Aglomerados do amor
Do amor, há sempre o que dizer. Do maravilhoso ao tenebroso, na forma cantada ou gritada, em tom de chamamento ou saudade. Ao amor se conotam cuidado, amizade, respeito, solidariedade, mas também elementos negativos, como o ciúme, perversos, como o crime passional. Se todos conjugados, ao abrir o livro do amor, estar-se-ia a escancarar a caixa de pandora.
Como palavra derivada, assim se olha para o namoro, mais conotado com o período anterior ao casamento, como se de um abre-latas se tratasse, um abre-te Sésamo mágico da tenda dos milagres, onde, depois de galgar um monte íngreme e escarpado, se pudesse, por fim, encontrar uma planície vasta, com sombra e água fresca.
Como não existem milagres sem santos, forjou-se um e deu-se de bandeja a esse momento mágico. Albardou-se Valentim com claras de bondade e serviu-se aos tomados pelas febres do amor. Os mal-sucedidos apedrejaram-no e há quem o crucifique, os escolhidos adoptaram-no e ainda existe quem o venere.
De S. Valentim, evocado a 14 de Fevereiro, também chamado Dia dos Namorados, mencionamse várias estórias, com destaque para a do bispo de Terni, no Império Romano, que contrariou as ordens de Claudius II, o qual queria homens solteiros para engrossarem as legiões conquistadoras, e passou a celebrar casamentos de jovens apaixonados, acabando por isso, por ser decapitado a 14 de Fevereiro de 270. Com maiores ou menores puxadas para a fé cristã, a figura, mas, sobretudo, a data, acabou absorvida pela cultura ocidental. E, quanto aos fomentadores do capital são insuficientes túnicas e hábitos, procuram-se acessórios para compor o manto e cobrir corpos, mentes e corações. Poucos são os seres ditos livres, entretanto, entregues a duras penas, como o celibato, em busca de caminhos para a alma.
As ditas sociedades modernas adoptaram a data e os capitalistas compraram-lhes os mais diversos capuzes, na ânsia do melhor vender à pala do bem servir. Grandes ou pequenos, os comerciantes inventam as mais diversas formas para atrair clientes e fazê-los comprar o que mais diverso tiverem, desde flechas a índios, a gelados, a esquimós.
Valentim vê, assim, substituírem-lhe o gorro pela cartola, mas, sem casaco nem galochas, entra na dança em busca, sob uma chuva diluviana, de superfícies mais amplas e abertas. Tudo lhe agrada, de flores a livros, de velas a geradores, de dinquitóis a carros topo de gama, desde que representem valor acrescentado.
De cartola, fraque ou fatiota, gravata corrida ou laço à borboleta, donos de lojecas ou supermercados, kaleluias ou bólides, o importante é tirar o máximo proveito da febre dos mantes e encher os bolsos. Para tal, não importam cheiros nem cores, tanto importa que sejam flores ou perfumes.
Em todo o mundo, a imprensa faz ênfase aos movimentos financeiros e, haja baixas ou altas na facturação, acrescentam-se pontos a S. Valentim no gráfico de referências. Se descem os tostões, aumentam os cifrões. Pelo que o agregado é sempre bom.