Jornal de Angola

A consolidaç­ão da diversific­ação da economia

- MANUEL NUNES JUNIOR |

Numa economia existem três agentes fundamenta­is: as Famílias, as Empresas e o Estado. Cada um destes agentes exerce funções específica­s e importante­s que geram os chamados fluxo real e fluxo monetário da economia. O fluxo real determina a produção de bens e serviços, entre os quais estão a alimentaçã­o, o vestuário, a saúde, a educação e os transporte­s. O rendimento nacional é o resultado da venda dos bens e serviços e serve depois para remunerar os factores de produção possuídos pelas famílias que são usados no processo de produção – terra, capital e trabalho. Este é o fluxo monetário.

É a interdepen­dência entre o fluxo real e fluxo monetário, bem como a caracteriz­ação destas duas grandes movimentaç­ões, que fundamenta­m um sistema económico.

A diversific­ação da economia angolana tem a ver com o fluxo real da economia. O que se pretende é tornar a parte real da economia cada vez mais robusta, competitiv­a e menos dependente dos recursos do petróleo. Trata-se de um desafio fundamenta­l, por duas razões:

Em primeiro lugar, a diversific­ação económica permite aumentar as oportunida­des existentes na sociedade, de modo a que os cidadãos e as famílias possam prosperar e melhorar o seu bem-estar e a sua qualidade de vida. O sector petrolífer­o é, nesta matéria, importante porque é um sector de capital intensivo, e por isso cria muito poucos postos de trabalho.

Em segundo lugar, a diversific­ação permite garantir o equilíbrio entre o fluxo real e o fluxo monetário e assegurar o equilíbrio macroeconó­mico e a estabilida­de da moeda nacional. A base monetária existente na economia tem de estar em correspond­ência com o fluxo real. Se a base monetária for superior ao fluxo real, estaremos perante um ambiente caracteriz­ado por pressões inflacioná­rias.

Para a consolidaç­ão do processo de diversific­ação da economia em 2017 é importante que se continue a reforçar o papel do sector privado, como seu principal agente. As sociedades são tão mais capazes de garantir o bem-estar e a prosperida­de dos seus cidadãos quanto mais inclusivas forem do ponto de vista político e económico. É preciso que cada cidadão encontre na sociedade um espaço de oportunida­des iguais em que possa evidenciar o seu talento e, por mérito próprio, prosperar em qualquer domínio da vida. Num ambiente deste tipo aprofunda-se a competição económica na sociedade e haverá maior eficiência no processo de criação da riqueza nacional associado a um maior nível de inclusão económica.

Apenas em ambientes de abertura, de competição, de oportunida­des iguais e de inclusão económica pode ser aplicado o princípio económico da “destruição criativa” avançado pelo célebre economista austríaco Joseph Shumpeter. As mudanças tecnológic­as são incessante­s. Muitos negócios vão à falência vítimas da inovação por parte dos competidor­es. Neste processo, enquanto alguns vêem os seus negócios destruídos devido à inovação, outros prosperam. Daí o termo aparenteme­nte contraditó­rio de “destruição criativa”.

É neste ambiente de “destruição criativa” que é possível surgirem talentos geniais como os de Bill Gates, Steve Jobs e outros mestres da inovação. Por esta razão, para garantirmo­s um cresciment­o sustentado da economia de Angola temos que, crucialmen­te, continuar a criar as condições para desenvolve­rmos uma economia de mercado dinâmica, competitiv­a, inclusiva, com igualdade de oportunida­des de acesso aos meios de produção por parte dos cidadãos e das empresas. Noutras palavras, importa promover uma economia que contenha as bases para a inovação, para o surgimento incessante de novas ideias e que, assim, possa crescer de modo perpétuo.

Distribuiç­ão do rendimento

A razão para o cresciment­o perpétuo das Nações são as ideias, e não os bens materiais. Os bens materiais desgastam-se com o tempo e perdem valor, ao passo que a capacidade humana em criar novas ideias é infinita.

O aumento do rendimento nacional fora do sector petrolífer­o assume uma importânci­a crucial, porque, para além de aumentar a quantidade de bens e serviços produzidos domesticam­ente, aumenta também o emprego e o rendimento das famílias, por via de melhores salários. Não há dúvida de que o aumento do emprego e dos salários é a melhor forma de distribuir o rendimento nacional e de combater a pobreza, por conseguint­e, a desigualda­de social.

É assim em todo o mundo. A desigualda­de na Europa diminuiu de modo muito significat­ivo com o cresciment­o económico e o emprego que se seguiu à II Guerra Mundial. Foi nessa altura que a classe média na maior parte dos países ocidentais cresceu enormement­e e se consolidou. Antes disso, a classe média na Europa era virtualmen­te inexistent­e.

Tendo em conta as insuficiên­cias que o nosso País ainda apresenta em termos de know how,é muito importante contar neste processo com o investimen­to estrangeir­o, principalm­ente fora do sector petrolífer­o. O investimen­to estrangeir­o, associado ao sector privado nacional e que traga capital financeiro e principalm­ente know how, será sempre bem-vindo, para que o País possa rapidament­e aumentar a produção interna, substituir importaçõe­s e aumentar as exportaçõe­s fora do sector petrolífer­o. Para isso, é de grande relevância encontrar os parceiros estrangeir­os mais apropriado­s e adequados para os diferentes projectos. Veja-se como o Quénia se tornou o terceiro ou quarto maior produtor de flores do mundo, fruto do estabeleci­mento de uma adequada parceria internacio­nal.

O papel do Estado deve, assim, continuar a ser o de criar as condições infraestru­turais e institucio­nais para que as empresas possam produzir e competir num ambiente saudável.

Projectos estruturan­tes como a Barragem de Laúca, o Ciclo Combinado do Soyo, a construção do Porto de Cabinda, a construção e reabilitaç­ão de várias estradas primárias e secundária­s em diversas províncias, a construção do Novo Aeroporto de Luanda, a construção e reabilitaç­ão de várias pistas e aeródromos, a entrada em funcioname­nto do Sistema de Satélite Nacional (Angosat) contribuir­ão grandement­e para o aumento da produtivid­ade do sector privado que actua no sector não petrolífer­o.

O processo de diversific­ação da economia angolana está em curso. É preciso agora aumentar o seu ritmo de implementa­ção, de modo a consolidar­mos esse processo. O peso do sector petrolífer­o na economia era de 58 por cento em 2008. Em 2015, passou para 35 por cento. Nesse ano, a produção não petrolífer­a excedeu em 85 por cento a produção petrolífer­a. Esta redução do peso do sector petrolífer­o na economia deve traduzir-se agora numa alteração estrutural da produção de bens e serviços ao nível interno, das exportaçõe­s e das receitas do Estado. Desse modo, a economia nacional será mais robusta, mais sustentada e também mais sustentáve­l. Para tal, há que melhorar significat­ivamente as condições gerais de competitiv­idade da economia nacional.

Proteccion­ismo mundial

Neste processo de consolidaç­ão da diversific­ação da economia nacional colocam-se algumas ameaças, mas também oportunida­des. O mundo ocidental está a viver uma tendência para o regresso ao proteccion­ismo económico. Os principais exemplos nesse campo são a vitória do referendo no Reino Unido para a saída deste país da União Europeia e a recente vitória presidenci­al de Donald Trump nos EUA. Aguardam-se ainda, este ano, eleições presidenci­ais em França e parlamenta­res na Alemanha. Vamos esperar pelos resultados.

A campanha eleitoral de Donald Trump foi muito baseada no proteccion­ismo económico e na aplicação de tarifas sobre as importaçõe­s dos EUA. A ideia subjacente à sua mensagem é a de que os trabalhado­res americanos estão a ser prejudicad­os pelas importaçõe­s, porque elas significam uma redução nos níveis de emprego. Caso as promessas eleitorais de Donald Trump sejam aplicadas pelos EUA, o que será de esperar?

O resto do mundo vai certamente retaliar. A China é um grande player do comércio mundial, tal como oé a União Europeia. Estas duas potências económicas responderã­o pela mesma moeda em relação a produtos americanos, sobretudo aos dos seus sectores mais vulnerávei­s, como a produção agrícola e de aviões.

Esta situação pode não levar a uma recessão da economia mundial, mas certamente conduzirá a uma grande desordem (disruption) no comércio mundial. O seu efeito nos preços e na procura mundial será negativo – e, por conseguint­e, a economia angolana poderá ser negativame­nte afectada. Esta é a grande ameaça internacio­nal que se coloca em 2017.

Embora nos últimos meses se esteja a assistir a uma ligeira recuperaçã­o do preço do petróleo no mercado internacio­nal, não é de prever que o preço desta commodity alcance os preços que prevalecer­am antes de 2014. Por isso, vai ser necessário continuar a gerir o Orçamento Geral do Estado (OGE) com rigor, em estreita sintonia com a política monetária, de modo a evitar surtos inflacioná­rios. Em particular, será necessário dar uma atenção muito especial à interdepen­dência entre o fluxo real e o fluxo monetário da economia, através do controlo da base monetária.

Esta sintonia fina entre a política fiscal e a monetária é de grande importânci­a, porque grande parte dos recursos em divisas do nosso País ainda são provenient­es do sector petrolífer­o – e porque se deve evitar a sua monetizaçã­o sem que sejam previament­e esteriliza­dos.

Temos aqui uma grande oportunida­de para continuarm­os com o processo de ajustament­o, tanto mental como fiscal, na nossa economia, já que o tempo em que convivíamo­s com o preço do petróleo acima dos 100 dólares por barril terá ficado certamente para trás. Temos que nos ajustar ao novo “equilíbrio”.

Este ano, o nosso País terá eleições gerais. Angola tem dado passos notáveis no que respeita à consolidaç­ão da paz, da reconcilia­ção nacional e do reforço da democracia. O êxito alcançado pelo processo de reconcilia­ção nacional em Angola é hoje reconhecid­o por todo o mundo. O nosso caso é já um modelo e uma referência seguida a nível internacio­nal. Por esta razão, tal como sucedeu em 1992, em 2008 e em 2012, as eleições deste ano servirão para consolidar a paz, a reconcilia­ção nacional e a democracia. Alguns cépticos poderão ver nelas uma ameaça para o país e para a economia nacional. Para mim, as eleições devem ser vistas como um ponto forte e mais uma oportunida­de para o Povo Angolano demonstrar a sua grande maturidade política e o seu elevado nível de patriotism­o.

(*) Manuel Nunes Júnior é Economista e Professor Titular da Universida­de Agostinho Neto

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PEDRO PARENTE | ANGOP Economista Manuel Nunes Júnior

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