Benfica de Luanda mantém património
Técnico Zeca Amaral continua ao serviço das águias para coordenar todo o projecto de formação
A direcção do Benfica de Luanda, na voz de Sansão Salomão, responsável pela comunicação dos “encarnados”, descarta a hipótese de venda do seu centro de treinos no Distrito Urbano do Sequele, no município de Cacuaco. O dirigente das águias desmente as informações que apontam para a mudança da titularidade do complexo desportivo na sequência da aposta do clube na formação, cuja coordenação foi confiada ao técnico Zeca Amaral, um conhecedor do projecto.
A direcção do Benfica de Luanda, na voz de Sansão Salomão, responsável pela comunicação dos “encarnados”, desvaloriza os rumores que apontam para a possibilidade da venda do seu centro de treinos localizado na centralidade do Saquele, no município de Cacuaco. O dirigente das águias desmente as informações que apontam para a mudança da titularidade do complexo desportivo na sequência da aposta do clube na formação, cuja coordenação foi confiada a Zeca Amaral, técnico que conhece a casa desde o extinto Saneamento Rangol, clube do qual resultou o ressurgimento da tradicional agremiação da capital. Para o entrevistado, o actual formato do Girabola deve ser repensado. O contrato com a ZAP é bom, mas representa “uma gota no oceano” no orçamento dos clubes. A criação de uma sociedade anónima desportiva (SAD) é outro desafio do clube.
Jornal de Angola - Que esclarecimento faz o Benfica de Luanda quanto ao futuro das suas instalações desportivas na centralidade do Sequele?
Sansão Salomão - A direcção do Benfica lamenta, porque a partir do momento que tornou pública a sua decisão de suspender a participação no campeonato sénior de futebol, Girabola ZAP, criou condições para prestar todas as informações e estar disponível para qualquer órgão de comunicação social. Infelizmente essa notícia acaba por ser lesiva ao bom-nome do Benfica. Isso não é verdade. Até acaba sendo um contra-senso. Se o Benfica formaliza a suspensão da disputa do Girabola, porque a estratégia da sua direcção é estar focada na formação, como é que vai vender as suas infra-estruturas? Como é que vai vender o centro de treinos onde estão os campos? Então essa nova estratégia da direcção, cujo enfoque está na formação, vai ser realizada aonde?
Jornal de Angola - Por aqui se depreende que não passam de rumores.
Sansão Salomão - Penso que não há lógica e não existe, até onde sei, da parte da direcção do Benfica essa intenção. Nunca esteve em cima da mesa a possibilidade de venda do centro de treinos. O que acontece, e isso consta do comunicado de imprensa que foi tornado público, é que a estratégia da direcção é a de abraçar um projecto que a médio prazo possa começar a produzir resultados. Que visa a transformação do clube para que se permita, por um lado, potenciar a formação, e por outro lado aliar o futebol a uma vertente empresarial, para que o próprio futebol profissional do Benfica seja economicamente sustentável e desportivamente competitivo.
Jornal de Angola - Essa perspectiva empresarial passa por formar jogadores para serem depois transaccionados?
Sansão Salomão - O primeiro aspecto na formação de jogadores não é a sua transacção. É ter um viveiro para abastecer as suas equipas seniores. Este é o principal enfoque da formação. Recorrer menos ao mercado externo. É ter sustentabilidade para que os seus jogadores sejam formados dentro das suas escolas. Naturalmente é normal que havendo excesso de talento e estando as opções técnicas fechadas ao número limite do plantel, se possa transaccionar um ou dois jogadores. E não sejamos utópicos: só a venda de jogadores não sustenta qualquer agremiação desportiva. E isso não é constante. É preciso ir buscar outros aportes. Por exemplo, o Benfica de Luanda está a trabalhar na constituição de uma sociedade anónima desportiva (SAD). Isto é que é o foco principal. O projecto para que a médio prazo possa produzir resultados. E trazer empresas que a médio/longo prazo possam ter retorno dos investimentos que façam no futebol.
Jornal de Angola - Por que razão tem de se repensar o actual formato do Girabola?
Sansão Salomão - Quando o Benfica diz que o actual formato da competição sénior de futebol precisa de ser repensado, infelizmente algumas pessoas acham que está a
usar isso como desculpa. Não é nada disso. O motivo da não continuidade é o foco na formação. Redireccionar os recursos para a formação. Mas aliado a isso é preciso repensar o actual formato da competição. Os orçamentos das equipas precisam de ser anualmente reforçados. É preciso criar receitas. As empresas que patrocinam, que investem nas equipas, no actual formato não têm qualquer retorno. O futebol, no actual formato, representa um verdadeiro centro de custos e mais nada.
Jornal de Angola - Mas essa é uma realidade geral do desporto angolano.
Sansão Salomão - O Benfica está a começar a nível do futebol. Ainda não pegou nas outras modalidades. Entendemos que por enquanto o foco deve ser a questão do futebol. E isso deve ser alvo de uma reflexão nacional. Já ouvi comentários, nas reacções à nota de imprensa do Benfica, com determinadas pessoas a dizerem que não se precisava inventar nada. Que o Benfica sempre participou no actual formato. Tudo bem. Mas é altura de parar e se repensar. Ver o que é que a gente doravante vai ter como formato. Se calhar melhor. O Benfica não está a dizer que este formato está errado e que se deve seguir o formato apresentado por si. Não. O Benfica ainda nem apresentou o seu formato. Mas o Benfica entende que se deve parar, fazer uma reflexão nacional e buscarem-se soluções. As nossas equipas estão excessivamente dependentes de jogadores estrangeiros.
Jornal de Angola - Existe uma limitação no número de jogadores estrangeiros inscritos por cada plantel.
Sansão Salomão - Os resultados falam por si. É só olhar par as estatísticas e ver qual o resultado das equipas angolanas nas competições africanas, nos últimos anos. Vamos olhar para as nossas equipas vencedoras de títulos. Pelo menos as que têm estado desde o meio da tabela até ao pódio. Que trabalho de formação se tem estado a fazer?
Jornal de Angola - O desempenho nas Afrotaças não tem a ver com o posicionamento competitivo das nossas equipas nas provas continentais?
Sansão Salomão - Você não pode ter um campeonato que faça com que quando as competições africanas estão a começar, as equipas angolanas estejam paradas. Por outro lado, se internamente as nossas equipas não são competitivas, como é que se quer que o sejam no formato externo.
Jornal de Angola - Parece que a calendarização não é a raiz do problema, porque nos anos em que 1º de Maio de Benguela, Petro de Luanda, 1º de Agosto e Interclube jogaram as finais continentais o formato era o mesmo. Não será o Girabola que perdeu força competitiva?
Sansão Salomão - Fiz uma constatação citando um exemplo concreto. A minha preocupação é que as equipas angolanas sejam desportivamente competitivas e financeiramente sustentáveis. O grande problema é que no actual formato isso não é possível.
Jornal de Angola - Isso não tem a ver com a forma como esteve sempre estruturada a nossa economia?
Sansão Salomão - Em parte. A nossa economia só teve um forte crescimento a partir de 1996/98. Um crescimento assente num único produto. Com base no petróleo. Quando houve esse crescimento excessivo do preço do barril do petróleo no mercado internacional, e Angola não está isolada do mundo, passou haver “superavit”. Naturalmente, penso eu, cada equipa tem a sua estratégia para alcançar os seus objectivos. Mas antes disso, olha para as receitas colocadas à sua disposição pelos seus patrocinadores. Ao longo de todo esse período em que houve excessiva dependência da economia nacional em relação ao petróleo, as principais empresas patrocinadoras das equipas angolanas estiveram excessivamente bem. E foram colocando patrocínios à disposição das equipas com base nas suas possibilidades. Estamos desde 2012 com a crise económica e financeira mundial, que em Angola se reflectiu a partir de 2014. As empresas também tiveram de se readaptar às novas circunstâncias. Isso naturalmente limitou os recursos colocados à disposição das equipas. E o Benfica de Luanda não é excepção.
Jornal de Angola - Daqui se pode depreender que a posição tomada pelo Benfica resulta dessa alteração no quadro financeiro?
Sansão Salomão - Penso que essa questão vai no âmbito de uma certa distorção que tem estado a surgir ultimamente nalguns órgãos de comunicação social. Dizem que o Benfica errou na sua estratégia de só agora se focar na formação, porque devia ter mudado no tempo das vacas gordas. A verdade é que o Benfica de Luanda, apesar de tudo, comparativamente às outras equipas, nunca esteve no tempo das vacas gordas. E disse bem. Foi das
coisas que elogiei na sua matéria, quando diz que o Benfica de Luanda provém do antigo Saneamento Rangol. O Benfica foi sempre uma equipa habituada a gerir os seus parcos recursos. Mesmo quando foi no período que se diz tempo das vacas gordas, teve um orçamento que era de longe inferior ao das principais equipas do seu patamar.
Jornal de Angola - Estamos a falar de um orçamento ajustado à sua realidade, apesar de assumir ambições competitivas semelhantes às de outras equipas com mais recursos.
Sansão Salomão - Sempre. E digo mais. Já ouvi também alguém dizer que o Benfica teve como principal estratégia atacar o título. Não. O Benfica de Luanda, com os parcos recursos que lhe eram alocados no tal tempo das vacas gordas, teve sempre os seus orçamentos inferiors. O Benfica tornou a sua equipa sénior de futebol competitiva e redireccionou parte dessas receitas para a construção de infra-estruturas. E o centro de treinos está aí. É prova disso. Sempre com uma gestão bastante parcimoniosa. Teve uma equipa desportivamente competitiva, sem descurar o investimento que foi feito nas infra-estruturas, a pensar já na formação. A competitividade desportiva da sua equipa permitiu-lhe estar nos lugar cimeiros nos últimos anos. Os factos falam por si.
Jornal de Angola - Apostar num técnico campeão como Zeca Amaral não implicou aumentar o orçamento?
Sansão Salomão - Não. Já ouvi há poucos dias, mais uma vez em reacção ao comunicado de imprensa, um jornalista renomado questionar como é que o Benfica se vai reestruturar, sendo o Zeca Amaral, sendo o treinador mais bem pago de Angola. Quando se faz uma afirmação dessas é preciso provar. O Zeca Amaral não é o treinador mais bem pago de Angola. É mentira. O Benfica começou a fazer formação muito antes dessa situação. No tempo do Saneamento Rangol já fazia formação. E quem esteve na génese da formação? Zeca Amaral e o vice-presidente Mário Rocha. São essas mesmas pessoas que estão no Benfica e estamos a redireccionarn isso agora de forma mais estruturada. Não se pode fazer formação a qualquer custo.
Jornal de Angola - Essa aposta na formação vai contar com a permanência de Zeca Amaral?
Sansão Salomão - Já disse a dois ou três órgãos de comunicação social que o projecto que o Benfica se propõe fazer é tão sério que foi pegar no seu treinador do escalão principal para colocá-lo como coordenador da formação. Não basta usar o jogo de palavras. Vamos organizar a casa.
Jornal de Angola - Essa posição pode ser tomada como um acto de coragem do Benfica devidamente amadurecido.
Sansão Salomão - Numa das entrevista que dei disse que na minha opinião a direcção do Benfica teve uma posição de bastante coragem. Uma decisão muito coerente. É assumir esse cenário e redireccionar os seus recursos financeiros, humanos e logísticos para a formação.
Jornal de Angola - Um projecto a médio prazo tem uma duração de aproximadamente cinco anos.
Sansão Salomão - O projecto que o Benfica está a fazer é para que a médio prazo possa produzir resultados. Estamos a falar de num mínimo de três e num máximo de cinco anos para começar a produzir resultados. É essa a aposta da direcção do Benfica.
Jornal de Angola - Os patrocinadores do Benfica de Luanda são os mesmos?
Sansão Salomão - Uma boa parte dos patrocinadores continua. A maioria dos patrocinadores comunicou à direcção do Benfica de Luanda que no quadro actual vai mudar os moldes de patrocínio. E a direcção recebeu isso de forma muito clara. Os patrocinadores do futebol sénior em Angola não têm qualquer tipo de retorno directo. Só têm o retorno indirecto, que incide sobre a imagem. Por isso é que o Benfica está a optar por esse projecto de se transformar numa sociedade anónima desportiva, porque o desporto e o futebol precisam de verdadeiros investimentos. Mas não com esses retornos a que estamos habituados. Negócios usurários. Investe cinco ganha dez, investe dez ganha 30. Estamos a falar de investimentos devidamente licenciados, para serem direccionados a projectos economicamente viáveis e que possam produzir resultados sustentáveis. Para que dentro dos prazos necessários os investidores possam retirar aquilo que é a remuneração do seu capital, independentemente do ganho indirecto na imagem.
Jornal de Angola - O Benfica desfez-se de boa parte dos jogadores dos escalões jovens.
Sansão Salomão - A prova de que a formação não é apenas uma mera desculpa, é que há cerca de dois anos o Benfica colocou fim às suas equipas de juvenis e de juniores. Na realização dos exames médicos, sobretudo a ressonância magnética, detectou-se que uma boa parte dos meninos tinha idades adulteradas, com diferenças de 4, 5, 6 anos. A maioria já deveria estar a jogar como sénior, mas jogava como junior e juvenil. Isso nunca foi tornado público. A direcção entendeu, na altura, que o problema devia ser gerido internamente. Era um trabalho de bastidor que se estava a fazer, já a pensar na formação.
Conversou-se com os jogadores e foram direccionados para outras equipas nos escalões devidos.
Jornal de Angola - A localização do centro de treinos leva a priorizar os habitantes do Sequele?
Sansão Salomão - A aposta na formação não é de hoje. O que estamos a fazer agora é dar maior enfoque. Mas em qualquer parte do mundo está provado que os centros de treinos devem estar fora das principais zonas urbanas. Agora, desde que foi colocada a centralidade do Sequele aí ao lado, no âmbito das captações que têm sido feitas, têm saído muitos meninos também do Sequele. Por exemplo, o Benfica tem dois mini-autocarros que têm estado a apoiar os jovens da formação. É normal que haja um ou outro que tenha de apanhar táxi e autocarro, mas a maior parte deles tem os pontos de distribuição e recolha devidamente identificados. Sempre que houver jovens com talento a residir no Sequele, vão ser captados, até porque pela localização o Benfica acaba por estar numa posição privilegiada. Vive aí ao lado.
Jornal de Angola – O aproveitamento escolar é um dos requisitos para o ingresso dos atletas?
Sansão Salomão – Há pouco tempo referi que quando a direcção do Benfica se propõe a fazer formação, não pode ser a qualquer custo. Existem requisitos básicos. Primeiro é preciso ter em paralelo a formação académica, até porque isso vai ajudar a formar o atleta enquanto homem. Vai dar um resultado, porque vai melhorar a capacidade de compreensão do próprio atleta das tácticas e daquilo que é o treinamento desportivo. Por outro lado, é preciso acabar com o falseamento de idades. Muitas vezes, aos finais de semana, vou assistir a jogos das equipas de formação, e fico abismado quando os meninos do Benfica estão a jogar com equipas que você a olho nu vê que são muito mais velhos. Continuamos a usar gato por lebre. Mas o Benfica tem de se preocupar com a sua casa e os outros clubes que se preocupem com a deles.
Jornal de Angola – Está provado que essa prática acaba por ser prejudicial para o atleta e o clube que apostam na adulteração de idades.
Sansão Salomão – Aquele que compete dentro da idade tem sustentabilidade. Não só o prazo de durabilidade competitiva desse jogador será maior, como poderá dar maior solidez ao projecto da própria equipa. Isso tudo é o que o Benfica está a dizer que tem de ser repensado, para que o futebol seja efectivamente aquela modalidade apaixonante e atractiva. Não só para os telespectadores e para os
adeptos, mas também para quem no dia a dia está a direccionar recursos financeiros para aí.
Jornal de Angola - O licenciamento dos clubes junto da Federação pode inibir o surgimento de ameaças de desistência com a competição a decorrer?
Sansão Salomão - Nos últimos três quatro anos o quadro foi este. Havia equipas que nos habituaram na quinta e sexta jornada fazer comunicados de imprensa a dizer que se não houvesse ajuda iam abandonar a competição. Para começar um campeonato você deve ter os contratos com os jogadores devidamente actualizados e em vigor. Existem regras rigorosas não só da FAF, como da CAF e da FIFA. No mundo fala-se em “fair play” financeiro. Aqui abordamos a questão como prova de capacidade financeira. É isso que o Benfica acha que deve ser tido em conta quando se pensar num novo formato das competições seniores de futebol. A equipa que se inscrever tem de apresentar o seu orçamento e provas de capacidade financeira. É preciso primeiro legislar e depois regulamentar.
Jornal de Angola - Que peso tem o valor recebido da ZAP no orçamento do Benfica de Luanda?
Sansão Salomão - Respondendo na perspectiva do Benfica, digo que o aporte financeiro feito no âmbito desse contrato da ZAP para com os clubes, em termos de expressão percentual representa uma gota no oceano, para aquilo que é o orçamento anual do Benfica. Eu disse numa entrevista que até hoje não foi tornado público, pelo anterior elenco federativo, o que é que envolveu o contrato, nem o valor do prémio do primeiro classificado do Girabola. Ouvimos apenas cogitações. Alguma imprensa desportiva cogitou que no âmbito desse contrato o vencedor do Girabola receberia um milhão de dólares, isso em kwanzas. Agora, para mim, a ZAP tem de ser felicitada por ter tomado essa iniciativa, porque é um marco histórico. Vai haver aqui uma rotura. Quando estivermos a falar do Girabola, vamos falar de 2016 como o ano em que a primeira empresa fez um contrato com os clubes e a Federação.
Jornal de Angola - Os orçamentos apresentados pela generalidade das equipas que competem no Girabola não são irreais?
Sansão Salomão - São tão irreais que o Benfica foi das primeiras a renegociar os contratos com os jogadores, quer a nível da moeda representativa no contrato, porque normalmente eram feitos em dólares, quer o próprio valor contratual dos jogadores.