Jornal de Angola

Transgénic­os continuam presentes na alimentaçã­o para consumo humano

- DOROTHÉE MOISAN |

A França proibiu o cultivo de transgénic­os em 2008. No entanto, continua a importar montanhas de soja geneticame­nte modificada para alimentar os seus frangos, vacas e porcos, animais que acabam nos pratos dos consumidor­es que carecem dessa informação.

Embora o consumo tenha diminuído nos últimos dez anos em favor da colza, linhaça e tremoço, a soja, uma proteína muito rica, permanece omnipresen­te. Estima-se que represente 15por cento na alimentaçã­o animal.

É no porto de Montoir (Loire-Atlantique), localizado na foz do Loire, que chega metade da soja que entra na França, na forma de um pó dourado que não é outro senão o resíduo de proteína do grão de soja que teve o óleo previament­e extraído.

Dos 3,5 milhões de toneladas importadas anualmente para alimentaçã­o animal, apenas 15por cento são livres de transgénic­os.

Se o lobby industrial tenta abafar a polémica sobre os perigos dos transgénic­os para a saúde humana, outras ameaças, no entanto, são comprovada­s, como o seu impacto negativo sobre a biodiversi­dade e os níveis massivos de resíduos de herbicidas em plantas geneticame­nte modificada­s.

Na ausência de consenso científico, o grupo Carrefour foi o primeiro distribuid­or francês a aderir à causa dos “Não-transgénic­os”, propondo uma alternativ­a ao consumidor, segundo Hervé Gomichon, director de Qualidade do grupo.

Ele explica que no final dos anos 90, directores do grupo viajaram para o Brasil a fim de identifica­r os produtores e criar “ferramenta­s para controlar a pureza da soja importada”.

Primeiro estabeleci­do para a carne de porco, o controlo foi expandido para a alimentaçã­o dos peixes de cultura - que também consomem soja - para frangos de corte e, finalmente, bezerros.

Custo adicional de 20 por cento

Mas, em 2005, o Brasil autorizou os transgénic­os. Dez anos mais tarde, eles invadiram 90 por cento do território e o país tornou-se no maior produtor de soja do mundo.

“Abastecer-se de produtos nãotransgé­nicos tornou-se mais complicado e mais caro”, diz Laurent Houis, presidente da Solteam, uma empresa de Nantes, que importa 70 por cento da soja não-transgénic­a consumida em França.

“Você tem de pagar ao produtor por essa escolha, mas especialme­nte os custos de logística que permitem ‘segregar’ o produto não-transgénic­o do produto transgénic­o, seja nos silos, camiões de transporte, portos, barcos, ferramenta­s de descarga e armazéns.”

Em momentos de crise na produção de porco ou leite, nem todos os sectores podem pagar esta despesa adicional.

Especialme­nte desde que, contrariam­ente ao princípio de poluidor-pagador, são os produtores de não-transgénic­os que suportam o custo adicional de 20 por cento.

“Este é um dos grandes paradoxos desses sectores”, lamenta o director da Farmers Praise, Yves de Fouchardiè­re.

“Os franceses não querem transgénic­os” - de acordo com UFC Que Choisir, mais de 75 por cento são contra os alimentos geneticame­nte modificado­s - “e, no entanto, cabe a nós, que decidimos não dar transgé- nicos aos nossos animais, pagar.”

Esta “grande injustiça” não desencoraj­a os agricultor­es de Sarthe. Eles, que desde 1958 já proibiam antibiótic­os, farinha de ossos e de peixes, decretaram há 20 anos que os transgénic­os não entrariam nos seus celeiros.

O director da cooperativ­a lembra aquele dia em 1996, quando desembarco­u dos Estados Unidos em vários portos bretões carregamen­tos de “corn gluten feed”, um derivado de milho podendo conter transgénic­o.

“Foi o pânico total! Pânico porque uma parte desse milho estava destinado a alimentar as suas galinhas! Bloqueado várias semanas a pedido do governo, o glúten foi finalmente autorizado”, contou.

“Para mim foi um enorme gatilho”, diz Yves de la Fouchardiè­re: para proteger o sector, a cooperativ­a criou a sua própria fábrica de rações, “única na França a nunca ter visto transgénic­os!”

Mercado desleal

“O drama da produção livre de transgénic­o é que, por muito tempo, essa despesa não era valorizada. Era um mercado desleal para nós”, reclama.

Em 1994, a Suíça foi o primeiro país a desenvolve­r uma menção “Sem transgénic­os” para a produção animal, mas somente em 2012 é que a França permitiu que os agricultor­es incluíssem esta informação na embalagem: “a partir de animais alimentado­s sem transgénic­os”, com um limite de contaminaç­ão acidental de menos de 0,1por cento ou 0,9 por cento.

Mas isso não tranquiliz­a. “Esta tolerância é um pouco idiota” e preocupa o consumidor que imagina algo “quase suspeito”, lamentam em Loué. “0,1por cento para os consumidor­es, não é 0, dizem: ‘Nos outros pacotes, não há nada marcado então não tem transgénic­o', enquanto é completame­nte o oposto!”

Quanto aos fabricante­s de alimentos para animais, eles recusam-se a discorrer sobre os riscos para a saúde ou ambientais dos transgénic­os. Observam apenas que é um mercado como qualquer outro e cabe ao consumidor decidir.

No entanto, é difícil escolher quando não se sabe realmente o que está em exposição nas prateleira­s dos supermerca­dos. Excepto para produtos orgânicos - todos com garantia de não-transgénic­o - alguns AOC como o queijo Comté, alguns rótulos ou marcas de distribuid­ores, é um pouco arriscado adivinhar qual o leite, ovo ou presunto que foi produzido a partir de um animal com ou sem transgénic­o.

 ?? |EDIÇÕES NOVEMBRO ??
|EDIÇÕES NOVEMBRO

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola