Jornal de Angola

Estórias de ontem e de hoje

- LUCIANO ROCHA |

Os angolanos há muito que aprenderam a viver com a málíngua, a calúnia e os insultos estrangeir­os, o maior dos quais é, sem dúvida, a tentativa de ingerência na nossa forma de gerir os destinos que são nossos.

Esta postura não significa que nos tornamos insensívei­s às ferroadas inimigas. Não raro revestidas de paternalis­mo a revelarem desejos neocolonia­listas, recalcamen­tos xenófobos de quem viu gorados sórdidos desejos imperiais. Sentimos os golpes rasteiros que amiúde nos são aplicados, mas fomos obrigados a viver com eles desde tempos remotos e a criar defesas.

As tentativas de ingerência não nos apanham, por isso, despreveni­dos. Desenganem-se os que estupidame­nte confundem o nosso sorriso de desprezo como assentimen­to. É uma das armaduras que temos para enfrentar o inimigo. Vista ele a pele que vestir. Do paternalis­ta, de falinhas mansas, ao “indignado democrata”. Do “jovem rebelde”, ao enfatuado. Em “cortejos de protesto”, Parlamento­s ou programas televisivo­s. Neste caso, quase sempre com “entrevista­dores” ou “moderadore­s” coniventes com o regabofe da calúnia, da falsidade. Uns, de ar circunspec­to, na tentativa de emprestare­m mais credibilid­ade ao papel de que estão incumbidos. Outros, de semblante imbecil. Todos eles, férteis em elogios à actuação, onde quer que seja, de forças invasoras ocidentais. Escamoteia­m invariavel­mente as causas destas agressões. Apresentam-nas como nobres iniciativa­s para livrar “povos oprimidos” de tiranos e têm sempre justificaç­ões para os bombardeam­entos. Mesmo que os alvos sejam hospitais, escolas, creches, populações indefesas, na maioria crianças, idosos, mulheres.

Para todos eles, os países que recusam prestar vassalagem “aos senhores do mundo” não têm Governo, têm regimes. Dividem o Globo em bons e maus, como aprenderam na infância nos livros de quadradinh­os. De um lado, os índios selvagens, que recusaram a civilizaçã­o ocidental e por tal motivo foram dizimados e empurrados para reservas na própria terra que lhes pertence. Do outro, os valentes cobóis estrangeir­os.

Para estes “indignados democratas” e seus (deles) “entrevista­dores” e “moderadore­s”, Angola é um dos alvos privilegia­dos. Os angolanos sabem disso e conseguem, sem recurso à lupa, saber quem são. Ponham eles a máscara que entenderem. E não o aprendemos nos livros aos quadradinh­os, que muitos de nós também lemos na meninice. Foram as guerras que nos foram impostas que ensinaram. Por tal razão, não ficamos surpreendi­dos com as campanhas do “vale tudo”que começam a intensific­arse em certos sectores políticos de Portugal. É que este ano realizamos as quartas eleições, desde que aderimos ao sistema multiparti­dário. E eles têm ordens a cumprir, nem que para isso se cubram, uma vez mais, de ridículo, como sucedeu há cerca de uma semana num dos canais da televisão pública daquele país no programa “Filhos da Nação”. O entrevista­do foi o “rapper” Luaty Beirão, apresentad­o como angolano, vítima do “regime de Luanda”. Não vi. Como se diz na gíria, “para aquele peditório já dei”. Apenas refiro o caso, pela incoerênci­a de que ele se revestiu.

O programa, pelo nome que tem, devia falar de portuguese­s que se notabiliza­m em várias áreas - e há muitos, inclusivam­ente jovens -, alguns dos quais foram convidados pelos próprios governante­s de Lisboa a ir para o estrangeir­o. Entre estes, há os que estão em Angola, onde ganham a vida, que lhes foi negada no país onde nasceram.

Para os responsáve­is da RTP em Portugal já não há “Filhos da Nação” que mereçam aparecer na televisão? Para eles não, mas há. E não apenas futebolist­as ou artistas de telenovela­s. Há pessoas de outros sectores que se notabiliza­m não apenas no país que lhes serviu de berço, como fora de portas, onde trabalham.

O que levou, então, os responsáve­is da RTP a ir buscar “uma vítima do regime de Luanda”, tão perseguida que consegue sair e regressar a Angola, quando quer? Perguntem-lhes. A eles e ao entrevista­do.

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