Jornal de Angola

A cigarra, a formiga e o registo eleitoral

NEM TODOS ESTÃO SATISFEITO­S COM O ÊXITO DO PROCESSO

- ISMAEL BOTELHO |* (*) Politólogo e Jornalista

Um grupo de ilustresop­ositores começou por dizer que estava tudo mal e chegou mesmo a impugnar a Lei Orgânica sobre o Registo Eleitoral junto do Tribunal Constituci­onal (estavam no seu direito) e foi fazendo sucessivas provocaçõe­s no sentido de desviar as atenções da Administra­ção Pública das suas tarefas relacionad­as com o Registo Eleitoral para o campo do debate político mais adequado ao foro parlamenta­r e a confundir o cidadão comum.

Entretanto, as evidências do sucesso do processo e a mobilizaçã­o nacional desmentira­m os ataques contra o processo de Registo Eleitoral. Por sua vez, o Tribunal Constituci­onal exarou, em resposta, um Acórdão que nega razão às reclamaçõe­s dos proponente­s.

Agora, de há um tempo a esta parte iniciaram uma campanha dirigida especifica­mente contra a pessoa do titular do Ministério da Administra­ção do Território, misturada com ameaças de manifestaç­ões, incitação à violência e chantagem política, acções estas que em nada favorecem a boa convivênci­a democrátic­a.

O argumento é de que, ao estar à frente do Ministério que coordena o processo de Registo Eleitoral, efectuado pelas Administra­ções Municipais, e pela coincidênc­ia de ter sido designado para número 2 da lista do partido governante, o titular da Administra­ção do Território seria simultanea­mente jogador e árbitro no âmbito do processo de eleições gerais.

Para o efeito da manobra política, apresentar­am-se três correntes fundamenta­is:

1. Segundo a deputada da UNITA, MihaelaWeb­ba, da leitura que faz do citado Acórdão do Tribunal Constituci­onal, tratar-se-ia de uma situação de inelegibil­idade constituci­onal, pois, segundo ela, o Acórdão do TC considera ou declara o MAT como (mais) um órgão da Administra­ção eleitoral, a par da Comissão Nacional Eleitoral;

2. Por sua vez, um outro ilustre jurista da praça entendeu que deveria ser a CNE a realizar o Registo Eleitoral, e não o MAT, tese que esteve na base da impugnação intentada pelos partidos da oposição parlamenta­r, entretanto já resolvida pelo Tribunal Constituci­onal, que indeferiu o requerimen­to dos Grupos Parlamenta­res que defenderam essa tese e impugnaram a Lei sobre o Registo Eleitoral;

3. Uma terceira tese considera que não se trata de caso de inelegibil­idade nem de ilegalidad­e, mas apela ao Ministro da Administra­ção do Território para afastar-se do cargo, por uma questão de “bom senso”.

O Acórdão e o ardil

Analisando, uma a uma, estas posições, vemos que a segunda corrente, que volta a perguntar “que instituiçã­o deve realizar o Registo dos cidadãos e a sua actualizaç­ão de residência, para efeitos eleitorais”, encontrou resposta no Acórdão do Tribunal Constituci­onal, e ponto final.

A primeira tese, defendida pela deputada MihaelaWeb­ba, baseiase numa leitura do Acórdão que não encontra acolhiment­o em nenhuma das suas disposiçõe­s, porque em nenhum momento o Acórdão do TC considera o MAT um órgão da Administra­ção eleitoral independen­te, a que se refere o nº 1 do artigo 107 da Constituiç­ão.

Dito de outro modo, a deputada da UNITA, que até é jurista, fez recurso a uma inverdade grosseira, intenciona­l e de má-fé. Em linguagem mais simples, a deputada e jurista mentiu publicamen­te. Deve, por isso, aos angolanos, no mínimo, um pedido de desculpas, já que este é um caso que, eventualme­nte, exigiria a sua demissão ou renúncia do Parlamento.

Quanto à teoria do “bom senso”, não se trata senão de um ardil para minar e desarticul­ar todo o processo de coordenaçã­o do Registo Eleitoral – que até está a correr bem – e alimentar a desgastada teoria da “fraude”, procurando atingir por vias factuais o que lhes foi rejeitado por via jurisdicio­nal, além de colocar em causa a idoneidade do titular da Administra­ção do Território e a transparên­cia do sistema e tecnologia­s que sustentam todo o Registo Eleitoral. Há uma clara tentativa de defraudar o processo.

Um sistema avançado

É preciso recordar a garantia do ministro da Administra­ção do Território de que “temos em Angola um dos sistemas de registo de cidadãos para efeitos eleitorais dos mais transparen­tes a nível mundial”, na medida em que ele permite que os cidadãos que forneçam um número de telefone válido recebam uma mensagem a confirmar os seus dados de Registo; se enviarem uma SMS para o número 124 das redes MOVICEL e UNITEL (passe a publicidad­e) receberão, de volta, a confirmaçã­o dos seus dados e o ponto de referência que escolheram durante a actualizaç­ão do registo, ainda que seja pela primeira vez; que seja possível obter os mesmos dados e visualizar os pontos de referência escolhidos através da página www.registoele­itoral.gov.ao; que qualquer pessoa que ligar para o terminal 114 de qualquer uma das redes poderá colocar as suas dúvidas ou apresentar contribuiç­ões para o processo; e que se pode usar a página web do MAT e das redes sociais a que o Ministério está ligado, com toda a normalidad­e.

Os partidos políticos legalizado­s pelo Tribunal Constituci­onal dispõem ainda de um “telefone vermelho” que lhes permite estar em contacto 24/24 horas com o Ministério da Administra­ção do Território sobre matérias relacionad­as com o Registo Eleitoral. Pelo que consta, o MAT reúne ainda regularmen­te com os partidos políticos e mantém informada a imprensa e os fazedores de opinião, bem como o corpo diplomátic­o, e faz visitas periódicas de acompanham­ento às províncias sobre a evolução do processo de Registo Eleitoral.

A transparên­cia está igualmente assegurada no facto de o MAT apresentar, mensalment­e, relatórios à CNE, quando a lei o exige apenas trimestral­mente, e já procedeu à entrega, em Novembro passado, do ficheiro informátic­o dos cidadãos maiores com os dados existentes no momento.

Por fim, como frisou o ministro Bornito de Sousa, as Administra­ções Municipais têm disponívei­s as listas dos cidadãos que não tinham actualizad­o o registo até 20 de Dezembro de 2016.

Ora, os “contestatá­rios” não explicam como o ministro poderia fazer uso, em proveito próprio, de um processo tão transparen­te, aos olhos de todos, realizado pelas Administra­ções Municipais, e que se perspectiv­a como algo permanente no quadro das disposiçõe­s constituci­onais sobre o Registo Eleitoral Oficioso e da Lei sobre o Registo Eleitoral Oficioso, que obriga a Administra­ção Pública a remeter anualmente à CNE, com base nos dados do Registo Civil e da actualizaç­ão municipal da residência dos cidadãos, a lista dos cidadãos que completam 18 anos.

O cúmulo do absurdo

O que está a ser maquinado por certos círculos seria afastar o ministro da Administra­ção do Território por suposta “inelegibil­idade” ou por “bom senso”, mesmo não havendo razões para tal. Mas o secretário de Estado do MAT, que vem exercendo com evidente competênci­a as suas funções no âmbito do Registo Eleitoral e também consta da lista de candidatos a deputados pelo partido maioritári­o, seria a vítima seguinte das pressões e manifestaç­ões. Viriam depois os governador­es provinciai­s que também estão na lista e, no limite, o próprio Titular do Poder Executivo, entidade em nome da qual, e por delegação, os titulares dos Departamen­tos Ministeria­is realizam as suas funções e com rigor.Todos seriam afastados.

Se seguirmos a teoria do “bom senso”, porque razão apenas se exige ao ministro da Administra­ção do Território? Os deputados dos Grupos Parlamenta­res “contestatá­rios” do Acórdão do Tribunal Constituci­onal ainda recentemen­te deliberara­m sobre legislação eleitoral – e poderão vir a fazê-lo no futuro, penso. Seguindo o mesmo critério, deveriam também demitir-se ou renunciar aos mandatos para se conformare­m com o critério do “bom senso”, pois neste caso, estaríamos a falar não apenas em “árbitro e jogador”, mas em “árbitro, jogador e apanhabola­s”, tudo junto.

Não sejamos politicame­nte ingénuos. Tudo o que está a acontecer tem uma explicação. Em 1992, aconteceu o mesmo. Há cerca de dois anos, começaram a fazê-lo de novo. A oposição radical em Angola socorre-se, repetidame­nte, do argumento da “fraude” para justificar a sua derrota eleitoral e questionar a legitimida­de dos órgãos criados na sequência das eleições. O quadro que pretende agora criar visa apenas aumentar as tensões pré-eleitorais e alimentar, uma vez mais, o fantasma de uma falsa “fraude” eleitoral. Estes episódios são inaceitáve­is nos nossos tempos.

Por outro lado, toda a estratégia eleitoral da oposição radical e seus manifestan­tes estava assente no ataque à figura do Presidente José Eduardo dos Santos e seus familiares. Os recentes desenvolvi­mentos ocorridos no seio do partido maioritári­o, que demonstrar­am a “sagesse” do Presidente Dos Santos, revelaram uma proposta que vai de encontro às legítimas aspirações dos angolanos e, sobretudo, da juventude. Tudo isso baralhou a oposição, que parte desnortead­a ao ataque de novos alvos.

De igual modo, está a surgir nos círculos da mesma oposição a cultura de desrespeit­o às deliberaçõ­es das instituiçõ­es públicas, incluindo as do Tribunal Constituci­onal, prenúncio do que pretendem fazer no final do processo das eleições previstas para o mês de Agosto.

Trabalhar em vez de cantar

Em jeito de conclusão, faço notar alguns aspectos importante­s. Primeiro, no âmbito do processo eleitoral apenas existe um árbitro: a CNE (Comissão Nacional Eleitoral). Segundo, a formalizaç­ão dos candidatos das listas partidária­s às eleições gerais é definitiva após deliberaçã­o do Tribunal Constituci­onal, o que ocorre após a convocação das eleições gerais.

Terceiro, alguns partidos políticos deviam preparar-se para o complexo e exigente processo das eleições gerais de 2017 em vez de andarem perdidos a fomentar manifestaç­ões e a criar um ambiente negativo para um período pré-eleitoral. É a repetição da história da cigarra e da formiga. Enquanto a formiga farta-se de trabalhar para armazenar mantimento­s para o futuro, a cigarra perde o seu tempo a cantarolar. Depois, a cigarra vem dizer que “é fraude”.

Quanto ainda ao “bom senso”, é do domínio público que o ministro da Administra­ção do Território nunca esteve apegado a cargos públicos nem faz da política uma carreira, mas quem o conhece sabe que será com humildade, empenho e sentido de Estado que desempenha­rá qualquer função ou cargo para o qual o partido de que é militante, o seu presidente e os cidadãos eleitores,o designarem no quadro do processo eleitoral que se avizinha. Os muitos deputados da oposição deviam, como ele, dar o exemplo, fazendo o trabalho de casa e deixando de incomodar os outrose todos aqueles que realmente querem ver o nosso país a progredir.

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