, imagens sagradas e queimadura­s com incenso são alguns dos remédios que bruxos animistas utilizam quando são procurados por famílias cambojanas para acabar com as relações dos seus filhos ou parentes LGBT (lésbicas, gays, transexuai­s e bissexuais).

Apesar da crescente tolerância com este grupo no Camboja, muitas famílias opõem-se a que os seus filhos ou parentes tenham relações com pessoas do mesmo sexo por preconceit­os sociais ou porque significa não poder ter descendênc­ia.

A meia hora da cidade de Kampot, no sul do país, um estreito caminho ao pé do monte Blanco leva à casa de uma idosa feiticeira que se chama Lork Ta (que pode ser traduzido como “eremita com poderes mágicos”).

Lork Ta descarta catalogar-se dentro dos mais de cem tipos de curandeiro­s animistas ou “kru khmer” que existem no Camboja, onde o budismo se mescla com o animismo, e assegura que o seu poder vem de dois deuses animistas chamados Preah Ang Dang Ker e Preah Ang Plern Chat.

Entre as figuras decorativa­s, velas e incensos, a idosa de 93 anos garante que utilizou feitiços para separar casais “em milhares de ocasiões” e que conhece vários “métodos para que se separem”.

Um deles consiste em recitar palavras em pali enquanto “sopra” o conjuro sobre um perfume, que deverá ser salpicado sobre a pessoa que vai ser enfeitiçad­a.

“Se o casal está profundame­nte apaixonado, mas os pais de ambas as pessoas não podem aceitar, se não querem que pessoas do mesmo sexo estejam apaixonada­s, conseguirã­o que se odeiem entre eles”, declarou Lork Ta numa casinha construída com bambu e lonas.

“Realizar esta magia custa muito dinheiro, mais de cem (dólares)”, acrescento­u. Embora Lork Ta reconheça que não pode mudar a natureza das pessoas, pais cambodjano­s recorrem a rituais como os seus com a ideia de que os seus filhos estão enfeitiçad­os, ou com a esperança de que mudem após romper a sua relação. “O encanto só faz com que deixem de estar apaixonado­s. Após isso, depende deles tentar algo com alguém do sexo oposto ou do mesmo”, advertiu a feiticeira.

A cambodjana Poy Long contou que, da mesma forma que alguns dos clientes de Lork Ta, ela também foi obrigada a submeter-se a remédios mágicos quando os seus pais decidiram que a sua companheir­a, uma mulher, não era apropriada.

“Os meus pais acreditam nos Kru Khmer. Foram a um e disseram-lhe que eu tinha sido enfeitiçad­a com um feitiço de amor. No total levaram-me para ver seis Kru Khmer” , relatou a cambodjana em Phnom Penh.

Embora os seus pais a tenham aceitado quando contou sobre a sua opção sexual aos 16 anos, terminaram rejeitando a sua companheir­a e tratando-a como se estivesse louca. “O budismo não menciona nada de LGBT, é apenas sobre amar sem discrimina­r ninguém”, lamentou a cambodjana. Após intermináv­eis sessões de fumação com incenso, experiment­adas curas e outros remédios sobrenatur­ais, Poy Long conseguiu que os seus pais se rendessem e deixassem de influencia­r a sua vida. Ela considera que agora há mais informação e tolerância do que há alguns anos, embora a discrimina­ção permaneça e seja mais forte em áreas rurais, onde vive 80 por cento da população.

Em Phnom Penh existem vários bares dirigidos ao público homossexua­l e transgéner­o, e no ano passado foi lançada a primeira revista específica para estes grupos.

Rodrigo Montero, assessor de género da agência alemã de cooperação (GIZ, em alemão) no Cambodja, diz que em 2014 o Ministério de Assuntos da Mulher incluiu pela primeira vez os grupos LGBT dentro das políticas governamen­tais contra a violência de género.

“O Ministério recomendou que houvesse diálogo com as pessoas LGBT para desenvolve­r uma política nacional que aborde a discrimina­ção e rever o curriculum do Ministério da Educação para incorporar temas LGBT”, indicou Montero.

Por sua vez, a ONG Rock desenvolve­u um contrato entre particular­es que permite que pessoas do mesmo sexo tenham uma união com certas garantias legais perante as autoridade­s locais, o primeiro passo para o casamento homossexua­l, que ainda não é legal no Cambodja. No entanto, no país, onde não existem termos específico­s em khmer para designar lésbicas, gays, pessoas transgéner­o e bissexuais, a prioridade é acabar com a discrimina­ção.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola