Aposta na produção de farinha reduz preço do pão no mercado
Ultrapassados os problemas que conduziram a uma escalada especulativa do preço da farinha e do pão, aos esforços do Executivo destinados a evitar a repetição de tal quadro junta-se agora a Associação dos Industriais da Panificação e Pastelarias de Angola (AIPPA), que promete relançar dentro dos próximos dois anos parte considerável das moageiras de trigo espalhadas pelo país para reduzir a dependência do sector às importações.
O objectivo é manter a estabilidade do mercado e evitar eventuais vagas especulativas com uma possível oscilação no fornecimento de farinha de trigo, bem como inverter a tendência de importação para dar lugar à produção nacional. Mas mais do que isso, com a reactivação das moageiras pretende-se reactivar no seio dos agricultores e camponeses nacionais a tradição da produção e cultivo do trigo.
Em meados de 2016, o preço do saco de farinha registou uma subida brusca que foi travada em Setembro com a intervenção do Entreposto Aduaneiro de Angola que injectou quantidades consideráveis do produto no mercado. Fruto disso, o preço do saco de 50 quilos passou de 27 mil kwanzas para os seis mil ou sete mil kwanzas, resultando daí a queda do preço do pão. “Não podemos dizer que está muito bem. Mas é o possível. Vamos continuar a lutar para engrandecer e desenvolver ainda mais o nosso sector de produção”, diz, em entrevista ao Jornal de Angola, o presidente da Associação dos Industriais de Panificação e Pastelarias de Angola (AIPPA), Gilberto Simão, para quem o preço do pão devia estar abaixo dos 15 kwanzas e “mesmo assim não seria o preço justo”.
Para garantir que os objectivos traçados são atingidos, a Associação mantém um diálogo estreito e permanente com parceiros e governos provinciais para a reactivação das moageiras. No Huambo, uma província considerada, em tempos idos, o segundo parque industrial do país, as conversações com o Governo Provincial são descritas como frutíferas. Em breve começam a ser feitos estudos de viabilidade técnica para recuperação e consequente reactivação da moageira Venâncio Guimarães Sobrinho, paralisada desde 1990. Além desta e também por reactivar está a moageira do Kanine, paralisada desde 1992.
Em Luanda, além de outras, está prevista a recuperação da moageira Koaba, localizada em Viana. No Lubango, para além da recuperação de algumas moageiras, está prevista a construção de uma unidade de médio porte junto do Caminho de Ferro de Moçâmedes, num terreno vasto pertencente à Associação. A capacidade média prevista para cada moageira é de aproximadamente 200 toneladas por dia.
“Muitas destas fábricas vão ter de ser substituídas na totalidade, pois encontram-se obsoletas”, admite Gilberto Simão. “Se pudermos recuperar, melhor, mas se tivermos de construir, vamos avançar. Queremos parcerias neste processo de recuperação. Não queremos expropriar ninguém, apenas queremos trabalhar no relançamento da produção nacional”, sublinha.
Para estabilizar o mercado e a indústria de panificação no país, são necessárias 500 a 600 toneladas de farinha de trigo por ano, o que abre um grande espaço para a produção nacional, num movimento que pretende inverter o quadro do nível de importação. Além disso, com a produção local de farinha, pretende-se relançar o cultivo de trigo junto dos agricultores, quer organizados em cooperativas quer a título individual. Reactivadas as moageiras, a associação quer incentivar, numa primeira fase, a importação de trigo que vai passar a ser moído e transformado em farinha no país.
“Os nossos agricultores deixaram de cultivar trigo porque não havia moageiras. Queremos recuperar esta tradição no país. Estamos a negociar, estamos a trabalhar à velocidade cruzeiro para isso. Já temos consultores e parceiros”, assegura Gilberto Simão.
Neste momento, Luanda tem perto de 500 panificadoras. Até há pouco tempo eram apenas 100. O aumento deveu-se ao facto de a Associação ter conseguido um importante acordo com o Entreposto Aduaneiro que passou a incluir no leque de importações dos produtos da cesta básica a farinha de trigo, o que contribuiu para a baixa do seu preço. Em cada uma das províncias a média dos industriais filiados na associação ronda os 50. “Se tivermos um “plafond” em divisas para a aquisição de peças e sobressalentes para os nossos equipamentos, podemos chegar aos mil filiados”, disse, manifestando a intenção de a associação importar mais fornos e assim massificar as padarias nos bairros, o que, a ser concretizado, aumenta o acesso do cidadão ao pão e conduz à baixa do seu preço. “Queremos o pão abaixo dos 15 kwanzas. Mesmo assim, o preço não seria justo. Queremos que o preço seja justo”, salienta.
“A AIPPA e o Entreposto Aduaneiro celebraram um acordo para que, além da cesta básica, este passasse a importar também farinha de trigo. Isso levou a que o preço do saco de 50 quilos baixasse de 27 para seis mil kwanzas. Antes, aqueles que acediam a divisas e que por isso conseguiam importar farinha praticavam preços que bem entendessem. Quando o entreposto começou a importar farinha, os empresários desonestos tiveram de começar a vender a preços baixos”, lembra, afirmando que na cadeia de produção do pão não se deve ter apenas em conta a farinha de trigo, mas também outros ingredientes.
Há uma tendência de deixar os demais ingredientes quase à margem no leque das importações. Por isso, Gilberto Simão defende o aumento da importação desses bens. Mas mais do que isso, a instalação de fábricas de fermentos, sal e outros ingredientes que concorrem para a produção do pão no país.
Assembleia-geral
No último sábado, a AIPPA realizou uma assembleia-geral com os industriais de todo o país para criar a Cooperativa da Associação das Indústrias de Panificação e Pastelaria de Angola (CAIPPA). Com a cooperativa, que conta também com uma central de compras, o
objectivo é materializar os projectos dos filiados junto do Governo, principalmente a importação de matéria-prima e equipamentos. O cenário não é favorável, pois há dificuldades como por exemplo casos em que uma padaria pode paralisar a produção por falta de um parafuso ou de uma pequena peça. “A AIPPA não pode comprar farinha de trigo em nome dos industriais, mas com uma cooperativa já é possível. Achamos que vai ser o nosso elo e vamos ser nós a dialogar com o Governo para a aquisição das nossas matérias primas e equipamentos”, explica Gilberto Simão que reconhece o apoio do Executivo na estabilidade do sector da panificação no país.
“Com a cooperativa vai ser possível ter alguma regularidade no fornecimento. Se houver falha, os preços voltam a subir de novo”, sublinha o empresário para quem não se justifica que o preço do pão exceda os 20 kwanzas, olhando para aquilo que é a estrutura de custos e do preço da farinha de trigo, o principal ingrediente. AAIPPA é, à semelhança de outras centenas de associações e fóruns, membro da Confederação Empresarial de Angola (CEA).
Empresários nacionais
Num cenário de incerteza económica, de inúmeros obstáculos e dificuldades impostas por razões que a todos ultrapassam, os empresários nacionais de Cabinda ao Cunene e do mar ao leste estão agora organizados em confederação, uma nova abordagem e uma nova forma de atacar as adversidades que afectam a vida empresarial angolana.
A Confederação Empresarial de Angola (CEA), que tem como pano de fundo o lema “Unidos na adversidade”, foi proclamada na última sexta-feira, em Viana, Luanda, e manifestou intenção de ser o interlocutor válido dos associados junto do Executivo. A CEA quer ter com o Executivo um diálogo institucionalizado e regular com vista a uma agenda comum. O presidente da CEA é Francisco Viana, o também presidente da Associação Empresarial de Luanda.
“Vamos partir para uma fase de mais diálogo com o Estado. Apresentámos uma proposta para que o diálogo que já existe seja institucionalizado. O objectivo é que seja possível seguir uma agenda comum que abranja todos os assuntos que preocupem o Governo e os empresários”, disse ao Jornal de Angola, Francisco Viana. Para o efeito, salienta, é necessário mais espaço na concertação social. É o que pedem os empresários, é o novo desafio que têm em mãos. Após a proclamação da CEA, que conta agora com associações, cooperativas e fóruns empresariais do Huambo, Benguela, Uíge, Moxico, Namibe, Huíla, Cabinda, Luanda, Cunene, Cuando Cubango, os empresários expressaram ao detalhe e uma a uma as dificuldades que passam. O receio de alguns é atingir, com o prolongar da situação económica desfavorável, o estado de paralisia, despedir trabalhadores e fechar empresas. O denominador comum neste cenário tem sido até agora a falta de divisas. Por isso, não tar- dam sugestões. A criação de centrais de compras e cooperativas e um estudo minucioso de como as divisas devem chegar às cooperativas são algumas das sugestões. “A nossa ideia é trabalhar para que todos aqueles empresários que produzem riqueza tenham acesso a cambiais e assim continuem a desempenhar o seu papel em cooperativas de agricultores, avicultores e outras sectoriais”, realça Francisco Viana, que acrescenta ser fundamental elevar o nível de capacitação das associações empresariais no país.
Embora não tenha avançado datas, o presidente da CEA fala na realização, nos próximos tempos, de um congresso sobre Produção Nacional. O objectivo é debater sobre o que é feito no país, como elevar a qualidade e como tornála competitiva. Melhorar o problema das embalagens, divisas e fortalecer a parceria com a APIEX, são outros desafios a ter em conta. “Com ou sem petróleo vamos levantar a cabeça. O que se passa é que não fazemos ideia do que produzimos no país. O mais importante é mudarmos as mentalidades e sabermos que não podemos mais viver do petróleo. Esta crise está a ser a maior oportunidade que já tivemos. Vamos aproveitar”, defende.
A confederação empresarial angolana vai manter parceria com a Associação Empresarial de Portugal, com o Instituto BrasilÁfrica e a Associação Empresarial da África Ocidental. No âmbito da consultoria, quer a criação de um gabinete para apoiar as associações de empresários e a criação de uma câmara de mediação e arbitragem empresarial. Com tudo isso, a CEA pretende contribuir para a elevação do ambiente de negócios em Angola, numa altura em que a nível do “doing business”, Angola encontra-se na 183.ª posição num conjunto de 190 países.
O vice-governador provincial de Luanda para a Esfera Económica, José Cerqueira, fala das vantagens que a CEA pode proporcionar aos filiados, realçando as parcerias que podem ser estabelecidas com o Estado no aprofundamento e alargamento das forças do mercado sem descurar o diálogo que pode ser mantido entre Governo e a confederação. Já o ministro da Geologia e Minas, Francisco Queiroz, ao referir-se ao acto de proclamação e tomada de posse do corpo directivo da CEA, considera ser uma manifestação de democracia, sublinhando de que o Estado vai sempre precisar de estabelecer parcerias com os empresários e um interlocutor válido como a confederação.
Negócios no Huambo
O Fórum Empresarial do Huambo, fundado em 1999 e integrado por 12 associações empresariais de diversos sectores, faz parte da CEA. O presidente do fórum empresarial da província do planalto central, Monteiro Daniel Chissoca, fala das dificuldades com que se debate a classe empresarial do Huambo. Por ser uma província do interior, diz Monteiro Daniel Chissoca, estas dificuldades agravamse ainda mais devido às condições geográficas e de infra-estruturas. “Temos os portos no litoral de que depende também a importação de bens para o Huambo apesar do seu potencial produtivo baseado na agricultura”, nota Monteiro Daniel Chissoca, para quem a lembrança de que o Huambo já tinha sido em anos idos o segundo parque industrial de Angola sempre surge inadvertidamente à memória.
A dificuldade no acesso a divisas torna crítica a situação da classe empresarial no Huambo, à semelhança do que ocorre com homens de negócios de outras partes do país. “Quando falamos do acesso a divisas não estamos a referir-nos a dinheiro para importação de comida. Não é este o caso. Referimonos à importação de sobressalentes para equipamentos das poucas indústrias que existem e de fertilizantes e mecanização”, esclarece.
Além disso, colocam-se também problemas de mercado. Se por um lado conseguem fazer alguma produção, por outro, o problema que se coloca tem a ver com o escoamento e venda desses produtos para outras províncias, principalmente Luanda. Existem problemas nas vias de comunicação, algumas das quais em estado avançado de degradação. “Não podemos esquecer o que tem sido o apoio do Executivo ao nível da importação de “inputs” e de fertilizantes para a agricultura, mas é um processo que chega extremamente tarde”, diz Monteiro Daniel Chissoca, para acrescentar: “Quando os fertilizantes nos chegam à mão, a época da sementeira já passou, é muito difícil trabalhar assim. Queremos dialogar com o Executivo a ver se há possibilidade de se acelerar o processo, pois a agricultura tem épocas e se elas não forem cumpridas não se faz agricultura.”
Situação empresarial na Huíla
A vice-presidente da Associação Agropecuária, Comercial e Industrial da Huíla (AAPCIL), Filomena Oliveira, realça o papel da classe empresarial na criação de rendimentos e empregos, factores decisivos para o combate à pobreza, que aumenta ou diminui de acordo com o nível de emprego criado. A AAPCIL é constituída por 600 associações sectoriais e deve, em breve, evoluir para uma Federação Regional Sul, abarcando Namibe, Cunene, Cuando Cubango. AAssociação existe há 25 anos.
Num breve comentário sobre a CEA, Filomena Oliveira diz que a confederação vai levar a que os interesses comuns, transversais e de foro nacional sejam melhor representados e defendidos de Cabinda ao Cunene sem descurar os problemas locais e regionais. “Estamos a trabalhar nos estatutos para federação regional sul dos empresários. O objectivo é melhorar a organização e defender os interesses empresariais na região e melhor apresentar ou colocar os problemas que afectam a região sul”, realça, para sublinhar o facto de o Estado estar a dever milhões a micro, pequenas e médias empresas, um quadro que leva muitas delas a despedir pessoal e a fechar portas. “Encerrámos 200 empresas no ano passado devido à acção mecânica da implementação do Código Tributário por parte da Administração Geral Tributária (AGT)”, diz Filomena Oliveira que considera precária a situação dos empresários na Huíla.
“Pedimos um segundo perdão fiscal porque não faz sentido que estando as empresas a fechar, esteja a AGT a pegar num código que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2015 e a actuar de modo retroactivo, ou seja, revendo todos os processos dos anos anteriores”, nota, para acrescentar que o Código Tributário é um instrumento novo e não houve formação das associações empresariais sobre a matéria. “Queremos sentar-nos com a AGT e definir o futuro, pois o legislador não é perfeito, mas é preciso sentar e conversar. Trata-se do nosso país, da nossa casa, no fim do dia a família tem de conversar.”
A AGT, refere Filomena Oliveira, tem dado ênfase à procura da multa e dos juros, o que está a levar ao encerramento das empresas. “Quando o Estado pagar a dívida que tem para com as pequenas e médias empresas tal não vai reflectir a desvalorização da moeda e muito menos pagar juros. Estamos descapitalizados. A situação actual é sensível”, indica Filomena Oliveira, para quem está na hora de acabar com o desgastante nível de burocracia. “Precisamos de ter tempo para tratarmos da criatividade e inovação e assim contribuirmos para a saída da crise.”
A Associação de Hotéis, Restaurantes e Similares integra também a CEA. Das vantagens da confederação empresarial, João Gonçalves, presidente da associação, não se esquece. Diz que o sector hoteleiro e de restauração no país está cada vez mais fortalecido e fala do surgimento de mais uma associação especializada em cozinhas, uma forma de elevar o nível do sector no país, mas não abre mão da defesa de que é também necessária uma irrepreensível elevação da gastronomia angolana no mundo.
“O que se pretende com a associação é atribuir o estatuto de chefe de cozinha a quem realmente tenha habilidades para o efeito e que seja eficiente para um grupo heterogéneo. Quer-se também incentivar a gastronomia nacional. Queremos chegar a um nível em que quando recebermos um turista seja de que nacionalidade for encontre conforto em todos os sentidos”, diz João Gonçalves.
Queremos, prossegue, que o turista encontre não só conforto em termos de quartos mas também de alimentação que deve ser preferencialmente a nossa. Até as pessoas que cozinham nas ruas, quintais, praças e barracas devem ter o essencial de conhecimentos em higiene alimentar para evitar salmonetes e outras bactérias nos alimentos, defende JoãoGonçalves.