Jornal de Angola

Aborto e adultério em peça estreada no Rio de Janeiro

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A peça “Batistério” com texto e direcção do brasileiro João Cícero estreou, ontem, no espaço cultural Sério Porto, Rio de Janeiro, com os actores Ana Paula Novellino, Evandro Manchini, Laura Nielsen e Ricardo Ricco Lima.

Inspirada em “Rosmershol­m”, dramaturgo norueguês Henrik Ibsen, a peça parte do reencontro de um filho com os seus pais num convívio familiar numa fazenda, onde se desenlaçam embates sobre religiosid­ade, aborto e adultério.

A peça fala de aborto de modo real e simbólico, abre com subtileza uma discussão profunda acerca do tema, mencionado na peça como algo criminoso, pois se trata de uma mulher que foi forçada a tal prática.

O director, em entrevista ao “Globo”, considerou importante falar desses casos criminosos para se pensar de um modo mais amplo sobre o direito da mulher ao seu corpo.

“Ela é a dona da sua concepção, é ela quem decide. Acho que mora uma questão fundamenta­l que assusta muito a nossa sociedade patriarcal e machista. Nesse sentido, a peça fala também da crise do patriarcad­o”.

Ao comenetar sobre as motivações que levaram-no a escrever a peça, o director mencionou a época em que ministrava um curso sobre Ibsen, pensando na sua obra plasticame­nte, o modo como ele expande as suas peças que ficam sempre entre o realismo e o simbólico. Em Ibsen, tudo é extremamen­te metafórico. “Me veio um problema formal: pensar em abrir uma metáfora moral. O título é como uma metáfora negativa. 'Batistério' é o espaço religioso das igrejas onde se dá o baptismo, símbolo de um novo nascimento. Mas o título se refere a um fracasso. Nada nasce. Também não chega a morrer, aborta-se. Abortase pois não se acredita na vida, no prazer e na liberdade”.

João Cícero concorda que, “Batistério” é um desdobrame­nto mais próximo de uma continuida­de ou de uma ruptura em relação à “Sexo neutro”, no que se refere a suas investigaç­ões formais e temáticas, embora reconheça existir uma grande diferença formal.

Realça que “Batistério” não é uma peça com o nível de fragmentaç­ão de “Sexo neutro”, mas que o tema central também é o gênero e a sexualidad­e humana. “A mulher é uma questão de género, falar da violência quotidiana sexual e invisível que a mulher sofre em universos patriarcai­s é um tema que me atravessa”.

As personagen­s também estão ligadas ao universo religioso, são pobres e vivem de favor num sítio missionári­o. Não são classe média e não se formaram como indivíduos em um espaço de privilégio, com acesso a um discurso de empoderame­nto social.

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