Domínio francófono e anglófono na UA
A predominância de individualidades dos países africanos de expressão francesa e inglesa nos cargos de liderança nas principais organizações continentais, particularmente no topo da União Africana (UA) começa a ser tema de debate.
Há dias, um dos diários do país, no seu editorial, tentou trazer à baila a velha questão sobre a qual vale a pena reflectir e amadurecer, em que se sucedem no topo desde a extinta Organização da Unidade Africana (OUA) e aparentemente agora com a União Africana sobretudo anglófonos e francófonos. “(...) as disputas para o preenchimento de determinados cargos junto da Comissão Executiva e das suas subcomissões não fique à mercê dos segmentos francófono e anglófono. Não é prestigiante para o continente e para as suas diversas regiões que as próximas e sucessivas disputas para o cargo de presidente da Comissão Executiva da União Africana sejam circunscritas àqueles dois blocos linguísticos.” Extractos do editorial do
Jornal de Angola, numa clara alusão ao anacrónico processo por via do qual a escolha do secretário-geral da antiga Organização da Unidade Africana (OUA) ou, desde 2002, o presidente da Comissão Executiva da União Africana fica inexplicavelmente circunscrito a francófonos e anglófonos.
Mais de cinquenta anos depois, a principal organização continental continua a ser chefiada ao mais alto nível, sucessivamente, por entidades oriundas fundamentalmente de países de expressão francesa e/ou inglesa. Para alguns, não se trata de um problema, para outros trata-se de uma realidade radicada num conjunto de factores tais como o início das independências e o número de países de língua oficial francesa no continente e ainda, para outros, atendendo à conjuntura actual, se trata de um debate que se impõe. Na realidade actual, em que todo o continente se encontra livre das amarras do colonialismo, em que se abraçou a democracia liberal, em que se requer maior representatividade nas organizações, faz todo o sentido esperar que outras sensibilidades estejam devidamente representadas ao mais alto nível em África, periodicamente.
Desde 1963 até 2002, todas as individualidades que desempenharam o cargo de secretário-geral da organização que antecedeu a União Africana, nove no total, variaram sempre entre aqueles dois blocos predominantes. E essa predominância não prevaleceu apenas a nível do topo da organização, mas inclusive junto das antigas instituições especializadas da antecessora da União Africana, nomeadamente na Union Panafricaine des Télécommunications (Upat), Union Panafricaine des Postes (Upap), Agence Panafricaine de Nouvelles (Pana), Union des Radiodiffusions et Télévisions Nationales d'Afrique (URTNA), Union Africaine des Chemins de Fer (Uac), Organization de l'Unité Syndicale Africaine (OUSA) e Conseil Supérieur du Sport en Afrique (CSSA).
O último quadro angolano de relevo a chefiar uma destas instituições foi Ambrósio Lukoki, provavelmente também o único não francófono e não anglófono a desempenhar o cargo de director, à frente do chamado Bureau Africain des Sciences et de l'Éducation, Fonds Africain pour la Recherche Scientifique et l'Éducation (BASE).
O continente africano possui numerosas outras sensibilidades, regiões e línguas que, certamente, se empenham para que os seus representantes estejam igualmente ao mais alto nível da organização.
Por exemplo, os países de expressão portuguesa e árabe não podem ver os seus candidatos inviabilizados na disputa do mais alto cargo da organização continental, independentemente de se verem representados nas subcomissões. Não há dúvidas de que, formalmente, as oportunidades são as mesmas, os procedimentos iguais, mas, na verdade, a complexidade e o bloqueio que candidatos “outsiders” enfrentam passa por dificuldades de se imporem relativamente aos aparentemente habituais.
A sul-africana Nkosazana Zuma, originária de um país anglófono, substituiu Jean Ping, originário de um país francófono e, curiosamente, na 28ª Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo, que decorreu no dia 30 de Janeiro, a disputa para a sucessão da primeira esteve circunscrita novamente aos dois blocos linguísticos. Até à última votação, as duas figuras que disputaram a eleição para o cargo de presidente da Comissão Executiva da União Africana foram o queniano Amina Mohammed e o chadiano Moussa Faki Mahamat, novamente um francófono e um anglófono. A sorte recaiu ao antigo ministro dos Negócios Estrangeiros do Chade, fluente em árabe, francês e inglês, que vai dirigir a Comissão Executiva durante os próximos quatro anos. Parece haver claramente a ideia de uma certa rotatividade entre os países de expressão inglesa e francesa, no exercício do cargo de presidente da Comissão Executiva da União Africana.