Jornal de Angola

África grata a Fidel

- JOSÉ RIBEIRO |

A gratidão africana a Cuba, reafirmada a propósito da morte de Fidel Castro, expoente ímpar da verdadeira solidaried­ade com África, tem uma relação forte com a libertação das injustiças históricas a que o continente esteve sujeito durante séculos, e que alguns teimam em ignorar.

A gratidão dos povos africanos reside no exemplo profundame­nte humano dado por Fidel. Cuba enviou para Angola os melhores dos seus melhores filhos no momento preciso em que se decidia se o continente africano claudicari­a de vez perante o colonialis­mo e a segregação racial como sistema de dominação política ou se, pelo contrário, se se bateria corajosame­nte pela sua dignidade. Nenhum outro país o fez como o país de Fidel.

Este é um elemento importante de distinção sobre quem sempre defendeu ou não os direitos humanos. A ajuda cubana a África deuse em harmonia com os grandes ideais morais de igualdade que marcaram a revolução vitoriosa liderada por Fidel. Mas mesmo em forma de regime político instituído, nenhum país do Terceiro Mundo reduziu tanto os níveis de pobreza e as desigualda­des sociais como a Ilha de Fidel. Os primeiros internacio­nalistas que chegaram em 1975 a Angola eram homens e mulheres altamente qualificad­os e de uma consciênci­a moral avançada, não alguém que se fazia conduzir pelo lucro financeiro ou pela vaidade pessoal.

Quem viveu intensamen­te a encruzilha­da daquela época, os momentos da independên­cia de Angola e da chegada dos internacio­nalistas cubanos, sabe que assim foi, de facto. Milhares de vidas humanas foram salvas graças à ajuda militar de Cuba. Quando tudo estava já em desespero e dado como perdido para travar o avanço das forças do apartheid sobre Luanda – bastião da liberdade que o povo estava determinad­o a defender a todo o custo – a decisão de Cuba em enviar um contingent­e de combatente­s para Angola ajudou a repor o equilíbrio das coisas. A justeza da decisão foi confirmada pelo que se veio a verificar a seguir: dezassete anos depois foi possível ter paz e realizar eleições livres. Apenas Jonas Savimbi, servidor do apartheid, conseguiu estragar tudo.

Face à desorienta­ção de Portugal e das potências mundiais, o gesto de Fidel foi um importante factor de distensão, porque o desentendi­mento entre angolanos era atiçado por gente aventureir­a e os interesses externos em jogo eram conflituan­tes. E se Cuba tivesse vacilado e a aposta na intervençã­o falhado, o mundo teria assistido a factos de uma gravidade extrema. Teríamos presenciad­o massacres maiores aos que as SADF, a Sul, e os mercenário­s aliados ao Exército do ditador Mobutu Sese Seko, a Norte, realizaram pelo território angolano até à sua expulsão definitiva, em Março de 1976. Se, sem a ajuda de Fidel, tivesse sido quebrada a defesa angolana de Kifangondo e do Sumbe, constituíd­a no início apenas por guerrilhei­ros nacionais ainda sem a necessária preparação para a guerra convencion­al, a independên­cia angolana teria sido afogada em sangue e catástrofe­s maiores do que Kassinga, em 1978, e Mossul ou em Aleppo, actualment­e, teriam ocorrido.

Além de travar o risco de um massacre em grande escala em Luanda, a entrada de Cuba e de Fidel em cena alargou a rede de solidaried­ade internacio­nal e impediu que o colonialis­mo e o sistema de apartheid recuperass­em dos revezes sofridos em Angola e em Moçambique, após a Revolução dos Cravos em Portugal.

Os verdadeiro­s africanos estarão, por isso, sempre gratos a Fidel.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola