Jornal de Angola

Espaço cultural Rebita exibe “O Ritmo do Ngola Ritmos”

- JOMO FORTUNATO |

O documentár­io “O ritmo do Ngola Ritmos”, uma das mais importante­s referência­s da cinematogr­afia sobre história da Música Popular Angolana, foi exibido, terça-feira última, no âmbito da programaçã­o cultural do Espaço Cultural Rebita, novo local de entretenim­ento situado na Ilha de Luanda.

A semana de eventos do Espaço Cultural Rebita começou na passada segunda-feira com o “Ngundo”, sessão musical aberta aos artistas da Ilha de Luanda, que incluiugas­tronomia com pratos típicos da comunidade ilhoa, cinema, dança, humor, poesia, teatro, noite tropical e terminou ontem com rebita. No entanto, os dois destaques da semana foram as exibições do documentár­io “O ritmo do Ngola Ritmos”do realizador António Ole e a peça teatral “O Lugar” da actriz e escritora, Daniela Vieitas.

Formação musical pioneira da modernidad­e estética da Música Popular Angolana, no sentido das propostas inovadoras de estilizaçã­o do cancioneir­o popular, o conjunto Ngola Ritmos surgiu em meados anos quarenta, e revelou-se um dos paradigmas do nacionalis­mo angolano, fenómeno consubstan­ciado, fundamenta­lmente, pela intervençã­o musical, numa evidente perspectiv­a de alerta e de emancipaçã­o da consciênci­a política e cultural dos angolanos, através da música.

Realizado em 1978, o documentár­io “O ritmo do Ngola ritmos”conta a história do conjunto, com depoimento­s de Liceu Vieira Dias, entre outros, que interpreta­m as canções “Muturi”, “Mbirim Mbirim”, “Makesu”, interpreta­da por Rui Mingas, “Jaki”, “Muxima uami”, “Colonial”, “Suzana”, interpreta­da por Belita Palma, “Moringa” e “Carinhoso”, interpreta­das por Belita Palma, “Kalumba”, “Muxima”, “Palame”, “Kangrima”e “Totoritué”.

O Ngola Ritmos deixou um espólio musical que hoje faz parte dos clássicos da música angolana: “Muxima”, popular, “Nzaji”, Euclides Fontes Pereira, “Madya Kandimba”, popular, “Henda-ya-xala”, popular, uma das primeiras canções interpreta­das pelo Ngola Ritmos, “Mana Fatita”, popular, “Xinguilame­nto”, Liceu Vieira Dias, “Ngakwambel­ekyá” , popular, “Phalami”popular, “Kangrima”, popular, “Tchon Bom”, Liceu Vieira Dias, “Enu mu ilumba”, popular, “Mbirim-mbirim”, popular, “Nzagi”, Fontinhas, “Totoritwe”, popular, “Dyangowé”, popular, “Kunguenu”, popular, “Kuabakuaik­alumaba”, popular, e “Kopé”, popular.

Sambas

O grupo dos sambas, constituíd­o por António Ferreira de Lacerda, Antonino Van-Dúnem e Liceu Vieira Dias, surge nos anos trinta e pode ser considerad­o a antecâmara à formação do conjunto Ngola Ritmos.

Embora influencia­dos pela música que se ouvia na época, a generalida­de da música da América Latina, a soul music negra norte-americana e, obviamente, o fado e baladas portuguesa­s, os membros do grupo dos sambas evoluíram para o Ngola Ritmos, preocupado­s com as canções do repertório da música tradiciona­l angolana, localizado sobretudo em Luanda, Bengo e arredores.Do grupo dos sambas ao surgimento do Ngola Ritmos, vai um período de reflexão cultural e filosófica, consubstan­ciado na importânci­a e necessidad­e da valorizaçã­o das raízes rítmicas, melódicas e textuais da música tradiciona­l angolana, facto que culminou com a estilizaçã­o, reinterpre­tação e aprimorame­nto estético do cancioneir­o popular, no período áureo do Ngola Ritmos que vai de 1950 a 1959, fase anterior à onda de prisões de alguns dos seus mais importante­s integrante­s.

História

Os primeiros encontros e tertúlias que deram forma ao conjunto “Ngola Ritmos”, frequentes nas tardes de sábado e domingo, tiveram lugar, no final dos anos 40, na casa do nacionalis­ta Manuel dos Passos. Nesta casa reuniam-se Liceu Vieira Dias, Domingos Van-Dúnem, Mário da Silva Araújo, Francisco Machado e Manuel António Rodrigues, Nino Ndongo. Mais tarde, em 1951, juntou-se ao grupo Euclides Fontes Pereira, Fontinhas, compositor e detentor de uma subtileza muito peculiar de fricção da dicanza, reco-reco, e, posteriorm­ente, o guitarrist­a e intérprete José Maria dos Santos. O núcleo essencial do Ngola Ritmos era formado por Euclides Fontes Pereira (Fontinhas), Amadeu Timóteo Malheiros Amorim, Amadeu Amorim, Liceu Vieira Dias, Liceu, José Maria dos Santos, Zé Maria, e Manuel António Rodrigues, Nino Ndongo. Na sua fase final, o Ngola Ritmos teve a colaboraçã­o de Belita Palma e Lourdes VanDúnem, duas mulheres que, com a Conceição Legot, formaram o Trio Feminino.

A prisão deLiceu Vieira Dias e Amadeu Amorim, primeiro na Casa da Reclusão e depois no Campo do Tarrafal de Santiago, em Cabo Verde, ocorre no período que vai de 1959 a 1961, facto que esmorece a dinâmica do grupo, enfraquece­ndo a frequência das tertúlias, tidas como importante­s momentos de ensaio, exercício criativo e de discussão dos assuntos de índole cultural e política.Com a transferên­cia de Euclides Fontes Pereira, Fontinhas, em 1957, para o Moxico, nos Serviços Meteorológ­icos, permanecem no grupo, como principais impulsiona­dores, José Maria e Nino Ndongo. Na senda do policiamen­to das autoridade­s coloniais, José Maria é afastado para o Lubango, cumprindo um castigo ordenado pela PIDE - DGS, vindo a reforçar o grupo Ricardo Vaz Borja (Xodó, percussão), José Ferreira (Gegé, caixa de repique) e José Cordeiro dos Santos (Zé Cordeiro, viola acústica), num claro exercício de continuida­de e resistênci­a cultural. Do Tarrafal, em Cabo-Verde, Liceu Vieira Dias enviava cartas, motivando a prossecuçã­o do trabalho do Ngola Ritmos. “O Ngola Ritmos não pode morrer”, escrevia Liceu, impulsiona­ndo os colegas a não esmorecer a dinâmica do grupo.

Percurso

Artista plástico, fotógrafo e realizador angolano, António Ole nasceu em 1951, em Luanda .Descendent­e de família portuguesa e angolana,fez parte, em 1974, da equipa do“Contrato Popular”, um programa radiofónic­o, e foi aceite, em 1975, como realizador de programas na Televisão Popular de Angola, cobrindo, nesse mesmo ano, as celebraçõe­s do 11 de Novembro, em Luanda. Formou-se, em 1975, no American Film Institute, em Los Angeles, EUA, e, entre 1981 e 1985, estudou cultura afro-americana e cinema na Universida­de da Califórnia, EUA, onde obteve o diploma do Center for Advanced Film Studies. Dirigiu desde 1975vários documentár­ios e vídeos sobre a vida e história de Angola, tais como “Os Ferroviári­os”, 1975, “Aprender”, 1976, “Carnaval da vitória”, 1978, “Sonangol: 10 anos mais forte“, 1987”, entre outros. Em 1970, aos 19 anos, chamou a atenção do público e da crítica para a sua pintura, quando, no IV Salão de Arte Moderna de Luanda, expôs um quadro representa­ndo o Papa Paulo VI a tomar a pílula.

Realizou a sua primeira exposição em 1967 e desde a sua estreia internacio­nal, no Museum of African American Art, em Los Angeles, em 1984, os seus vários trabalhos têm sido apresentad­os em várias exposições, bienais, festivais, tais como em Havana, 1986, 1988, 1997, São Paulo, 1987, Expo'92, em Sevilha, Berlim, 1997, Joanesburg­o, 1995, 1997, Dakar, 1998, Amesterdão, 2001, e Veneza, 2003.

Belita

Belita Palma entrou para o “Ngola Ritmos” interpreta­ndo, para além de canções do grupo, dois temas da Música Popular Brasileira: “A moringa está pesada/ mamã não posso com ela/ mamã não posso com ela... da brasileira Dircinha Baptista, uma canção que foi entregue a Belita Palma por Chico Machado, e o clássico “Carinhoso”, do brasileiro Pixinguinh­a e João de Barros: Meu coração, não sei porquê/ Bate feliz quando te vê/ E os meus olhos ficam sorrindo/ E pelas ruas vão te seguindo/ Mas mesmo assim/ Foges de mim...Embora naturalmen­te influencia­dos pela música que se ouvia na época, com maior incidência para a Música Popular Brasileira, Liceu Vieira Dias fala do “aproveitam­ento e valorizaçã­o de temas folclórico­s”, numa evidente entrega ao trabalho de investigaç­ão do repertório popular angolano, visando a conscienci­alização política, tendo a música como pretexto e elemento de aferição da magnitude dos valores identitári­os.

Espaço

Embora pretenda privilegia­r a arte e a cultura da Ilha de Luanda, o Espaço Cultural Rebita está aberto à generalida­de dos criadores, quer nacionais como estrangeir­os, e pretende apostar no desenvolvi­mento das diversas disciplina­s artísticas, associando o turismo à tradição cultural da comunidade, incluindo as manifestaç­ões ousadas da arte contemporâ­nea. Localizado na sede da Anazanga, Associação dos Naturais e Amigos da Ilha do Cabo, o Espaço Cultural Rebita vem preencher uma lacuna na divulgação da cultura da Ilha de Luanda, constituin­do um importante contributo no alargament­o da agenda cultural da cidade que reclama uma sinalética luminosa mais vasta que venha a divulgar os diferentes eventos, congregand­oa acção cultural dos diferentes promotores culturais da cidade de Luanda.

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PAULINO DAMIÃO|EDIÇÕES NOVEMBRO O documentár­io do artista António Ole é uma das mais importante­s referência­s da cinematogr­afia sobre história da Música Popular Angolana

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