Samakuva e a escolha das “medidas adequadas”
As palavras perseguem quem as profere, não raras vezes ao longo da vida, da carreira profissional e política, entre outras esferas. O extremismo no verbo pode custar uma carreira política, pode associar e confundir o autor, passando a uma espécie de expressão metonímica com o qual ele passa a ser inseparavelmente identificado. De facto as palavras perseguem os seus autores, para o bem quando as mesmas exprimem o razoável e o aceitável, para o mal quando opostamente sucede o contrário. E para este último caso, as suas cobranças não demoram, ocorrendo muitas vezes durante a vida inteira dos autores de tais palavras, não raras vezes servindo de chacota.
Na frequência do meu ensino secundário, numa disputa verbal entre um casal de colegas, o rapaz tinha prometido à rapariga nos termos seguintes “se continuares a gozar comigo, vou trazer a minha arma”. Banido das aulas, a direcção da escola condicionou a retoma à apresentação da arma, meio este que, na verdade, não existia em posse do aluno. Os encarregados suplicaram à direcção para que o mesmo fosse readmitido, mas passados mais de 30 anos, os contemporâneos e ex colegas continuam jocosamente a cobrar ao amigo a arma, facto que comprova o quanto as palavras perseguem quem as profere. O meu colega passou a ser alcunhado de o “homem da arma”.
Há dias o presidente da UNITA, Isaías Samakuva, em entrevista à TV Zimbo prometeu, em nome do seu partido, “tomar medidas adequadas para inviabilizar o Executivo que sair das próximas eleições, se a UNITA as perder”, numa alusão aos fantasmas que ocorrem ao líder da oposição.
Presume-se que entre os fantasmas que ocorram a Samakuva constem o receio de uma terceira derrota, provavelmente a mais devastadora, o legado de insucessos que tende a deixar a medida que se aproxima a sua “reforma política” e, para justificar, o incorrigível espectro da fraude.
Quando insistido para dissertar sobre as “medidas adequadas”, o líder do Galo Negro preferiu deixar no ar a ideia de que “elas ficam para serem vistas”, dependendo do desfecho do pleito eleitoral, para o qual a UNITA vai concorrer e reclamar os seus resultados ao mesmo tempo.
Reclamar antes do começo de uma partida em que se joga com a possibilidade, semelhante à dos outros concorrentes, de ganhar não faz sentido salvo se tais reclamações forem dignas de uma desistência que signifique discordância absoluta para com as regras do jogo.
Nas redes sociais e longe ainda do auge da campanha eleitoral, Isaías Samakuva já é encarado como o homem das “medidas adequadas”.
Em certa medida, esta atitude assente no desespero e derrotismo que muito se assemelha a tantas outras assumidas em tempos por figuras da UNITA apenas contribui para o efeito contrário e nunca para atrair atenção e eleitores. As “medidas adequadas” de Isaías Samakuva vão persegui-lo durante todo o período eleitoral e passarão a ser lembradas como verdadeiro slogan com forte sentido depreciativo mesmo depois da campanha. Embora no seu devido contexto, ninguém perde de vista o quanto e como a famigerada expressão da ameaça de “somalização de Angola” persegue o seu autor até aos dias hoje na medida em que, volta e meia, tais palavras acabam sempre por causar algum ruído.
Os nossos políticos devem ser razoáveis no uso das palavras ao longo das suas carreiras e, muito em particular, durante as fases eleitorais quando os ânimos tendem a subir na mesma proporção em que devia aumentar o autodomínio.
Numa altura em que Angola se prepara para as eleições, melhor colocada para inspirar o povo e, em particular o seu eleitorado, deve estar a classe política.
Numa altura de paz, estabilidade e independentemente dos desafios de natureza social e económica por que passa Angola, não há razões para se exaltar os ânimos, mesmo que o percurso das actividades cívicas e políticas não corram como desejado.
A luta política deve ser travada com a aconselhada contenção verbal, dentro dos marcos legais, sempre com recurso às instituições judiciais, quando necessário, sob pena de todo e qualquer gesto contrário transformar em refém o seu autor. Não se pode negar a força das palavras porque as mesmas perseguem rigorosamente quem as profere, levando, muitas vezes, a que os seus autores introspectivamente se envergonhem das mesmas em circunstâncias de maior lucidez. Por isso, as palavras pronunciadas por Isaías Samakuva segundo as quais vai recorrer a “medidas adequadas” para inviabilizar o futuro Governo, vão perseguir o líder da UNITA por muito tempo. Corre mesmo o risco de se habituar à alcunha de o homem das “medidas adequadas”.