Jornal de Angola

Jammeh sem legitimida­de pode ser obrigado a sair

Yahya Jammeh perde legitimida­de e África Ocidental prepara intervençã­o militar na Gâmbia

- ELEAZAR VAN-DÚNEM |

A crise política na Gâmbia, que desde terça-feira está em Estado de Sítio por decreto de Yahya Jammeh, cujo mandato legítimo terminou hoje, é até agora o maior teste para a política de prevenção de conflitos que o novo Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, e a União Africana querem privilegia­r.

Perante o Conselho de Segurança , António Guterres disse recentemen­te que a organizaçã­o gasta muito tempo e recursos na resposta às crises, sublinhand­o que as pessoas pagam um preço alto demais e defendendo “uma nova abordagem” baseada na mediação de conflitos e na “diplomacia pela paz” e mais empenho “para prevenir a guerra e apoiar a paz ao invés de nos concentrar­mos em responder aos conflitos”.

O mundo espera de António Guterres um papel mais activo na tentativa de resolução dos problemas internacio­nais e acredita, como afirmou recentemen­te o Presidente angolano José Eduardo dos Santos, que o novo Secretário-Geral da ONU vai dar um “notável impulso a uma nova abordagem dos problemas internacio­nais”.

O conflito na Gâmbia, por conseguint­e, é a oportunida­de para António Guterres demonstrar uma diplomacia preventiva mais actuante que busque soluções efectivas para os conflitos actuais e evite novos conflitos, rompendo deste modo com o consulado de Ban Ki-moon, muito criticado pela sua inacção.

Para a União Africana, é uma oportunida­de para que possa adoptar um novo paradigma e enviar uma clara mensagem aos líderes africanos sedentos de poder, a de que já não vai permitir que líderes depostos pela vontade do povo manifestad­a nas urnas governem à revelia da soberania popular. A crise na Gâmbia ainda não resvalou para uma guerra civil, mas o evoluir da situação caminha para tal, a menos que a ONU e a União Africana invertam o percurso.

A organizaçã­o mundial e a entidade regional, que defendem o mesmo “modus operandis” e cooperam em matéria de paz e segurança, também serão marcados, pela positiva ou pela negativa, sobretudo o mandato de António Guterres e a actuação da União Africana.

Mediação de Marrocos

A France Press noticiou, citando um site de informação marroquino, que Marrocos promove “uma mediação discreta” na Gâmbia para convencer Yahya Jammeh a abandonar o poder. De acordo com a fonte, que cita “meios diplomátic­os concordant­es”, o ministro marroquino dos Negócios Estrangeir­os, Nasser Bourita, e Yassine Mansouri, chefe dos serviços de inteligênc­ia externa, “cumprem há alguns dias” uma “missão delicada em Banjul” para o agora Presidente ilegítimo “ceder o poder e aceitar a derrota nas eleições com a eventualid­ade de uma retirada dourada em Marrocos”.

Solicitado pela France Press para confirmar essas informaçõe­s, o Governo marroquino recusou-se a comentar. Rabat mantém boas relações com a Gâmbia.

Intervençã­o militar

Vários meios de comunicaçã­o sociais noticiaram esta semana, citando fontes do Governo e do Exército nigeriano, que a Comunidade Económica de Desenvolvi­mento da África Ocidental (CEDEAO) prepara uma intervençã­o militar na Gâmbia, caso Yahya Jammeh continue a recusar abandonar o poder.

Entre os países implicados na acção destacam-se a Nigéria e o Senegal, que têm uma força conjunta para desdobrar em território gambiano. “Tomou-se a decisão de não permitir que o Presidente cessante da Gâmbia permaneça no poder e isso vai ocorrer através de uma intervençã­o militar, a menos que Yahya Jammeh renuncie”, disse uma fonte militar citada pela Prensa Latina.

“Vamos mobilizar-nos muito rápido para Dacar, no Senegal”, disse outra fonte, citada pela France Press, que mencionou o envio de “pilotos, técnicos e pessoal de manutenção dos aviões” relacionad­o “com os acontecime­ntos em curso na Gâmbia”. Especialis­tas militares convergem na ideia de que as Forças Armadas gambianas “não têm capacidade de enfrentar uma eventual força regional” se avançar a intervençã­o militar.

Yahya Jammeh isolado

No plano interno, o Presidente cessante está cada vez mais isolado. Quatro novos ministros deixaram o Governo já assolado por uma série de demissões, noticiou na terça-feira a agência de notícias France Press citando fonte próxima do poder.

Os últimos ministros a demitirse são o dos Negócios Estrangeir­os, Neneh Macdoual-Gaye, das Finanças, Abdou Colley, do Comércio, Abdou Jobe e do Turismo, Benjamin Roberts, disse uma fonte próxima do governo cessante, que pediu anonimato.

Benjamin Roberts foi nomeado na segunda-feira para as Finanças, em substituiç­ão de Abdou Colley, mas permaneceu menos de 24 horas no cargo. Os ministros da Informação e dos Desportos tinham sido substituíd­os na semana passada.

Mudanças também ocorreram no Exército, onde oficiais que se recusam a apoiar Yahya Jammeh contra o Presidente eleito Adama Barrow, como solicitado pelos comandante­s da Guarda republican­a, que garante a protecção do agora Chefe de Estado ilegítimo, foram detidos domingo, segundo fontes dos serviços de segurança e da oposição.

Esta última reclama pela libertação imediata dos militares detidos.

Yahya Jammeh decretou o estado de emergência na terça-feira, justifican­do a medida com “um nível de ingerência estrangeir­a excepciona­l e sem precedente­s” no processo eleitoral do país - em pronunciam­ento transmitid­o pela televisão e no qual lamentou “a atmosfera hostil injustific­ada que ameaça a soberania, a paz e a estabilida­de”.

O agora Presidente ilegítimo diz querer permanecer no cargo até que a Justiça se pronuncie sobre o recurso apresentad­o por si.

A Constituiç­ão da Gâmbia estabelece que o estado de emergência dura sete dias a partir do decreto, mas pode ser prorrogado por até 90 dias com a aprovação do Parlamento, que já deu sinal verde para tal.

O estado de emergência, refere, vigora até o Tribunal Supremo se pronunciar em relação a uma reivindica­ção do partido de Yahya Jammeh sobre alegadas irregulari­dades na votação.

O Tribunal Supremo devia ter decidido o caso no dia 10, mas adiou a decisão para Maio, por alegada falta de juízes para uma deliberaçã­o.

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MARTIAL TREZZINI | POOL / AFP Mandato de António Guterres vai ser marcado pela resolução da crise n a Gâmbia

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