De fato e gravata
A roupa sempre teve a ver com a história, cultura e identidade de um povo. Também com as relações entre os povos. Certo que com os tempos, a mulher libertou o seu vestuário e passou a usar calças embora na minha Universidade em Coimbra a coisa não fosse bem vista pelos professores... Claro que se as mulheres (nos cânones ocidentais) ainda hoje usam roupa que antigamente era só para os homens, no entanto, estes não usam, em circunstâncias normais, roupa de mulher...
Quando Mao Tsé Tung reduziu os trajes tradicionais e a trança comprida que dificultavam o trabalho nas fábricas, pensou-se que a fatiota à Mao chegava para ficar tendo até sido adaptada por Mobutu com o acrescento do barrete (contra a defesa do ambiente). Mas assim que apareceu o capitalismo de Estado, a filosofia de mercado, “liberalismo” paradoxal com restrições à liberdade de expressão, delitos de opinião e resposta à manifestação da juventude com blindados na praça vermelha, na correspondente do visual, os chineses de classe alta passaram para a estranguladora gravata, empresários chineses a andar por todo o mundo engravatados, com casacos de gola poupada e com as “prendas” antes do início das conversações.
Na gnose do vestuário a vertente das fardas melhor designadas por uniformes em que o pessoal veste e calça igual com as diferenças que identificam patentes, hierarquias e condecorações. Os uniformes, desde os romanos aos napoleónicos foram uma componente exuberante das grandes metragens americanas de filmes sobre história da humanidade e as túnicas também.
As ex-colónias de África em que o invasor encontrou culturas com escrita e de base religiosa islâmica, o vestuário manteve-se e ainda hoje vemos nas acrópoles internacionais ou visitas de Estado
aparecerem os muatas com os trajes da terra. O mesmo se passa na Índia e Paquistão.
A roupa surgiu como protecção adaptada ao clima. Não me esquece o tempo em que os nossos bolseiros na sóvias quando vinham de férias exibiam-se de sobretudo pesado, gorra e cabeça de Lénine na lapela, numa autêntica sauna surrealista.
A roupa que começou por ser uma necessidade, cantou o sambista Adoniran Barbosa, “Deus dá
o frio conforme o cobertor”. Com o andar dos tempos virou embelezamento das pessoas, indústria, moda, passagens de modelos, modelos que ganham fortunas à CR7, canais de televisão dedicados à matéria, criando uma dependência levando ao extremo de raparigas não comerem... e pela elegância morrerem de fome enquanto outros demandam nos contentores restos para sobreviverem...
A roupa tem uma ligação com o clima. O ocidente que dita a moda, adapta o vestuário às quatro estações e, no fim de cada estação, as lojas saldam, vendem mais barato o que sobrou e, sem dúvida, a mudança de estação é embelezada com a mudança da roupa.
Uma coisa é a roupa outra coisa é a imposição, a obrigatoriedade do fato e gravata em climas tropicais e de altas temperaturas. Aqui, entre nós, antes da Dipanda, os bancários usavam camisas, o mais das vezes aquelas de casquinha, super frescas vindas de Macau. Hoje vemos todos de fato e gravata e alguns, pela inadaptação, parecem enforcados e quando o ar condicionado vai é só suor. Andam os povos nórdicos em busca de calor e aqui o pessoal finge que está no frio. Além disso há lugares onde não se pode entrar de sandálias e a mim, no Huambo, não me queriam deixar entra de boné na cabeça. Argumentei que era a minha religião que obrigava andar com a cabeça coberta como muçulmanos e judeus, estes nem podem entrar nas sinagogas de cabeça descoberta. Também me disseram que há imposições relativamente ao vestuário das raparigas nas escolas, incluindo a proibição de manga cava, será?
Nos nossos climas há vestuário e calçados prejudiciais à saúde. As botas altas da polícia são um autêntico suplício! Mas é bom ver as diferenças. Nos mercados e praças populares não se vê gente de fato e gravata que aparecem nos grandes espaços. Quem anda a pé, raras vezes usa fato e gravata e a juventude veste-se com a imaginação que dá mais colorido à cidade. Também, parece-me que vem diminuindo o número de senhoras que se vestem de panos. Mas na praia da legendária Mabunda e na ilha do Cabo, mundo antigo dos zimbos cinzentos, encontra-se essa parte de cultura que resiste. No Brasil, fez 50 graus e os funcionários públicos foram autorizados a trabalhar de bermuda!
Penso que vestir, desde que não se ofenda o pudor citadino, integra os direitos humanos. Entretanto, não devemos impor valores judaico-cristãos lá onde as pessoas não nos impõem os seus. Só para o bom humor, não se imagina um camponês a cavar terra de fato e gravata. Óbvio, também porque entre nós, o fato e gravata é um elemento distintivo de classe.
Lembro-me, a seguir à independência, sentar-me ao balcão da mais famosa pastelaria do tempo colonial – já escrevi sobre isto – e, a meu lado, um soldado com a sua namorada mumuila com os seios desnudos.
Mandaram as mumuilas que andam por aí a vender óleo mompeque taparem os seios. Outro dia, no Lubango, pediram dinheiro para tirar fotografias com os seios desnudos. Os seios mais bonitos do mundo.