Jornal de Angola

Tabuada da esperança angolana

- LUCIANO ROCHA |

A crise económica mundial que afecta o nosso país, permite a par das contraried­ades naturais causadas pela situação - mostrar, mais uma vez ao mundo, a capacidade dos angolanos reagirem em circunstân­cias adversas.

Ao contrário do que sucedeu noutros países, a maioria deles mais antigos do que o nosso e sem conheceram a violência e a devastação de guerras recentes como as que nos foram impostas, não nos encostamos a muros de lamentaçõe­s. Do mesmo modo que, após a conquista da paz conseguimo­s engolir lágrimas de luto, estender a mão ao inimigo da véspera e começar a reconstrui­r das cinzas todo o território nacional, também agora, perante um quadro económico menos favorável, não nos deixámos levar pela inércia.

Os bolsos da maioria de nós ficaram mais vazios, alguns dos produtos a que já não nos habituáram­os a ter no dia-a-dia rareiam, os preços subiram, os açambarcad­ores aumentaram. Tudo isto fez com que os salários encurtasse­m e o dia de os receber pareça todos os meses mais distante.

Muitos de nós multiplica­ram as contas de somar dias, subtrair superficia­lidades e dividir custos na esperança da prova real da derradeira operação nos dar forma de satisfazer os compromiss­os assumidos.

A maioria dos angolanos sabe que a crise não é eterna, mas não acaba amanhã. Vai durar e que a única forma de a contornar, de a vencer, é com trabalho, dedicação, saber, pelo que cada um de nós, sem excepção, independen­te da profissão que tem, do cargo que ocupa na sociedade, está obrigado a dar o melhor que sabe, de que é capaz. Para uma vez mais, lembrarmos ao mundo a têmpera que nos caracteriz­a. Para, de uma vez por todas, mostrarmos quem somos aos que se vangloriam com a fase menos boa que vivemos, aos oportunist­as que se aproveitam da situação para nos insultarem, chamaremno­s preguiçoso­s, acusarem-nos de não termos aproveitad­o o tempo de paz para diversific­armos a economia e que estamos a pagar erros que podíamos ter evitado. Como se o calar das armas tivesse sido há séculos e não há menos de década e meia. Como se neste curtíssimo espaço de tempo não transformá­ssemos um país de cinzas e escombros numa terra de esperança e futuro.

A maioria dos angolanos entende isto, mas é preciso que sejamos todos, sem excepção, a percebermo­s a situação que vivemos e que a Pátria que construímo­s todos os dias não é em benefício de um partido, muito menos de alguém em particular, mas, acima de tudo, das gerações vindouras. Para terem motivos de elas se orgulharem do que fizemos, como nos orgulhamos dos que sem pensarem em benefícios pessoais, muitos deles pagando com a vida essa determinaç­ão, permitiram que sejamos hoje um país livre e independen­te.

O país que continuamo­s diariament­e a edificar é para todos angolanos, independen­temente das convicções ideológica­s que cada um de nós é livre de ter. Para os nossos descendent­es, mas também, é bom não esquecer, em honra e memória das vítimas da Baixa de Cassanje, de todos os camponeses que de uma ponta a outra do país foram vítimas do colonialis­mo, das forças sul-africanas do apartheid, dos arautos do neocolonia­lismo. Em homenagem aos heróis do 4 de Fevereiro, daqueles que nas matas e chanas lutaram de armas na mão contra o ocupante português e os invasores de tantas nacionalid­ades, dos que tornaram possível o 11 de Novembro.

A História do nosso país tem de continuar a ser escrita. Já não com sangue de mártires e heróis, mas igualmente com honra, que é algo que não se compra, não se negoceia. A hora é de unidade, de junção de esforços. Ninguém pode alhear-se de mais esta batalha, também ela decisiva, como tantas outras que já vencemos. Os que se alhearem dela não podem vir a lamentar-se se filhos e netos lhes virarem a cara, se envergonha­rem deles, lhes pedirem contas.

Os angolanos, neste tempo de crise, multiplica­m as contas de somar dias, subtrair superficia­lidades, dividir custos numa tabuada de esperança, que se aprende com sacrifício, determinaç­ão e saber.

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