O princípio humanista do ser universal
A corrente filosófica moral do pensamento humanista coloca no centro do mundo e numa escala de importância as pessoas em primeiro lugar, enquanto bio-psico-sociais inseridas numa qualquer cultura específica. Inspirada nos princípios siloístas, provenientes de Silo, pseudónimo literário do escritor argentino Mário Rodrigues Luís Cobos (1938-2010), fundador do movimento humanista e Doutor Honoris Causa do Instituto da América Latina da Academia de Ciências da Rússia.
O lema principal do movimento humanista é o seguinte: “nada subjugando o ser humano e nenhum ser humano sobrepujado por outro”. Daí que os seis princípios do humanismo constituem a base da sua estrutura social e o compromisso de acção no mundo: “colocar o ser humano como valor e preocupação central, de modo que nada esteja subjugando o ser humano e que nenhum ser humano seja superior ao outro; afirmar a igualdade de todas as pessoas, trabalhar pela superação da simples formalidade de direitos iguais perante a lei e avançar em direcção a um mundo de oportunidades iguais para todos; reconhecer a diversidade pessoal e cultural, aceitando as características próprias de cada povo e condenando toda discriminação que se baseie nas diferenças económicas, raciais, étnicas e culturais; dar suporte ao desenvolvimento de conhecimento, sem limitações impostas ao pensamento por preconceitos aceites como verdades absolutas ou imutáveis; defender a liberdade de ideias e crenças; repudiar não só as formas de violência física, mas todas as outras formas de violência, seja económica, racial, sexual, religiosa, moral e psicológica, e as situações enraizadas em todas as regiões do mundo.”
Noam Chomsky, linguista, filósofo, comentarista e activista político norte-americano, numa entrevista conduzida por Agustín Fernández Gabard e Raúl Zibechi, publicada no jornal “La Jornada”, em 7 de Fevereiro de 2016, ao analisar as principais tendências do cenário internacional, critica a escalada militarista do seu país e afirma que as alterações climáticas é o pior problema que a humanidade já enfrentou: “Os Estados Unidos foram sempre uma sociedade colonizadora. Ainda antes de se constituir como Estado estava a eliminar a população indígena, o que significou a destruição de muitas nações originais”.
Crítico acérrimo da política externa do seu país argumenta que, desde 1898, os EUA se viraram para o cenário internacional com o controle de Cuba, “que converteu essencialmente em colónia”, para depois invadir as Filipinas, “assassinando um par de centenas de milhares de pessoas”. Acrescenta ainda que a América “depois roubou o Hawai à sua população original, 50 anos antes de incorporá-la como mais um Estado”. Imediatamente depois da II Guerra Mundial, os Estados Unidos converteram-se em potência internacional. “Com um poder sem precedente na história, um incomparável sistema de segurança, controlava o hemisfério ocidental e os dois oceanos, e naturalmente traçou planos para tentar organizar o mundo de acordo com os seus desejos.”
Concorda Chomsky que o poder da superpotência diminuiu em relação ao que tinha em 1950, o pico do seu poder, quando acumulava 50 por cento do PIB mundial, que agora caiu para 25 por cento. Ainda assim, parece-lhe necessário recordar que os Estados Unidos continuam a ser “o país mais rico e poderoso do mundo, e a nível militar é incomparável”. Chomsky acredita que estamos perante uma curva da história em que os seres humanos têm que decidir se querem viver ou morrer: “Digo-o literalmente. Não vamos morrer todos, mas destruirse-iam as possibilidades de vida digna, e temos uma organização chamada Partido Republicano que quer acelerar o aquecimento global. Não exagero , é exactamente o que querem fazer”.
A seguir, Chomsky cita o Boletim de Cientistas Atómicos e o seu Relógio do Apocalipse, para recordar que os especialistas sustentam que na Conferência de Paris sobre o aquecimento global era impossível conseguir um tratado vinculativo, apenas acordos voluntários: “Porquê? Porque os republicanos não o aceitariam. Bloquearam a possibilidade de um tratado vinculativo que poderia ter feito algo para impedir esta tragédia em massa e iminente, uma tragédia como nunca existiu na história da humanidade. É disso que estamos a falar, não são coisas de importância menor”.
Para além de crítico dos países europeus anteriormente ligados à colonização, Joseph Stiglitz, Prémio Nobel de Economia em 2001, é também um crítico dos EUA, o seu país de nascimento. Para ele, os Estados Unidos foram uma colónia que chegou à independência de armas em punho. Daí que a sua postura inicial em relação aos outros países colonizados tivesse sido inicialmente mais moderada e humana. Todavia, depois de se terem tornado a potência dominante da economia mundial, acabaram por se colocar ao lado das ex-potências coloniais. Durante a Guerra-Fria, os princípios da democracia foram injuriados e/ou ignorados e “caso houvesse um ‘destino manifesto’, os EUA teriam seguido o caminho do expansionismo”, afirma Stiglitz num artigo por si assinado no “Le Monde Diplomatique”, de Abril de 2002, intitulado “A Mundialização em Acção”.
Já o historiador, pensador póscolonial e cientista político dos Camarões, Achille-Mbembé, num artigo publicado, originalmente, em inglês, no dia 22 de Dezembro de 2016, no site do Mail & Guardian, da África do Sul, sob o título “The age of humanism is ending” [a era do humanismo está a terminar], refere que “outro longo e mortal jogo começou. O principal choque da primeira metade do século XXI não será entre religiões ou civilizações. Será entre a democracia liberal e o capitalismo neoliberal, entre o governo das finanças e o governo do povo, entre o humanismo e o niilismo”. Achille Mbembe deixa ainda o seguinte prognóstico: a crescente bifurcação entre a democracia e o capital é a nova ameaça para a civilização”.
A propósito do dia em que se assinalou a memória do Holocausto (27 de Janeiro), António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, divulgou uma mensagem em vídeo, alertando para o “crescimento do extremismo, xenofobia, racismo e do ódio anti-islâmico”, garantindo que “a irracionalidade e a intolerância estão de volta”.
Ao reler o 2º Relatório da Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento, intitulado “O nosso futuro comum” elaborado em 1987, vários alertas, que se mantêm até hoje, haviam sido lançados: “a explosão demográfica e as suas consequências em quase todos os domínios da vida social, para além da sua desigual distribuição pelas mais diferentes regiões do planeta; a degradação do ambiente que ameaça inviabilizar o desenvolvimento económico, conduzindo um número cada vez maior de pessoas para a pobreza e para a fome; as guerras civis, a xenofobia e o preconceito racial; o distanciamento cada vez maior entre os países desenvolvidos e os que procuram essa via; a falta de estruturas e a dificuldade em se adaptarem da melhor forma os currículos escolares, para além da dificuldade de se evitarem abordagens teóricas, por vezes desviadas das realidades sociais a que deviam dar resposta; a falta de um sistema de educação de base eficiente, de uma adequada e abrangente formação profissionalizante isenta de um espírito de educação permanente...”
Olhando para o futuro, hoje, mais do que ontem, temos de revisitar a relevância da solidariedade no papel social da educação em todo o mundo, para que as finalidades do desenvolvimento e bem-estar não surjam divorciadas do princípio humanista do ser universal.