Guardiãs da vida e agentes da cidadania
Programa “Nascer com Cidadania” prossegue com acções de formação com o objectivo de incluir as parteiras tradicionais na massificação do registo civil
Um controlo efectivo da taxa de natalidade, como demonstra pretender o Governo angolano ao desenvolver iniciativas para se atribuir o direito de cidadania desde a nascença, só é viável com a inclusão e valorização do papel das parteiras tradicionais. A conclusão resulta da constatação pelo Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos de que em Angola as maternidades são responsáveis por apenas 38 por cento dos nascimentos.
Os dados do Censo da População e Habitação de 2014 revelaram que 57 por cento de crianças dos 0 a 4 anos de idade em todo país não possui registo civil. Ainda sobre o tema, o Censo revelou outra realidade alarmante: 53 por cento da população adulta também não possui registo civil. Isso faz das parteiras tradicionais um elemento fundamental na estratégia de massificação do registo civil e também para se ter uma ideia mais concreta sobre a natalidade.
São na sua maioria “herdeiras naturais” da profissão e sem qualquer instrução académica, mas acarinhadas e por vezes reverenciadas nas comunidades onde, em regra, viram nascer pelas suas mãos um número significativo dos seus integrantes.
Guardiãs da vida, elas têm uma palavra a dizer na hora de se saber ao certo quantos angolanos nascem, quando e aonde. Por esta razão, o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos está a desenvolver, desde finais de 2015, o Programa “Nascer com Registo”, em parceria com os Ministérios da Família e Promoção da Mulher e da Saúde, com apoio da UNICEF.
Esta iniciativa, que faz das parteiras tradicionais legítimas agentes da cidadania, faz parte do programa de Massificação do Registo, que tem entre os principais objectivos expandir o serviço de registo e identificação civil por todo o território nacional e tornar o registo tardio, ou seja, em idade adulta, uma excepção e não a regra.
“Nascer com Registo” persegue a abertura de postos de registo civil em todas as maternidades, para que se possa garantir o registo célere de todas as crianças. E para o efeito, foram tomadas outras medidas legislativas, com realce para a aprovação da Lei da Simplificação do Registo de Nascimento, cujo regulamento além de definir as condições para a abertura de postos de registo civil nas maternidades, estipula novos mecanismos de recolha das declarações de nascimento e de óbito, através de livros de cadastro.
O Programa de Massificação do Registo, como referimos, visa expandir os serviços de registo de nascimento em todas as circunscrições do país, considerando não apenas as unidades sanitárias especializadas, as maternidades, mas também as parteiras tradicionais, que passam a dispor de uma caderneta própria onde devem lavrar os dados de cada rebento que ajudem a vir ao mundo.
Um funcionário do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos deverá recolher essa informação e encaminhá-la ao departamento responsável para fazer com que a informação possa constar da base de dados do registo civil.
Consagrado na Constituição
Recentemente, quando falava durante um seminário sobre “Formação das Parteiras Tradicionais”, o coordenador adjunto do Programa “Nascer Com Registo” do Ministério da Justiça e Direitos Humanos defendeu que o registo de nascimento é um direito constitucionalmente consagrado, e para tal, o Executivo tem estado a adoptar estratégias para garantir o cumprimento deste direito aos cidadãos, assim como assegurar a extensão e o desenvolvimento do programa.
João Paulo Montes referiu que a fixação do registo civil nas unidades sanitárias (maternidades) vem concorrer também para uma planificação mais real de políticas públicas, favorecendo o desenvolvimento e o bem-estar das populações.
Frisou que o acto visa ainda reflectir o trabalho desenvolvido em 2015, redefinir-se as estratégias e reafirmar o compromisso de assegurar o processo de registo civil gratuito, essencialmente nas maternidades.
O projecto “Nascer com o Registo” foi lançado em Outubro de 2015, e prevê, em quatro anos, levar o registo civil a todos os municípios, comunas e aldeias a nível nacional, no quadro do Decreto Presidencial 80/2013, de 5 de Setembro, para a extensão dos serviços a todas as localidades.
Na sequência de uma campanha de engajamento das parteiras tradicionais no programa, foi realizada na Biblioteca Distrital da Samba uma acção de formação para 50 parteiras tradicionais do município de Luanda.
A formação em Luanda aconteceu 24 horas depois de uma acção semelhante com as parteiras tradicionais do município de Icolo e Bengo. A formação decorreu durante dois dias, na Vila de Catete, onde as profissionais comprometeram-se, em comunicado, no final da actividade, partilhar todo o conhecimento à volta do registo civil de bebés realizado após cada parto nas comunidades a que pertencem.
Queremos o mínimo
Na mensagem, as parteiras pediram ao Governo mais apoio na aquisição de mosquiteiros, kits para realizar partos, passes de identificação e transporte. Citada pela Angop, a parteira Isabel Manuel Domingos, residente na Nova Aldeia de Caxicane, disse que aprendeu a importância do registo civil após o parto e a obrigatoriedade de qualquer mulher fazê-lo assim que “der à luz” uma criança.
Considerou a gama de informação colhida na formação de bastante útil e que deve ser partilhada para todas as famílias na sua comunidade. Maria Carmona dos Santos, parteira da Vila de Kaculo Kahango é da mesma opinião. Ela também fala da necessidade de meios técnicos para fazer o seu trabalho.
No acto de encerramento, orientado pela administradora municipal adjunta de Icolo e Bengo, foram entregues diplomas de participação às parteiras. A administradora municipal adjunta para esfera política, social e das comunidades de Icolo e Bengo, Margarida Pedro, enalteceu a realização do seminário para parteiras tradicionais que visa instruir as famílias sobre a importância do registo das crianças após o nascimento.
Falando no seminário sobre a importância do registo de nascimento dos recém-nascidos, Margarida Pedro falou da formação das parteiras tradicionais como um momento importante para elas, para as famílias angolanas e para o país, porque a “nacionalidade é um direito inalienável”.
Segundo a responsável, o seminário visa instruir também aquelas mulheres que por motivos de vária ordem se encontram solteiras possam registar os seus filhos, mesmo sem o nome do pai. “A mobilização das famílias quer urbanas como rurais nesta matéria é muito séria, pois que, permitirá igualmente que as mulheres solteiras possam registar os seus filhos, uma vez que a fuga à paternidade é uma realidade”, explicou aquela responsável.
Entretanto, a directora municipal dos Antigos Combatentes, Família, Promoção e Acção Social de Icolo e Bengo, Filomena Dalamana, realçou a preocupação do Executivo com a questão do registo de nascimento, que é um direito fundamental consagrado na Constituição da República de Angola. “O Governo angolano, preocupado com a nacionalidade e cidadania dos angolanos, adoptou estratégias para que este direito seja escrupulosamente garantido no seio das famílias angolanas, quer nas zonas urbanas, quer nas rurais, incluindo nas áreas mais longínquas do território nacional.”
Durante dois dias, 50 parteiras tradicionais de Icolo e Bengo abordaram vários temas, nomeadamente, a importância do registo de nascimento, como obter o registo de nascimento, assistência ao parto, acção ao pré-natal, cuidados primários com a saúde, a malária na gravidez e higiene.
O cuidado com o recém-nascido, amamentação e vacinação, a importância da parteira tradicional na comunidade e no sistema de saúde, foram, entre outros, os temas que mais interesse despertaram às participantes durante o seminário.
Mamã Panguila
No Distrito Urbano do Rangel, também no município de Luanda, foram entregues meios de trabalho para parteira tradicional à Mamã Panguila, dona Paulina Álvaro, que