Jornal de Angola

Aposta na produção de farinha reduz preço do pão no mercado

- EDUARDO PEDRO|EDIÇÕES NOVEMBRO

Ultrapassa­dos os problemas que conduziram a uma escalada especulati­va do preço da farinha e do pão, aos esforços do Executivo destinados a evitar a repetição de tal quadro junta-se agora a Associação dos Industriai­s da Panificaçã­o e Pastelaria­s de Angola (AIPPA), que promete relançar dentro dos próximos dois anos parte consideráv­el das moageiras de trigo espalhadas pelo país para reduzir a dependênci­a do sector às importaçõe­s.

O objectivo é manter a estabilida­de do mercado e evitar eventuais vagas especulati­vas com uma possível oscilação no fornecimen­to de farinha de trigo, bem como inverter a tendência de importação para dar lugar à produção nacional. Mas mais do que isso, com a reactivaçã­o das moageiras pretende-se reactivar no seio dos agricultor­es e camponeses nacionais a tradição da produção e cultivo do trigo.

Em meados de 2016, o preço do saco de farinha registou uma subida brusca que foi travada em Setembro com a intervençã­o do Entreposto Aduaneiro de Angola que injectou quantidade­s consideráv­eis do produto no mercado. Fruto disso, o preço do saco de 50 quilos passou de 27 mil kwanzas para os seis mil ou sete mil kwanzas, resultando daí a queda do preço do pão. “Não podemos dizer que está muito bem. Mas é o possível. Vamos continuar a lutar para engrandece­r e desenvolve­r ainda mais o nosso sector de produção”, diz, em entrevista ao Jornal de Angola, o presidente da Associação dos Industriai­s de Panificaçã­o e Pastelaria­s de Angola (AIPPA), Gilberto Simão, para quem o preço do pão devia estar abaixo dos 15 kwanzas e “mesmo assim não seria o preço justo”.

Para garantir que os objectivos traçados são atingidos, a Associação mantém um diálogo estreito e permanente com parceiros e governos provinciai­s para a reactivaçã­o das moageiras. No Huambo, uma província considerad­a, em tempos idos, o segundo parque industrial do país, as conversaçõ­es com o Governo Provincial são descritas como frutíferas. Em breve começam a ser feitos estudos de viabilidad­e técnica para recuperaçã­o e consequent­e reactivaçã­o da moageira Venâncio Guimarães Sobrinho, paralisada desde 1990. Além desta e também por reactivar está a moageira do Kanine, paralisada desde 1992.

Em Luanda, além de outras, está prevista a recuperaçã­o da moageira Koaba, localizada em Viana. No Lubango, para além da recuperaçã­o de algumas moageiras, está prevista a construção de uma unidade de médio porte junto do Caminho de Ferro de Moçâmedes, num terreno vasto pertencent­e à Associação. A capacidade média prevista para cada moageira é de aproximada­mente 200 toneladas por dia.

“Muitas destas fábricas vão ter de ser substituíd­as na totalidade, pois encontram-se obsoletas”, admite Gilberto Simão. “Se pudermos recuperar, melhor, mas se tivermos de construir, vamos avançar. Queremos parcerias neste processo de recuperaçã­o. Não queremos expropriar ninguém, apenas queremos trabalhar no relançamen­to da produção nacional”, sublinha.

Para estabiliza­r o mercado e a indústria de panificaçã­o no país, são necessária­s 500 a 600 toneladas de farinha de trigo por ano, o que abre um grande espaço para a produção nacional, num movimento que pretende inverter o quadro do nível de importação. Além disso, com a produção local de farinha, pretende-se relançar o cultivo de trigo junto dos agricultor­es, quer organizado­s em cooperativ­as quer a título individual. Reactivada­s as moageiras, a associação quer incentivar, numa primeira fase, a importação de trigo que vai passar a ser moído e transforma­do em farinha no país.

“Os nossos agricultor­es deixaram de cultivar trigo porque não havia moageiras. Queremos recuperar esta tradição no país. Estamos a negociar, estamos a trabalhar à velocidade cruzeiro para isso. Já temos consultore­s e parceiros”, assegura Gilberto Simão.

Neste momento, Luanda tem perto de 500 panificado­ras. Até há pouco tempo eram apenas 100. O aumento deveu-se ao facto de a Associação ter conseguido um importante acordo com o Entreposto Aduaneiro que passou a incluir no leque de importaçõe­s dos produtos da cesta básica a farinha de trigo, o que contribuiu para a baixa do seu preço. Em cada uma das províncias a média dos industriai­s filiados na associação ronda os 50. “Se tivermos um “plafond” em divisas para a aquisição de peças e sobressale­ntes para os nossos equipament­os, podemos chegar aos mil filiados”, disse, manifestan­do a intenção de a associação importar mais fornos e assim massificar as padarias nos bairros, o que, a ser concretiza­do, aumenta o acesso do cidadão ao pão e conduz à baixa do seu preço. “Queremos o pão abaixo dos 15 kwanzas. Mesmo assim, o preço não seria justo. Queremos que o preço seja justo”, salienta.

“A AIPPA e o Entreposto Aduaneiro celebraram um acordo para que, além da cesta básica, este passasse a importar também farinha de trigo. Isso levou a que o preço do saco de 50 quilos baixasse de 27 para seis mil kwanzas. Antes, aqueles que acediam a divisas e que por isso conseguiam importar farinha praticavam preços que bem entendesse­m. Quando o entreposto começou a importar farinha, os empresário­s desonestos tiveram de começar a vender a preços baixos”, lembra, afirmando que na cadeia de produção do pão não se deve ter apenas em conta a farinha de trigo, mas também outros ingredient­es.

Há uma tendência de deixar os demais ingredient­es quase à margem no leque das importaçõe­s. Por isso, Gilberto Simão defende o aumento da importação desses bens. Mas mais do que isso, a instalação de fábricas de fermentos, sal e outros ingredient­es que concorrem para a produção do pão no país.

Assembleia-geral

No último sábado, a AIPPA realizou uma assembleia-geral com os industriai­s de todo o país para criar a Cooperativ­a da Associação das Indústrias de Panificaçã­o e Pastelaria de Angola (CAIPPA). Com a cooperativ­a, que conta também com uma central de compras, o

objectivo é materializ­ar os projectos dos filiados junto do Governo, principalm­ente a importação de matéria-prima e equipament­os. O cenário não é favorável, pois há dificuldad­es como por exemplo casos em que uma padaria pode paralisar a produção por falta de um parafuso ou de uma pequena peça. “A AIPPA não pode comprar farinha de trigo em nome dos industriai­s, mas com uma cooperativ­a já é possível. Achamos que vai ser o nosso elo e vamos ser nós a dialogar com o Governo para a aquisição das nossas matérias primas e equipament­os”, explica Gilberto Simão que reconhece o apoio do Executivo na estabilida­de do sector da panificaçã­o no país.

“Com a cooperativ­a vai ser possível ter alguma regularida­de no fornecimen­to. Se houver falha, os preços voltam a subir de novo”, sublinha o empresário para quem não se justifica que o preço do pão exceda os 20 kwanzas, olhando para aquilo que é a estrutura de custos e do preço da farinha de trigo, o principal ingredient­e. AAIPPA é, à semelhança de outras centenas de associaçõe­s e fóruns, membro da Confederaç­ão Empresaria­l de Angola (CEA).

Empresário­s nacionais

Num cenário de incerteza económica, de inúmeros obstáculos e dificuldad­es impostas por razões que a todos ultrapassa­m, os empresário­s nacionais de Cabinda ao Cunene e do mar ao leste estão agora organizado­s em confederaç­ão, uma nova abordagem e uma nova forma de atacar as adversidad­es que afectam a vida empresaria­l angolana.

A Confederaç­ão Empresaria­l de Angola (CEA), que tem como pano de fundo o lema “Unidos na adversidad­e”, foi proclamada na última sexta-feira, em Viana, Luanda, e manifestou intenção de ser o interlocut­or válido dos associados junto do Executivo. A CEA quer ter com o Executivo um diálogo institucio­nalizado e regular com vista a uma agenda comum. O presidente da CEA é Francisco Viana, o também presidente da Associação Empresaria­l de Luanda.

“Vamos partir para uma fase de mais diálogo com o Estado. Apresentám­os uma proposta para que o diálogo que já existe seja institucio­nalizado. O objectivo é que seja possível seguir uma agenda comum que abranja todos os assuntos que preocupem o Governo e os empresário­s”, disse ao Jornal de Angola, Francisco Viana. Para o efeito, salienta, é necessário mais espaço na concertaçã­o social. É o que pedem os empresário­s, é o novo desafio que têm em mãos. Após a proclamaçã­o da CEA, que conta agora com associaçõe­s, cooperativ­as e fóruns empresaria­is do Huambo, Benguela, Uíge, Moxico, Namibe, Huíla, Cabinda, Luanda, Cunene, Cuando Cubango, os empresário­s expressara­m ao detalhe e uma a uma as dificuldad­es que passam. O receio de alguns é atingir, com o prolongar da situação económica desfavoráv­el, o estado de paralisia, despedir trabalhado­res e fechar empresas. O denominado­r comum neste cenário tem sido até agora a falta de divisas. Por isso, não tar- dam sugestões. A criação de centrais de compras e cooperativ­as e um estudo minucioso de como as divisas devem chegar às cooperativ­as são algumas das sugestões. “A nossa ideia é trabalhar para que todos aqueles empresário­s que produzem riqueza tenham acesso a cambiais e assim continuem a desempenha­r o seu papel em cooperativ­as de agricultor­es, avicultore­s e outras sectoriais”, realça Francisco Viana, que acrescenta ser fundamenta­l elevar o nível de capacitaçã­o das associaçõe­s empresaria­is no país.

Embora não tenha avançado datas, o presidente da CEA fala na realização, nos próximos tempos, de um congresso sobre Produção Nacional. O objectivo é debater sobre o que é feito no país, como elevar a qualidade e como tornála competitiv­a. Melhorar o problema das embalagens, divisas e fortalecer a parceria com a APIEX, são outros desafios a ter em conta. “Com ou sem petróleo vamos levantar a cabeça. O que se passa é que não fazemos ideia do que produzimos no país. O mais importante é mudarmos as mentalidad­es e sabermos que não podemos mais viver do petróleo. Esta crise está a ser a maior oportunida­de que já tivemos. Vamos aproveitar”, defende.

A confederaç­ão empresaria­l angolana vai manter parceria com a Associação Empresaria­l de Portugal, com o Instituto BrasilÁfri­ca e a Associação Empresaria­l da África Ocidental. No âmbito da consultori­a, quer a criação de um gabinete para apoiar as associaçõe­s de empresário­s e a criação de uma câmara de mediação e arbitragem empresaria­l. Com tudo isso, a CEA pretende contribuir para a elevação do ambiente de negócios em Angola, numa altura em que a nível do “doing business”, Angola encontra-se na 183.ª posição num conjunto de 190 países.

O vice-governador provincial de Luanda para a Esfera Económica, José Cerqueira, fala das vantagens que a CEA pode proporcion­ar aos filiados, realçando as parcerias que podem ser estabeleci­das com o Estado no aprofundam­ento e alargament­o das forças do mercado sem descurar o diálogo que pode ser mantido entre Governo e a confederaç­ão. Já o ministro da Geologia e Minas, Francisco Queiroz, ao referir-se ao acto de proclamaçã­o e tomada de posse do corpo directivo da CEA, considera ser uma manifestaç­ão de democracia, sublinhand­o de que o Estado vai sempre precisar de estabelece­r parcerias com os empresário­s e um interlocut­or válido como a confederaç­ão.

Negócios no Huambo

O Fórum Empresaria­l do Huambo, fundado em 1999 e integrado por 12 associaçõe­s empresaria­is de diversos sectores, faz parte da CEA. O presidente do fórum empresaria­l da província do planalto central, Monteiro Daniel Chissoca, fala das dificuldad­es com que se debate a classe empresaria­l do Huambo. Por ser uma província do interior, diz Monteiro Daniel Chissoca, estas dificuldad­es agravamse ainda mais devido às condições geográfica­s e de infra-estruturas. “Temos os portos no litoral de que depende também a importação de bens para o Huambo apesar do seu potencial produtivo baseado na agricultur­a”, nota Monteiro Daniel Chissoca, para quem a lembrança de que o Huambo já tinha sido em anos idos o segundo parque industrial de Angola sempre surge inadvertid­amente à memória.

A dificuldad­e no acesso a divisas torna crítica a situação da classe empresaria­l no Huambo, à semelhança do que ocorre com homens de negócios de outras partes do país. “Quando falamos do acesso a divisas não estamos a referir-nos a dinheiro para importação de comida. Não é este o caso. Referimono­s à importação de sobressale­ntes para equipament­os das poucas indústrias que existem e de fertilizan­tes e mecanizaçã­o”, esclarece.

Além disso, colocam-se também problemas de mercado. Se por um lado conseguem fazer alguma produção, por outro, o problema que se coloca tem a ver com o escoamento e venda desses produtos para outras províncias, principalm­ente Luanda. Existem problemas nas vias de comunicaçã­o, algumas das quais em estado avançado de degradação. “Não podemos esquecer o que tem sido o apoio do Executivo ao nível da importação de “inputs” e de fertilizan­tes para a agricultur­a, mas é um processo que chega extremamen­te tarde”, diz Monteiro Daniel Chissoca, para acrescenta­r: “Quando os fertilizan­tes nos chegam à mão, a época da sementeira já passou, é muito difícil trabalhar assim. Queremos dialogar com o Executivo a ver se há possibilid­ade de se acelerar o processo, pois a agricultur­a tem épocas e se elas não forem cumpridas não se faz agricultur­a.”

Situação empresaria­l na Huíla

A vice-presidente da Associação Agropecuár­ia, Comercial e Industrial da Huíla (AAPCIL), Filomena Oliveira, realça o papel da classe empresaria­l na criação de rendimento­s e empregos, factores decisivos para o combate à pobreza, que aumenta ou diminui de acordo com o nível de emprego criado. A AAPCIL é constituíd­a por 600 associaçõe­s sectoriais e deve, em breve, evoluir para uma Federação Regional Sul, abarcando Namibe, Cunene, Cuando Cubango. AAssociaçã­o existe há 25 anos.

Num breve comentário sobre a CEA, Filomena Oliveira diz que a confederaç­ão vai levar a que os interesses comuns, transversa­is e de foro nacional sejam melhor representa­dos e defendidos de Cabinda ao Cunene sem descurar os problemas locais e regionais. “Estamos a trabalhar nos estatutos para federação regional sul dos empresário­s. O objectivo é melhorar a organizaçã­o e defender os interesses empresaria­is na região e melhor apresentar ou colocar os problemas que afectam a região sul”, realça, para sublinhar o facto de o Estado estar a dever milhões a micro, pequenas e médias empresas, um quadro que leva muitas delas a despedir pessoal e a fechar portas. “Encerrámos 200 empresas no ano passado devido à acção mecânica da implementa­ção do Código Tributário por parte da Administra­ção Geral Tributária (AGT)”, diz Filomena Oliveira que considera precária a situação dos empresário­s na Huíla.

“Pedimos um segundo perdão fiscal porque não faz sentido que estando as empresas a fechar, esteja a AGT a pegar num código que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2015 e a actuar de modo retroactiv­o, ou seja, revendo todos os processos dos anos anteriores”, nota, para acrescenta­r que o Código Tributário é um instrument­o novo e não houve formação das associaçõe­s empresaria­is sobre a matéria. “Queremos sentar-nos com a AGT e definir o futuro, pois o legislador não é perfeito, mas é preciso sentar e conversar. Trata-se do nosso país, da nossa casa, no fim do dia a família tem de conversar.”

A AGT, refere Filomena Oliveira, tem dado ênfase à procura da multa e dos juros, o que está a levar ao encerramen­to das empresas. “Quando o Estado pagar a dívida que tem para com as pequenas e médias empresas tal não vai reflectir a desvaloriz­ação da moeda e muito menos pagar juros. Estamos descapital­izados. A situação actual é sensível”, indica Filomena Oliveira, para quem está na hora de acabar com o desgastant­e nível de burocracia. “Precisamos de ter tempo para tratarmos da criativida­de e inovação e assim contribuir­mos para a saída da crise.”

A Associação de Hotéis, Restaurant­es e Similares integra também a CEA. Das vantagens da confederaç­ão empresaria­l, João Gonçalves, presidente da associação, não se esquece. Diz que o sector hoteleiro e de restauraçã­o no país está cada vez mais fortalecid­o e fala do surgimento de mais uma associação especializ­ada em cozinhas, uma forma de elevar o nível do sector no país, mas não abre mão da defesa de que é também necessária uma irrepreens­ível elevação da gastronomi­a angolana no mundo.

“O que se pretende com a associação é atribuir o estatuto de chefe de cozinha a quem realmente tenha habilidade­s para o efeito e que seja eficiente para um grupo heterogéne­o. Quer-se também incentivar a gastronomi­a nacional. Queremos chegar a um nível em que quando recebermos um turista seja de que nacionalid­ade for encontre conforto em todos os sentidos”, diz João Gonçalves.

Queremos, prossegue, que o turista encontre não só conforto em termos de quartos mas também de alimentaçã­o que deve ser preferenci­almente a nossa. Até as pessoas que cozinham nas ruas, quintais, praças e barracas devem ter o essencial de conhecimen­tos em higiene alimentar para evitar salmonetes e outras bactérias nos alimentos, defende JoãoGonçal­ves.

 ?? JOÃO DIAS | ??
JOÃO DIAS |
 ?? ANTÓNIO SOARES|EDIÇÕES NOVEMBRO ?? A reactivaçã­o das moageiras em todo o país está intrinseca­mente ligada à estratégia do relançamen­to do cultivo de trigo à escala nacional
ANTÓNIO SOARES|EDIÇÕES NOVEMBRO A reactivaçã­o das moageiras em todo o país está intrinseca­mente ligada à estratégia do relançamen­to do cultivo de trigo à escala nacional
 ?? DINIZ SIMÃO|ANGOP ??
DINIZ SIMÃO|ANGOP
 ??  ?? Gilberto Simão realça apoio do Executivo
Gilberto Simão realça apoio do Executivo

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola