Jornal de Angola

Chapecó é uma cidade arrasada pela dor e luto

- ROSA SULLEIRO

Ainda sem entender bem o que aconteceu, Chapecó amanheceu ontem envolta no silêncio do luto, mas voltou à noite ao estádio Arena Condá à hora em que deveria começar uma partida, que já não foi disputada, para homenagear os seus heróis.

Apesar das faixas de luto que adornam os edifícios e estátuas da cidade, ninguém quer acreditar no que aconteceu na longínqua Medellín. Nas montanhas de uma noite terrível que acabou o sonho da equipa que havia quebrado a rotina da pacata cidade de quase 200 mil habitantes no interior de Santa Catarina.

“Chapecó não é uma cidade grande. Encontráva­mo-nos com eles (jogadores) na rua, em qualquer lugar. É difícil de se reerguer. Ontem já foi difícil, a cidade está desalmada”, contou Aline Fonseca, uma professora de 21 anos no bairro onde fica o estádio.

“Não se escuta música alta, não se escuta nada”, completou.

Uma dor contida no silêncio, rompido pelos adeptos na véspera, durante a caminhada que sucedeu a lotada missa na catedral.

Depois de anos a batalhar nas ásperas divisões inferiores do futebol brasileiro -onde não há câmaras ou estrutura e os salários, quando pagos, são fruto do equilíbrio das apertadas contas dos clubes-, a jovem “Chape” conseguiu, no fim, conquistar os seus adeptos, tornando-se um matador de gigantes continenta­l.

Com as contas saneadas, o clube do interior de Santa Catarina pôde deixar o medo de lado.

“Vim dar um pouco de mim para fortalecer as famílias que sofrem, os amigos, a comunidade chapecoens­e que sofre por uma equipa que representa­va a nossa cidade, os nossos corações”, explicou Vinícius Bassak, um professor de educação física de 28 anos que se aproximava de uma igreja para rezar pelos falecidos.

“Realmente havia uma paixão muito maior do que acreditáva­mos”, valorizou.

Sonhos arruinados

Há uma semana, a lua de mel entre o “Furacão do Oeste” e a sua sonhadora claque viveu o seu auge.

Diante de um estádio lotado como nunca, a Chape surpreende­u o continente ao segurar um empate sem golos diante do tradiciona­l San Lorenzo, da Argentina. Foram 90 minutos de muita tensão, alegria, angústia e nervos à flor da pele que, no fim, explodiram numa euforia desconheci­da.

Pela primeira vez na sua história, o “Furacão” ia disputar uma decisão continenta­l, pouco mais de um ano depois de ter jogado a primeira partida internacio­nal dos seus 43 anos de vida.

Toda a cidade de Chapecó estaria com os olhos grudados na tela da televisão, ontem, para ver a disputa da partida de ida contra o Atlético Nacional, enquanto muitos preparavam as suas camisolas verdes para viajar até Curitiba na semana que vem. Agora, preparam-se para receber os mortos.

“Ainda é difícil acreditar nisso. Acho que realmente nos daremos conta quando chegarem os falecidos. Estamos sentindo uma dor muito profunda”, lamentou o vendedor de jornais Valdemar Jardine, 50 anos.

Curitiba, agora, parece estar a anos luz de distância. A capital do Paraná seria sede do jogo da segunda-mão contra o Atlético Nacional, já que a Arena Condá não cumpria as exigências mínimas de público da Conmebol. Nada disso, porém, diminuiu o ânimo dos adeptos.

No que acabou sendo a sua última conferênci­a de imprensa, no domingo em São Paulo, um esperanços­o Caio Júnior voltava a pedir aos adeptos que percorress­em os 500 quilómetro­s de Chapecó até Curitiba para apoiar a sua equipa na final.

“Peço aos adeptos que se programem, sei que não é tão simples ir a Curitiba, mas seria genial contar com o peso da claque. É uma final internacio­nal, um momento fantástico, o auge do clube. Não sabemos se teremos outra oportunida­de assim. Vale a pena o esforço”, pedia o técnico na véspera da viagem a Medellín.

A tragédia quis que o esforço maior para Chapecó acabasse por ser esses dias de tristeza, e os meses que se seguirão à crueldade com que desaparece­ram as suas esperanças, juntamente com as 71 pessoas que faleceram na enevoada madrugada de Medellín.

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AFP Destroços do avião que transporta­va membros da equipa de futebol Real Chapecoens­e

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