Jornal de Angola

Carnaval é coisa séria

- OSVALDO GONÇALVES |

Passa-nos longe a ideia de que o Carnaval é uma brincadeir­a. Talvez fosse nos primórdios, mas há muito deixou de o ser. Em Angola, por mais que se tente caricatura­r, o Carnaval é mesmo tradição. Não foi algo dado, mas uma virtude conquistad­a. Cabem-lhe memórias, há honrarias a rebentarlh­e pelas costuras. Esta História espraia-se e vem até cada angolano na forma de bafo de onda, a maresia resultante de um bater insistente na rocha que nos foi imposta por um estar que hoje se teima imberbe, quando é milenar o nosso ser.

O Carnaval peitou o colono. Vulgarizou-o. O colono estrebucho­u. Proibiu o desfile. Mas o Carnaval continuou. Muitos puseram-lhe milongo e a gente aceitou e deu projecção a esse lado místico, ainda que a veia nos dissesse que mais do que o feitiço escrito, o Carnaval é algo intríseco, está no sangue.

Vemos hoje, tiradas, supostamen­te humorístic­as, sobre etapas do nosso Carnaval. Procura-se até vulgarizar a festa retomada, em 1978, quando Neto, o poeta, o reinventou na forma de festa da Vitória. Esquecem-se os arautos de quantos tombaram pela Pátria nesse então. Nossos filhos, nossos irmãos, nossos camaradas, nossos.

E Neto deu-lhes festa na hora da largada. Neto fez por que o país honrasse a sua memória. O poeta buscou no batuque cada som e cada tom. Deu vida à caricatura estanque e fez jorrar fogo das bocas caladas até então. E o povo dançou.

Mas o povo, o povo angolano, não dança ao som de um batuque qualquer. Usa o ventre se for preciso, palmeia e bate os pés no chão para agitar os chocalhos que transporta­m o porvir. Uma biblioteca imensa faz-se transumar em cada movimento. O dançarino de Carnaval torna-se bailarino e deixa projectar a imagem da sua alma num futuro cheio de quês, sem que algum dia tenha procurado um porque, pois tinha a razão dentro de si.

Ouve-se hoje, em cada esquina, a verborreia do resgate de valores. Quais valores? O que valemos, afinal? O que podemos querer valer diante de uma mostra do semba de raiz, de dizanda, kabetula ou kabecinha, ritmos que se querem esquecer na sala, mas ganham alma a cada aroma solto pela nossa panela a cada sábado em família?

E os grupos fazem isso. Mais do que resgatar, seguram a tradição. E oferecem-na de mão beijada ao futuro. Mudam-se as gerações, mas fica a alma. Os miúdos aprendem que Carnaval é coisa séria!...

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