A consolidação da diversificação da economia
Numa economia existem três agentes fundamentais: as Famílias, as Empresas e o Estado. Cada um destes agentes exerce funções específicas e importantes que geram os chamados fluxo real e fluxo monetário da economia. O fluxo real determina a produção de bens e serviços, entre os quais estão a alimentação, o vestuário, a saúde, a educação e os transportes. O rendimento nacional é o resultado da venda dos bens e serviços e serve depois para remunerar os factores de produção possuídos pelas famílias que são usados no processo de produção – terra, capital e trabalho. Este é o fluxo monetário.
É a interdependência entre o fluxo real e fluxo monetário, bem como a caracterização destas duas grandes movimentações, que fundamentam um sistema económico.
A diversificação da economia angolana tem a ver com o fluxo real da economia. O que se pretende é tornar a parte real da economia cada vez mais robusta, competitiva e menos dependente dos recursos do petróleo. Trata-se de um desafio fundamental, por duas razões:
Em primeiro lugar, a diversificação económica permite aumentar as oportunidades existentes na sociedade, de modo a que os cidadãos e as famílias possam prosperar e melhorar o seu bem-estar e a sua qualidade de vida. O sector petrolífero é, nesta matéria, importante porque é um sector de capital intensivo, e por isso cria muito poucos postos de trabalho.
Em segundo lugar, a diversificação permite garantir o equilíbrio entre o fluxo real e o fluxo monetário e assegurar o equilíbrio macroeconómico e a estabilidade da moeda nacional. A base monetária existente na economia tem de estar em correspondência com o fluxo real. Se a base monetária for superior ao fluxo real, estaremos perante um ambiente caracterizado por pressões inflacionárias.
Para a consolidação do processo de diversificação da economia em 2017 é importante que se continue a reforçar o papel do sector privado, como seu principal agente. As sociedades são tão mais capazes de garantir o bem-estar e a prosperidade dos seus cidadãos quanto mais inclusivas forem do ponto de vista político e económico. É preciso que cada cidadão encontre na sociedade um espaço de oportunidades iguais em que possa evidenciar o seu talento e, por mérito próprio, prosperar em qualquer domínio da vida. Num ambiente deste tipo aprofunda-se a competição económica na sociedade e haverá maior eficiência no processo de criação da riqueza nacional associado a um maior nível de inclusão económica.
Apenas em ambientes de abertura, de competição, de oportunidades iguais e de inclusão económica pode ser aplicado o princípio económico da “destruição criativa” avançado pelo célebre economista austríaco Joseph Shumpeter. As mudanças tecnológicas são incessantes. Muitos negócios vão à falência vítimas da inovação por parte dos competidores. Neste processo, enquanto alguns vêem os seus negócios destruídos devido à inovação, outros prosperam. Daí o termo aparentemente contraditório de “destruição criativa”.
É neste ambiente de “destruição criativa” que é possível surgirem talentos geniais como os de Bill Gates, Steve Jobs e outros mestres da inovação. Por esta razão, para garantirmos um crescimento sustentado da economia de Angola temos que, crucialmente, continuar a criar as condições para desenvolvermos uma economia de mercado dinâmica, competitiva, inclusiva, com igualdade de oportunidades de acesso aos meios de produção por parte dos cidadãos e das empresas. Noutras palavras, importa promover uma economia que contenha as bases para a inovação, para o surgimento incessante de novas ideias e que, assim, possa crescer de modo perpétuo.
Distribuição do rendimento
A razão para o crescimento perpétuo das Nações são as ideias, e não os bens materiais. Os bens materiais desgastam-se com o tempo e perdem valor, ao passo que a capacidade humana em criar novas ideias é infinita.
O aumento do rendimento nacional fora do sector petrolífero assume uma importância crucial, porque, para além de aumentar a quantidade de bens e serviços produzidos domesticamente, aumenta também o emprego e o rendimento das famílias, por via de melhores salários. Não há dúvida de que o aumento do emprego e dos salários é a melhor forma de distribuir o rendimento nacional e de combater a pobreza, por conseguinte, a desigualdade social.
É assim em todo o mundo. A desigualdade na Europa diminuiu de modo muito significativo com o crescimento económico e o emprego que se seguiu à II Guerra Mundial. Foi nessa altura que a classe média na maior parte dos países ocidentais cresceu enormemente e se consolidou. Antes disso, a classe média na Europa era virtualmente inexistente.
Tendo em conta as insuficiências que o nosso País ainda apresenta em termos de know how,é muito importante contar neste processo com o investimento estrangeiro, principalmente fora do sector petrolífero. O investimento estrangeiro, associado ao sector privado nacional e que traga capital financeiro e principalmente know how, será sempre bem-vindo, para que o País possa rapidamente aumentar a produção interna, substituir importações e aumentar as exportações fora do sector petrolífero. Para isso, é de grande relevância encontrar os parceiros estrangeiros mais apropriados e adequados para os diferentes projectos. Veja-se como o Quénia se tornou o terceiro ou quarto maior produtor de flores do mundo, fruto do estabelecimento de uma adequada parceria internacional.
O papel do Estado deve, assim, continuar a ser o de criar as condições infraestruturais e institucionais para que as empresas possam produzir e competir num ambiente saudável.
Projectos estruturantes como a Barragem de Laúca, o Ciclo Combinado do Soyo, a construção do Porto de Cabinda, a construção e reabilitação de várias estradas primárias e secundárias em diversas províncias, a construção do Novo Aeroporto de Luanda, a construção e reabilitação de várias pistas e aeródromos, a entrada em funcionamento do Sistema de Satélite Nacional (Angosat) contribuirão grandemente para o aumento da produtividade do sector privado que actua no sector não petrolífero.
O processo de diversificação da economia angolana está em curso. É preciso agora aumentar o seu ritmo de implementação, de modo a consolidarmos esse processo. O peso do sector petrolífero na economia era de 58 por cento em 2008. Em 2015, passou para 35 por cento. Nesse ano, a produção não petrolífera excedeu em 85 por cento a produção petrolífera. Esta redução do peso do sector petrolífero na economia deve traduzir-se agora numa alteração estrutural da produção de bens e serviços ao nível interno, das exportações e das receitas do Estado. Desse modo, a economia nacional será mais robusta, mais sustentada e também mais sustentável. Para tal, há que melhorar significativamente as condições gerais de competitividade da economia nacional.
Proteccionismo mundial
Neste processo de consolidação da diversificação da economia nacional colocam-se algumas ameaças, mas também oportunidades. O mundo ocidental está a viver uma tendência para o regresso ao proteccionismo económico. Os principais exemplos nesse campo são a vitória do referendo no Reino Unido para a saída deste país da União Europeia e a recente vitória presidencial de Donald Trump nos EUA. Aguardam-se ainda, este ano, eleições presidenciais em França e parlamentares na Alemanha. Vamos esperar pelos resultados.
A campanha eleitoral de Donald Trump foi muito baseada no proteccionismo económico e na aplicação de tarifas sobre as importações dos EUA. A ideia subjacente à sua mensagem é a de que os trabalhadores americanos estão a ser prejudicados pelas importações, porque elas significam uma redução nos níveis de emprego. Caso as promessas eleitorais de Donald Trump sejam aplicadas pelos EUA, o que será de esperar?
O resto do mundo vai certamente retaliar. A China é um grande player do comércio mundial, tal como oé a União Europeia. Estas duas potências económicas responderão pela mesma moeda em relação a produtos americanos, sobretudo aos dos seus sectores mais vulneráveis, como a produção agrícola e de aviões.
Esta situação pode não levar a uma recessão da economia mundial, mas certamente conduzirá a uma grande desordem (disruption) no comércio mundial. O seu efeito nos preços e na procura mundial será negativo – e, por conseguinte, a economia angolana poderá ser negativamente afectada. Esta é a grande ameaça internacional que se coloca em 2017.
Embora nos últimos meses se esteja a assistir a uma ligeira recuperação do preço do petróleo no mercado internacional, não é de prever que o preço desta commodity alcance os preços que prevaleceram antes de 2014. Por isso, vai ser necessário continuar a gerir o Orçamento Geral do Estado (OGE) com rigor, em estreita sintonia com a política monetária, de modo a evitar surtos inflacionários. Em particular, será necessário dar uma atenção muito especial à interdependência entre o fluxo real e o fluxo monetário da economia, através do controlo da base monetária.
Esta sintonia fina entre a política fiscal e a monetária é de grande importância, porque grande parte dos recursos em divisas do nosso País ainda são provenientes do sector petrolífero – e porque se deve evitar a sua monetização sem que sejam previamente esterilizados.
Temos aqui uma grande oportunidade para continuarmos com o processo de ajustamento, tanto mental como fiscal, na nossa economia, já que o tempo em que convivíamos com o preço do petróleo acima dos 100 dólares por barril terá ficado certamente para trás. Temos que nos ajustar ao novo “equilíbrio”.
Este ano, o nosso País terá eleições gerais. Angola tem dado passos notáveis no que respeita à consolidação da paz, da reconciliação nacional e do reforço da democracia. O êxito alcançado pelo processo de reconciliação nacional em Angola é hoje reconhecido por todo o mundo. O nosso caso é já um modelo e uma referência seguida a nível internacional. Por esta razão, tal como sucedeu em 1992, em 2008 e em 2012, as eleições deste ano servirão para consolidar a paz, a reconciliação nacional e a democracia. Alguns cépticos poderão ver nelas uma ameaça para o país e para a economia nacional. Para mim, as eleições devem ser vistas como um ponto forte e mais uma oportunidade para o Povo Angolano demonstrar a sua grande maturidade política e o seu elevado nível de patriotismo.
(*) Manuel Nunes Júnior é Economista e Professor Titular da Universidade Agostinho Neto