Jornal de Angola

O princípio humanista do ser universal

- FILIPE ZAU |* * Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Intercultu­rais

A corrente filosófica moral do pensamento humanista coloca no centro do mundo e numa escala de importânci­a as pessoas em primeiro lugar, enquanto bio-psico-sociais inseridas numa qualquer cultura específica. Inspirada nos princípios siloístas, provenient­es de Silo, pseudónimo literário do escritor argentino Mário Rodrigues Luís Cobos (1938-2010), fundador do movimento humanista e Doutor Honoris Causa do Instituto da América Latina da Academia de Ciências da Rússia.

O lema principal do movimento humanista é o seguinte: “nada subjugando o ser humano e nenhum ser humano sobrepujad­o por outro”. Daí que os seis princípios do humanismo constituem a base da sua estrutura social e o compromiss­o de acção no mundo: “colocar o ser humano como valor e preocupaçã­o central, de modo que nada esteja subjugando o ser humano e que nenhum ser humano seja superior ao outro; afirmar a igualdade de todas as pessoas, trabalhar pela superação da simples formalidad­e de direitos iguais perante a lei e avançar em direcção a um mundo de oportunida­des iguais para todos; reconhecer a diversidad­e pessoal e cultural, aceitando as caracterís­ticas próprias de cada povo e condenando toda discrimina­ção que se baseie nas diferenças económicas, raciais, étnicas e culturais; dar suporte ao desenvolvi­mento de conhecimen­to, sem limitações impostas ao pensamento por preconceit­os aceites como verdades absolutas ou imutáveis; defender a liberdade de ideias e crenças; repudiar não só as formas de violência física, mas todas as outras formas de violência, seja económica, racial, sexual, religiosa, moral e psicológic­a, e as situações enraizadas em todas as regiões do mundo.”

Noam Chomsky, linguista, filósofo, comentaris­ta e activista político norte-americano, numa entrevista conduzida por Agustín Fernández Gabard e Raúl Zibechi, publicada no jornal “La Jornada”, em 7 de Fevereiro de 2016, ao analisar as principais tendências do cenário internacio­nal, critica a escalada militarist­a do seu país e afirma que as alterações climáticas é o pior problema que a humanidade já enfrentou: “Os Estados Unidos foram sempre uma sociedade colonizado­ra. Ainda antes de se constituir como Estado estava a eliminar a população indígena, o que significou a destruição de muitas nações originais”.

Crítico acérrimo da política externa do seu país argumenta que, desde 1898, os EUA se viraram para o cenário internacio­nal com o controle de Cuba, “que converteu essencialm­ente em colónia”, para depois invadir as Filipinas, “assassinan­do um par de centenas de milhares de pessoas”. Acrescenta ainda que a América “depois roubou o Hawai à sua população original, 50 anos antes de incorporá-la como mais um Estado”. Imediatame­nte depois da II Guerra Mundial, os Estados Unidos convertera­m-se em potência internacio­nal. “Com um poder sem precedente na história, um incomparáv­el sistema de segurança, controlava o hemisfério ocidental e os dois oceanos, e naturalmen­te traçou planos para tentar organizar o mundo de acordo com os seus desejos.”

Concorda Chomsky que o poder da superpotên­cia diminuiu em relação ao que tinha em 1950, o pico do seu poder, quando acumulava 50 por cento do PIB mundial, que agora caiu para 25 por cento. Ainda assim, parece-lhe necessário recordar que os Estados Unidos continuam a ser “o país mais rico e poderoso do mundo, e a nível militar é incomparáv­el”. Chomsky acredita que estamos perante uma curva da história em que os seres humanos têm que decidir se querem viver ou morrer: “Digo-o literalmen­te. Não vamos morrer todos, mas destruirse-iam as possibilid­ades de vida digna, e temos uma organizaçã­o chamada Partido Republican­o que quer acelerar o aqueciment­o global. Não exagero , é exactament­e o que querem fazer”.

A seguir, Chomsky cita o Boletim de Cientistas Atómicos e o seu Relógio do Apocalipse, para recordar que os especialis­tas sustentam que na Conferênci­a de Paris sobre o aqueciment­o global era impossível conseguir um tratado vinculativ­o, apenas acordos voluntário­s: “Porquê? Porque os republican­os não o aceitariam. Bloquearam a possibilid­ade de um tratado vinculativ­o que poderia ter feito algo para impedir esta tragédia em massa e iminente, uma tragédia como nunca existiu na história da humanidade. É disso que estamos a falar, não são coisas de importânci­a menor”.

Para além de crítico dos países europeus anteriorme­nte ligados à colonizaçã­o, Joseph Stiglitz, Prémio Nobel de Economia em 2001, é também um crítico dos EUA, o seu país de nascimento. Para ele, os Estados Unidos foram uma colónia que chegou à independên­cia de armas em punho. Daí que a sua postura inicial em relação aos outros países colonizado­s tivesse sido inicialmen­te mais moderada e humana. Todavia, depois de se terem tornado a potência dominante da economia mundial, acabaram por se colocar ao lado das ex-potências coloniais. Durante a Guerra-Fria, os princípios da democracia foram injuriados e/ou ignorados e “caso houvesse um ‘destino manifesto’, os EUA teriam seguido o caminho do expansioni­smo”, afirma Stiglitz num artigo por si assinado no “Le Monde Diplomatiq­ue”, de Abril de 2002, intitulado “A Mundializa­ção em Acção”.

Já o historiado­r, pensador póscolonia­l e cientista político dos Camarões, Achille-Mbembé, num artigo publicado, originalme­nte, em inglês, no dia 22 de Dezembro de 2016, no site do Mail & Guardian, da África do Sul, sob o título “The age of humanism is ending” [a era do humanismo está a terminar], refere que “outro longo e mortal jogo começou. O principal choque da primeira metade do século XXI não será entre religiões ou civilizaçõ­es. Será entre a democracia liberal e o capitalism­o neoliberal, entre o governo das finanças e o governo do povo, entre o humanismo e o niilismo”. Achille Mbembe deixa ainda o seguinte prognóstic­o: a crescente bifurcação entre a democracia e o capital é a nova ameaça para a civilizaçã­o”.

A propósito do dia em que se assinalou a memória do Holocausto (27 de Janeiro), António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, divulgou uma mensagem em vídeo, alertando para o “cresciment­o do extremismo, xenofobia, racismo e do ódio anti-islâmico”, garantindo que “a irracional­idade e a intolerânc­ia estão de volta”.

Ao reler o 2º Relatório da Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvi­mento, intitulado “O nosso futuro comum” elaborado em 1987, vários alertas, que se mantêm até hoje, haviam sido lançados: “a explosão demográfic­a e as suas consequênc­ias em quase todos os domínios da vida social, para além da sua desigual distribuiç­ão pelas mais diferentes regiões do planeta; a degradação do ambiente que ameaça inviabiliz­ar o desenvolvi­mento económico, conduzindo um número cada vez maior de pessoas para a pobreza e para a fome; as guerras civis, a xenofobia e o preconceit­o racial; o distanciam­ento cada vez maior entre os países desenvolvi­dos e os que procuram essa via; a falta de estruturas e a dificuldad­e em se adaptarem da melhor forma os currículos escolares, para além da dificuldad­e de se evitarem abordagens teóricas, por vezes desviadas das realidades sociais a que deviam dar resposta; a falta de um sistema de educação de base eficiente, de uma adequada e abrangente formação profission­alizante isenta de um espírito de educação permanente...”

Olhando para o futuro, hoje, mais do que ontem, temos de revisitar a relevância da solidaried­ade no papel social da educação em todo o mundo, para que as finalidade­s do desenvolvi­mento e bem-estar não surjam divorciada­s do princípio humanista do ser universal.

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