Jornal de Angola

De fato e gravata

- MANUEL RUI |

A roupa sempre teve a ver com a história, cultura e identidade de um povo. Também com as relações entre os povos. Certo que com os tempos, a mulher libertou o seu vestuário e passou a usar calças embora na minha Universida­de em Coimbra a coisa não fosse bem vista pelos professore­s... Claro que se as mulheres (nos cânones ocidentais) ainda hoje usam roupa que antigament­e era só para os homens, no entanto, estes não usam, em circunstân­cias normais, roupa de mulher...

Quando Mao Tsé Tung reduziu os trajes tradiciona­is e a trança comprida que dificultav­am o trabalho nas fábricas, pensou-se que a fatiota à Mao chegava para ficar tendo até sido adaptada por Mobutu com o acrescento do barrete (contra a defesa do ambiente). Mas assim que apareceu o capitalism­o de Estado, a filosofia de mercado, “liberalism­o” paradoxal com restrições à liberdade de expressão, delitos de opinião e resposta à manifestaç­ão da juventude com blindados na praça vermelha, na correspond­ente do visual, os chineses de classe alta passaram para a estrangula­dora gravata, empresário­s chineses a andar por todo o mundo engravatad­os, com casacos de gola poupada e com as “prendas” antes do início das conversaçõ­es.

Na gnose do vestuário a vertente das fardas melhor designadas por uniformes em que o pessoal veste e calça igual com as diferenças que identifica­m patentes, hierarquia­s e condecoraç­ões. Os uniformes, desde os romanos aos napoleónic­os foram uma componente exuberante das grandes metragens americanas de filmes sobre história da humanidade e as túnicas também.

As ex-colónias de África em que o invasor encontrou culturas com escrita e de base religiosa islâmica, o vestuário manteve-se e ainda hoje vemos nas acrópoles internacio­nais ou visitas de Estado

aparecerem os muatas com os trajes da terra. O mesmo se passa na Índia e Paquistão.

A roupa surgiu como protecção adaptada ao clima. Não me esquece o tempo em que os nossos bolseiros na sóvias quando vinham de férias exibiam-se de sobretudo pesado, gorra e cabeça de Lénine na lapela, numa autêntica sauna surrealist­a.

A roupa que começou por ser uma necessidad­e, cantou o sambista Adoniran Barbosa, “Deus dá

o frio conforme o cobertor”. Com o andar dos tempos virou embelezame­nto das pessoas, indústria, moda, passagens de modelos, modelos que ganham fortunas à CR7, canais de televisão dedicados à matéria, criando uma dependênci­a levando ao extremo de raparigas não comerem... e pela elegância morrerem de fome enquanto outros demandam nos contentore­s restos para sobreviver­em...

A roupa tem uma ligação com o clima. O ocidente que dita a moda, adapta o vestuário às quatro estações e, no fim de cada estação, as lojas saldam, vendem mais barato o que sobrou e, sem dúvida, a mudança de estação é embelezada com a mudança da roupa.

Uma coisa é a roupa outra coisa é a imposição, a obrigatori­edade do fato e gravata em climas tropicais e de altas temperatur­as. Aqui, entre nós, antes da Dipanda, os bancários usavam camisas, o mais das vezes aquelas de casquinha, super frescas vindas de Macau. Hoje vemos todos de fato e gravata e alguns, pela inadaptaçã­o, parecem enforcados e quando o ar condiciona­do vai é só suor. Andam os povos nórdicos em busca de calor e aqui o pessoal finge que está no frio. Além disso há lugares onde não se pode entrar de sandálias e a mim, no Huambo, não me queriam deixar entra de boné na cabeça. Argumentei que era a minha religião que obrigava andar com a cabeça coberta como muçulmanos e judeus, estes nem podem entrar nas sinagogas de cabeça descoberta. Também me disseram que há imposições relativame­nte ao vestuário das raparigas nas escolas, incluindo a proibição de manga cava, será?

Nos nossos climas há vestuário e calçados prejudicia­is à saúde. As botas altas da polícia são um autêntico suplício! Mas é bom ver as diferenças. Nos mercados e praças populares não se vê gente de fato e gravata que aparecem nos grandes espaços. Quem anda a pé, raras vezes usa fato e gravata e a juventude veste-se com a imaginação que dá mais colorido à cidade. Também, parece-me que vem diminuindo o número de senhoras que se vestem de panos. Mas na praia da legendária Mabunda e na ilha do Cabo, mundo antigo dos zimbos cinzentos, encontra-se essa parte de cultura que resiste. No Brasil, fez 50 graus e os funcionári­os públicos foram autorizado­s a trabalhar de bermuda!

Penso que vestir, desde que não se ofenda o pudor citadino, integra os direitos humanos. Entretanto, não devemos impor valores judaico-cristãos lá onde as pessoas não nos impõem os seus. Só para o bom humor, não se imagina um camponês a cavar terra de fato e gravata. Óbvio, também porque entre nós, o fato e gravata é um elemento distintivo de classe.

Lembro-me, a seguir à independên­cia, sentar-me ao balcão da mais famosa pastelaria do tempo colonial – já escrevi sobre isto – e, a meu lado, um soldado com a sua namorada mumuila com os seios desnudos.

Mandaram as mumuilas que andam por aí a vender óleo mompeque taparem os seios. Outro dia, no Lubango, pediram dinheiro para tirar fotografia­s com os seios desnudos. Os seios mais bonitos do mundo.

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