Tabuada da esperança angolana
A crise económica mundial que afecta o nosso país, permite a par das contrariedades naturais causadas pela situação - mostrar, mais uma vez ao mundo, a capacidade dos angolanos reagirem em circunstâncias adversas.
Ao contrário do que sucedeu noutros países, a maioria deles mais antigos do que o nosso e sem conheceram a violência e a devastação de guerras recentes como as que nos foram impostas, não nos encostamos a muros de lamentações. Do mesmo modo que, após a conquista da paz conseguimos engolir lágrimas de luto, estender a mão ao inimigo da véspera e começar a reconstruir das cinzas todo o território nacional, também agora, perante um quadro económico menos favorável, não nos deixámos levar pela inércia.
Os bolsos da maioria de nós ficaram mais vazios, alguns dos produtos a que já não nos habituáramos a ter no dia-a-dia rareiam, os preços subiram, os açambarcadores aumentaram. Tudo isto fez com que os salários encurtassem e o dia de os receber pareça todos os meses mais distante.
Muitos de nós multiplicaram as contas de somar dias, subtrair superficialidades e dividir custos na esperança da prova real da derradeira operação nos dar forma de satisfazer os compromissos assumidos.
A maioria dos angolanos sabe que a crise não é eterna, mas não acaba amanhã. Vai durar e que a única forma de a contornar, de a vencer, é com trabalho, dedicação, saber, pelo que cada um de nós, sem excepção, independente da profissão que tem, do cargo que ocupa na sociedade, está obrigado a dar o melhor que sabe, de que é capaz. Para uma vez mais, lembrarmos ao mundo a têmpera que nos caracteriza. Para, de uma vez por todas, mostrarmos quem somos aos que se vangloriam com a fase menos boa que vivemos, aos oportunistas que se aproveitam da situação para nos insultarem, chamaremnos preguiçosos, acusarem-nos de não termos aproveitado o tempo de paz para diversificarmos a economia e que estamos a pagar erros que podíamos ter evitado. Como se o calar das armas tivesse sido há séculos e não há menos de década e meia. Como se neste curtíssimo espaço de tempo não transformássemos um país de cinzas e escombros numa terra de esperança e futuro.
A maioria dos angolanos entende isto, mas é preciso que sejamos todos, sem excepção, a percebermos a situação que vivemos e que a Pátria que construímos todos os dias não é em benefício de um partido, muito menos de alguém em particular, mas, acima de tudo, das gerações vindouras. Para terem motivos de elas se orgulharem do que fizemos, como nos orgulhamos dos que sem pensarem em benefícios pessoais, muitos deles pagando com a vida essa determinação, permitiram que sejamos hoje um país livre e independente.
O país que continuamos diariamente a edificar é para todos angolanos, independentemente das convicções ideológicas que cada um de nós é livre de ter. Para os nossos descendentes, mas também, é bom não esquecer, em honra e memória das vítimas da Baixa de Cassanje, de todos os camponeses que de uma ponta a outra do país foram vítimas do colonialismo, das forças sul-africanas do apartheid, dos arautos do neocolonialismo. Em homenagem aos heróis do 4 de Fevereiro, daqueles que nas matas e chanas lutaram de armas na mão contra o ocupante português e os invasores de tantas nacionalidades, dos que tornaram possível o 11 de Novembro.
A História do nosso país tem de continuar a ser escrita. Já não com sangue de mártires e heróis, mas igualmente com honra, que é algo que não se compra, não se negoceia. A hora é de unidade, de junção de esforços. Ninguém pode alhear-se de mais esta batalha, também ela decisiva, como tantas outras que já vencemos. Os que se alhearem dela não podem vir a lamentar-se se filhos e netos lhes virarem a cara, se envergonharem deles, lhes pedirem contas.
Os angolanos, neste tempo de crise, multiplicam as contas de somar dias, subtrair superficialidades, dividir custos numa tabuada de esperança, que se aprende com sacrifício, determinação e saber.