Os passarinhos e a arquitectura urbana
O luandense perdeu o convívio com os passarinhos que, não há muitas décadas, eram parte do quotidiano, saudavam-no de manhã e à tardinha, guardavam-lhe segredos, anunciavam-lhe o tempo.
A Luanda de então, de cidade pouco mais tinha do que o nome. As tecnologias de comunicação ficavam-se praticamente pelo sistema de morse, com letras, algarismos e sinais de pontuação provenientes de toques num aparelho, igualmente receptor. Aos ouvidos da maioria dos leigos chegavam como sinfonia desafinada de assobios e apitos. Aos de outros, principalmente crianças, como algo de mágico. Os raríssimos telefones, a maioria instalados em serviços públicos, funcionavam à manivela, com os locais para falar e ouvir separados um do outro, pelo que a sua utilização exigia as duas mãos.
A Luanda daquele tempo tinha muitíssimo menos luz do que a de hoje. Os poucos candeeiros de iluminação pública funcionavam a querosene e eram acendidos - apenas na pequena cidade asfaltada e empedrada - ao início da noite por funcionários camarários.
Nas casas de habitação, a escuridão era rompida por candeeiros a petróleo, lamparinas de lata, muitas vezes adaptadas de recipientes - de leite condensado, de conservas, cujo combustível era azeite doce ou de dendém. A água para consumo doméstico provinha de cacimbas, dos pouquíssimos chafarizes e de merceeiros, que, além de a misturar no vinho, a vendiam.
A Luanda daquele tempo era bem pior do que a de hoje, mas tinha mais árvores, que refrescavam a cidade e a coloriam sem diferenças - a do asfalto e a do areal vermelho - e eram palco dos passarinhos de várias matizes, que a enchiam de cânticos de alegria, mas também de tristeza. Eram januários, de bicos e penas vermelhas enfeitadas com pintas brancas, pardais, que começam a reaparecer. Acima de tudo, caxexes vestidos de azul-celeste e cinzento, bicos-de-lacre, orgulhosos no castanho amarelado da plumagem, ventre às riscas brancas, cauda pintada de vermelho escuro e bico da cor que lhe dá o nome, bem como o bigodes, assim chamado por ter uma lista negra que lhe vai da comissura do bico em curvatura para trás. O peito e ventre são amarelos escuros, as asas e a cauda sensivelmente da mesma cor, mas com listas pretas. Havia um, cujo nome me não lembro, que anunciava azar, outro, uma boa-nova e um terceiro que pedia a chegada do Cacimbo por não haver chuva para castigar os caminhos e casas dos pobres.
Nunca consegui, e bem tentei, ouvir mensagens, avisos, pedidos nos cantares dos passarinhos da nossa Luanda, como nos falava Velho Bano, que tinha sido marinheiro de muitos portos. Em cada um deles, um amor, vários bares e algumas brigas. Naqueles anos, eu apenas escutava melodias que nunca mais esqueço, que me pareciam todas belas, suaves. Mas nunca duvidei no que ele nos contava, a mim e a todos os meninos. Na hora de depois do jantar, debaixo de uma goiabeira do seu quintal ou na porta da rua da sua casa. Sempre com boné branco e azul com âncora dourada bordada em cima da pala.
Luanda cresceu, moderniza-se todos os dias. Hoje sim, é cidade, mais moderna e bonita do que a da minha infância. Apenas lhe faltam árvores, que há-de voltar a ter. Com elas, vão reaparecer todos os passarinhos de então e com eles os seus cantares. Pode ser que nesse dia perceba finalmente o que nos dizem e passe aos meninos de agora as estórias que Velho Bano nos contou naqueles anos da cidade pequena.